Opinião

Justiça prende surdo e mudo e diz que ele invocou direito ao silêncio

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11 de abril de 2022, 9h37

O Brasil não se ajuda. Jornais noticiam que em Nova Iguaçu-RJ, rapaz surdo, mudo e analfabeto (sem nem sequer conhecer a linguagem de sinais) foi preso por "populares" por tentativa de roubo (sic) de um celular. Seu nome é Leonardo Bezerra.

Spacca
O rapaz teria tentado tirar o celular do bolso de trás de uma moça menor de idade. Na delegacia, nada disse (em sua defesa). Claro. É surdo-mudo e não conhece a linguagem dos sinais. Como poderia dizer algo? O delegado fez constar que Leonardo "preferiu" (sic) silenciar. Boa, não?

Na audiência de custódia não havia intérprete. O juiz transferiu para outra audiência. Desta vez com intérprete. Mas o rapaz nada disse. Está (pelo menos até esta data) no presidio (desde o dia 28 de março).

Se eu entendi bem, tudo começou errado. 

Primeiro, não parece tentativa de roubo, mas, sim, de furto. Onde está caracterizada a violência? Se não foi roubo, o que justificou a prisão determinada pelo juiz? Isso se a versão da vítima for verdadeira (da qual não duvido). Explico: se tentaram tirar dela o celular do seu bolso, onde o roubo? Afrouxaram tanto assim os requisitos para a definição de roubo?

Segundo: se o rapaz é surdo, mudo, não se comunica por sinais e tudo indica não ter antecedentes criminais, por qual razão, por cristo e todos os santos, o juiz não aplicou medidas cautelares? Mesmo que tivesse antecedentes, as circunstâncias não indicariam a substituição prevista no art. 319 do CPP?

Qual é o nosso limite de tolerância?

Ora, o devido processo legal deve ser entendido à luz dos direitos fundamentais. As circunstâncias pessoais do indiciado — certa vez um homem com deficiência, que só se locomovia se arrastando, foi condenado no Rio de Janeiro com a aplicação da escalada por ter pulado um muro — mostram que o Estado deve providenciar todos os meios para que um surdo-mudo e carente da linguagem dos sinais possa colocar sua versão. 

De que modo é possível determinar a prisão sem que se saiba, ao menos, que o rapaz tenha consciência-conhecimento do que está sendo acusado? 

O Brasil necessita de um choque de civilização. 

O Brasil tem como futuro um imenso passado pela frente. 

E os populares (sic) de Nova Iguaçu deveriam não fazer desforço físico. Tudo indica que foram para cima do rapaz porque esse era surdo, mudo, analfabeto e franzino. Por certo não fazem isso com quem é forte e sabe do que está sendo acusado.

Não quero fazer demagogia ou populismo jurídico apostando cegamente na versão dos familiares do rapaz surdo e mudo (já que a versão dele não existe até agora). 

Mas, por favor, os elementos objetivos trazidos até aqui apontam para uma grande patacoada do sistema de segurança e justiça. A propósito: por qual razão o advogado não interpôs um habeas corpus? 

O que foi que fizemos para a deusa da justiça? 

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