Opinião

Está na hora de falarmos dos subsídios da magistratura

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18 de abril de 2022, 7h14

De uma hora para outra, com parte do mundo em guerra e o país mergulhado nas consequências de uma inédita crise sanitária, de gestão e da política da verdade (fake news), criaram a impressão de que falar de subsídios da magistratura ficou proibido.

Não podemos ter receio de falar sobre nossos vencimentos. Um juiz ou juíza que não defende os seus próprios direitos e o aperfeiçoamento da Justiça não estaria igualmente capacitado para defender os direitos do cidadão, o que vem a ser sua função principal dedicada à pacificação social.

Vejam o que diz a Constituição, em seus artigos 37, X, e 93, V, pontuando que magistrados têm direito à revisão geral anual da remuneração e, como prerrogativa, à irredutibilidade dos vencimentos. São dois princípios constitucionais que vêm sendo solenemente ignorados.

A magistratura passa por uma fase difícil, com a carreira sendo cada vez mais desvalorizada. Junto a campanhas de desconstrução, existem iniciativas de privilegiar, em ano eleitoral, apenas uma carreira na concessão de reposição pela defasagem inflacionária.

Enquanto isso, a magistratura amarga injustificadamente a defasagem de 45% de seus subsídios, frente à ausência de correção há seis anos. Isso representa a redução em quase a metade da condição anterior de cada juiz, frente à corrosão inflacionária.

Esse tipo de achatamento não desvaloriza somente a função de juiz, mas enfraquece o Poder Judiciário, um dos pilares da democracia, e atinge frontalmente o cidadão, sobretudo o oprimido e que depende da pronta resposta de todo o sistema de Justiça.

É inadmissível que o magistrado veja sua atividade em segundo plano ante outra profissão que possa exercer, como é o caso de professor. Também é inimaginável assistir impassível ao desestímulo da carreira. Bons profissionais têm deixado a função e optado por outras atividades, quando outrora o caminho era o inverso.

Tudo isso afeta a carreira, face sobretudo à sobrecarga de trabalho que experimenta o magistrado, à ausência de política clara quanto aos seus subsídios, aposentadoria e prerrogativas funcionais.

No caminho da valorização da carreira, defendemos ainda a regulamentação, como foi feito para os militares, em 2020, de adicional de disponibilidade (ou dedicação exclusiva). Esse adicional teria o objetivo de remunerar a disponibilidade permanente e dedicação exclusiva do magistrado no decorrer de sua carreira.

Lembremos a todos que, nos últimos tempos, os juízes responderam a inúmeras provocações face ao drama que se abateu no mundo frente à pandemia da Covid-19. Foram os magistrados chamados a decidir sobre tratamentos, medicações, lockdown, carência no cumprimento de obrigações civis, liberdade de prisioneiros e tantos outros dramas que a legislação pátria não previa.

Talvez, o cidadão não tenha percebido, mas foram essas decisões judiciais que impediram saques, conflitos urbanos, rebeliões em presídios e que pacificaram contendas até então inimagináveis. Além disso, a atuação judicial resultou na destinação direta de milhões de reais para o combate ao coronavírus.

Ainda assim, criam várias frentes contra esse expoente da República e sua consolidação enquanto Poder, com independência de existir e agir como definiu Barão de Montesquieu há mais de 270 anos. Mesmo contrariando interesses daqueles que detêm outro tipo de poder que não tolera ser questionado, as instituições continuam funcionando.

Não é à toa que há campanhas consecutivas para criminalizar o ato de julgar até mesmo com vários tipos penais, como no caso da lei de abuso de autoridade. Tentam de toda forma inibir a função de dirimir conflitos, criando possibilidade de indenização e até declarações de inabilitação para exercício de cargo público por até cinco anos.

O fato é que, por várias manobras, a magistratura deixou de ser atrativa: tem sido atacada pela opinião pública, sofre com o achatamento salarial, elevação da litigiosidade, insuficiente proporção de juízes por habitantes, falta de estrutura, entre outros, além de ficar à mercê da lei contra o abuso de autoridade.

Até pouco tempo atrás, alcançar o cargo de juiz de Direito era a meta maior nas carreiras jurídicas. Ninguém pedia exoneração. Ocupantes de outras carreiras de Estado não se interessam mais em migrar para a magistratura.

De outro lado, um crescente número de magistrados, e também de membros do MP, vem buscando outras atividades profissionais. O que leva alguém que conquistou um cargo de destaque e vitalício a procurar novos caminhos? Razões não faltam, como já vimos.

A magistratura passa por uma fase difícil, com a carreira sendo cada vez mais desvalorizada. Tudo somado, isso não é bom para a sociedade de forma geral. Cada vez menos, ingressarão na magistratura como primeira opção. E, dentre esses, bem menos ainda os vocacionados.

O número de cargos de juízes vagos é impressionante em todos os ramos do Judiciário. Ter um Judiciário ineficiente ou capenga favorece grandes grupos dirigentes, grandes corporações econômicas etc. Não fomos consultados nem concordamos com esse desmonte institucional.

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