Opinião

CNI em busca de marco regulatório de maior impacto ao ecossistema de inovação

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13 de abril de 2022, 7h01

O 9o Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no mês de março de 2022, evidenciou a preocupação do setor produtivo nacional com a necessidade de se efetuarem mudanças políticas e legislativas para estimular o empreendedorismo de base tecnológica e para que seja diminuída a taxa de mortalidade das startups no Brasil. Com olhos no desenvolvimento e na sustentabilidade, a confederação reivindicou que a inovação seja viabilizada como motor de propulsão econômico no ambiente pós-pandemia, em cenário regulatório que assegure previsibilidade e calculabilidade dos riscos empresariais para empreendedores e investidores.

No plano político, mesmo antes da pandemia, a CNI já vinha afirmando que o governo brasileiro precisa fazer da inovação — e da qualificação de mão-de-obra para o desenvolvimento de atividades disruptivas no setor de tecnologia — prioridade para o país nos próximos anos, na linha do que defendeu Soumitra Dutta, então professor de administração da Cornell University, no mais recente número da Revista da Indústria Brasileira [1].

Para que isso aconteça, não há mudança significativa possível sem uma boa dose de valorização da educação técnica, tecnológica e profissional, circunstância que, entre outros debates, reclamará a retomada de investimentos sensíveis na pós-graduação universitária, o apoio às atividades de pesquisa e desenvolvimento, linhas de crédito subsidiadas por bancos públicos e agências de fomento, bem como a manutenção e quiçá incremento do financiamento dos serviços sociais autônomos via contribuição patronal para que estes, em atividade de cooperação com o governo, possam auxiliar na formação de quadros técnicos adequados para a economia e para os serviços disruptivos de tecnologia desde a fase de aprendizagem.

No plano legislativo, a seu turno, a CNI assevera que, embora inegáveis progressos devam ser creditados ao parlamento no último ano, há muito a se aperfeiçoar no campo regulatório de promoção da inovação. Com efeito, a Lei Complementar 182/21 deu um significativo passo no sentido da instituição de um marco regulatório autônomo (ainda que incompleto) das startups, tendo o legislador reconhecido o empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental, bem como voltado a atenção para a necessidade de definir um ambiente regulatório marcado por níveis mais elevados de segurança jurídica e de liberdade contratual, premissas fundamentais para a promoção de investimento e a oferta de capital direcionado a iniciativas inovadoras.

Digna de especial nota, na busca por esse ambiente de negócios mais seguro e previsível para a inovação e a tecnologia, é a tentativa de salvaguardar o investidor-anjo dos denominados riscos do vale da morte, período crítico em que a startup ainda não alcançou o seu ponto de equilíbrio econômico (break-even point) e, por isso mesmo, está mais sujeita a percalços empresariais ligados à insolvência como a recuperação judicial e a falência.

O legislador complementar, nessa mesma linha, a fim de poupar o anjo de problemas comuns como a inscrição em dívida ativa em processos de lançamento tributário, explicitou que essa classe de investidor, ao realizar o aporte, não integra o quadro societário, não tem direito a voto nas deliberações, tampouco participa da gerência societária. Será, porém, recompensado na forma do contrato de participação. O diploma complementar, em rigor, vai além, tendo repetido e ampliado a proteção conferida pela LC 155/16, para proibir que o patrimônio do investidor-anjo responda pelas dívidas societárias e seja alcançado pelo procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, inclusive e principalmente na jurisdição trabalhista [2], ressalvados os casos de dolo, fraude ou simulação. Há, portanto, como regra geral, uma espécie de princípio da intangibilidade do patrimônio do anjo (que, em princípio, não ingressa no quadro societário), somente afastado se o negócio se estruturar para finalidades claramente ilícitas.

