Opinião

O fim do limite de valor para julgamento em sessões virtuais do Carf

Autor

  • Nicole Gonçalves

    é advogada pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) pós-graduanda em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) MBA em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP) membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SC e coordenadora do Grupo de Estudos em Direito Tributário da Jovem Advocacia de Santa Catarina.

18 de abril de 2022, 11h14

A recente Portaria ME nº 3.125, do dia 7 deste mês, acabou com o limite do valor para julgamento em sessões não presenciais (em formato de videoconferência) do Carf.

O Conselho de Administração de Recursos Fiscais é um órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Economia [1]. A sua composição é paritária, integrado por representantes da Fazenda Nacional escolhidos entre auditores fiscais indicados em lista tríplice encaminhada pela Receita Federal [2], recaindo a representação dos contribuintes entre brasileiros com formação superior e registrados em órgão de classe há no mínimo três anos, com notório conhecimento técnico e exercício comprovado na área de Direito Tributário, indicados em lista tríplice pelas confederações representativas de categorias econômicas e centrais sindicais [3].

Como é sabido, com o advento da pandemia, os tribunais pelo país tiveram que se readequar ao formato de julgamento não presencial, após uma suspensão inicial de todas as sessões,

Neste contexto, inicialmente, a Portaria nº 10.786/20 dispunha que seriam julgados recursos cujo valor original era de até R$ 1 milhão, ou recursos, independentemente do valor, cuja matéria fosse objeto de súmula ou resolução do Carf, decisão definitiva do STJ ou do STF na forma de recursos repetitivos.

Em julho de 2020, no entanto, houve ampliação do teto para julgar recursos cujo valor original fosse de até R$ 8 milhões, conforme a Portaria Carf nº 17.296. Em janeiro de 2021 a Portaria ME nº 665 elevou o teto dos julgamentos que envolvessem créditos tributários para R$ 12 milhões, até 31/3/2021.

Ao final de março sobreveio nova Portaria (3.138/21) que ampliou o valor do teto para um numerário de R$ 36 milhões, o que foi referendado pela Portaria nº 7.406/21, ou seja, triplicou-se tal limite.

A recente Portaria ME nº 3.125, de 7/4/22 que entrou em vigor em 11/04/22, acabou por liquidar com qualquer valor de teto para se julgar recursos referentes a créditos tributários, permanecendo a previsão regimental para a realização de julgamentos nas duas modalidades, presencial ou não presencial, a critério das partes.

O Carf é, notadamente, reconhecido como um tribunal que prima pelo debate técnico e amplo entre os conselheiros representantes da Fazenda e dos contribuintes. As sustentações orais e comuns intervenções e explicações detalhadas em matérias de fato pelos patronos usualmente possibilitam um maior debate dos temas em discussão, principalmente em casos de relevante valor, os quais comportam em sua maioria notório detalhamento fático e probatório. Com as sessões não presenciais, isso se perde.

Importante salientar que foi necessária e certeira a realização de julgamentos no formato virtual porquanto o período pandêmico. No entanto, com a normalização e retomada das atividades no país, observa-se uma nova (e imprescindível) readequação para o modelo presencial.

O Carf retornaria as sessões presenciais em janeiro, porém os julgamentos foram cancelados por falta de quórum, em razão da greve (que parece estar longe de acabar) dos auditores fiscais que cobram do governo a regulamentação do bônus de eficiência. Em vistas disso, manterá o modelo de reuniões de julgamento não presencial por videoconferência durante o mês de abril de 2022 [4]. Somado a isso, temos o fim do teto de valor para estes julgamentos a ocorrer, conforme a Portaria  ME nº 3.125.

Veja-se, não se discorda da retomada das atividades inicialmente em modelo híbrido, com sessões virtuais e sessões presenciais, o que está em debate é a necessidade de um teto para o julgamento em sessões não presenciais.

Será que a nova portaria foi editada com um único e tão somente fito de dar escoamento e mostrar números/resultados aos processos de valores expressivos que ultrapassam R$ 36 milhões que estão pendentes de julgamento desde 2020? Sabe-se que número não é sinônimo de eficiência, tão pouco qualidade das decisões.

Sob a perspectiva, ou melhor, sob a falta de perspectiva do fim da greve dos auditores fiscais, será que a nova Portaria foi editada justamente porque se sabe que a greve está longe de acabar, ou seja, que as sessões de julgamento continuariam na modalidade virtual e que, eventual permanência do teto (ou diminuição) faria com que os processos de valores vultuosos permanecessem sem decisão? Sabe-se que a greve e, consequentemente, a continuação dela afeta diretamente a economia do país.

Noutras palavras, manter-se em greve, sem julgar os processos cujos valores ultrapassam R$ 36 milhões é, indiretamente, colocar-se em posição indelicada frente as grandes empresas, as quais são as partes dos processos. E, mais do que isso, é colocar-se numa posição passível a sofrer pressões.

A saída que se aparentava mais interessante era permanecer na modalidade de julgamento virtual, retirar o teto e, consequentemente, poder julgar os recursos que envolvem grande vulto. Contudo, deixou-se de observar que os recursos de valores tão expressivos precisam de uma maior proximidade entre advogados, procuradores e conselheiros para que seja exercido direito de defesa dos contribuintes à sua máxima. E isso apenas é possível na modalidade de julgamento presencial.


[1] Decreto nº 9.745/2019

[2] RICarf, Anexo II, artigo 29, inciso I.

[3] RICarf, Anexo II, artigo 29

[4] Portaria Carf/ME nº 2251

Autores

  • é advogada, pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), pós-graduanda em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), MBA em Gestão Tributária pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SC.

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