Se andou bem o legislador complementar ao proteger o patrimônio dos anjos contra a desconsideração da personalidade jurídica, o veto presidencial ao artigo 7o frustrou, de imediato, a expectativa de garantir-lhes, quando se tratar de pessoas físicas, um tratamento fiscal mais adequado, como foi bem pontuado em carta aberta direcionada ao Congresso Nacional pela Associação Brasileira de Startups. O texto, nos moldes propugnados pelo Legislativo, foi concebido para estimular, de fato, o investimento em várias startups simultaneamente, com a garantia de compensação entre receitas e prejuízos em distintas pessoas jurídicas e a consequente diminuição da base de cálculo de tributação do imposto de renda. O ideal, por sinal, seria que o tratamento fiscal favorecido fosse ampliado também para alcançar os anjos constituídos em forma de pessoa jurídica, não se divisando, em princípio, razão para o tratamento desigual do incentivo à inovação.

Naturalmente, algum tratamento fiscal diferenciado desses aportes e investidores é justificável como medida de política fiscal desenvolvimentista, porque, na fase inicial, as startups, marcadas por sua informalidade, incerteza e sujeição a alto risco, experimentam especial escassez de fontes de investimento, pois não conseguem prestar as garantias normalmente requeridas pelas instituições financeiras para amplo acesso ao crédito. Tais empreendimentos, comumente, iniciam-se apenas com recursos modestos do empreendedor, famílias, amigos e apoiadores sem muita informação (family, friends and fools ou FFFs), secundados por aportes realizados por investidores que, normalmente, não têm a perspectiva de recuperação no curto prazo, como os anjos. Somente em fase mais avançada do empreendimento, provada a sua viabilidade, é que costumam as startups ter acesso a investimentos mais robustos e estruturados, como os realizados por venture capital e equity funds. Sensível a essas dificuldades do ecossistema de inovação, o Congresso Nacional pretende estabelecer uma série de incentivos fiscais especiais para aqueles que investirem em Startups, proposta que está bem articulada no benfazejo PLP 02/2022, que faz parte da Pauta Mínima da Agenda Legislativa da Indústria 2022 e cujo lançamento ocorreu no último dia 29 de março.

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que a agenda da inovação, da tecnologia, da educação profissional e da melhoria do ecossistema para o desenvolvimento das startups, embora já venha há tempos chamando a atenção do setor produtivo, da doutrina jurídica e tenha redundado em recente reforma legislativa, reclama, ainda, dos poderes constituídos, em boa medida, a adoção de políticas públicas de fomento mais arrojadas e o aperfeiçoamento do marco regulatório da LC 182/21. Se as startups, é verdade, foram já reconhecidas pelo Estado, na redação originária da Lei Complementar 182/21, como categoria especial de empresas carecedoras de um regime jurídico próprio, o direito nacional ainda precisa avançar, na linha propugnada pelo PLP 02/2022, para que os investidores em tais atividades (sobretudo os anjos) sejam contemplados com tratamento fiscal apropriado e incentivos regulatórios suficientes para que se sintam convidados a aportar recursos de larga escala nesse setor prioritário para o desenvolvimento tecnológico sustentável da economia nacional.


[1] Revista da Confederação Brasileira da Indústria, Ano 7, nº 63, p.3

[2] Como se sabe, a Justiça do Trabalho aplica, majoritariamente, uma versão toda peculiar da denominada teoria menor da desconsideração e assim se contenta com o inadimplemento do crédito laboral para afastar o véu protetivo da pessoa jurídica e alcançar o patrimônio pessoal de sócios ou de outras empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico. Isso ocorre, por vezes, sem nem mesmo se assegurar o direito ao contraditório e à ampla defesa, pois, não raro, os sócios e empresas integrantes do grupo econômico são afetados, diretamente, do prisma patrimonial, já por atos de constrição na fase de execução, sem terem tido a oportunidade participar da fase de conhecimento (vide cancelamento da Súmula 205 do TST), na qual se assenta a existência da dívida trabalhista.

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