Opinião

Limite de supressão e os contratos administrativos por demanda variável

Autor

  • Alberto Carvalho

    é advogado graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet pós-graduando em Licitações e Contratos Administrativos pela Faculdade Baiana de Direito e sócio do PPF Advocacia.

8 de abril de 2022, 13h14

Não há dúvidas de que ao ser firmado um contrato administrativo, tanto o particular como os gestores públicos se vinculam integralmente às condições previstas no edital e no respectivo contrato, assim como, à proposta apresentada, que apenas podem ser relativizadas em situações específicas previstas em Lei.

No caso de alterações promovidas unilateralmente pela Administração Pública, existem duas hipóteses previstas na Lei 8.666/93 [1] e replicadas na Nova Lei de Licitações[2], quais sejam: "a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos; e b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei".

Em virtude das referidas alterações formalizadas pela Administração Pública, o particular contratado fica obrigado a aceitar, desde que devidamente fundamentado, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato [3].

Ou seja, caso um particular firme um contrato administrativo contemplando como valor global do serviço R$ 1 milhão, e no curso do contrato a administração promova alterações que reduzam o escopo dos serviços, o particular está obrigado a aceitar uma supressão no valor global do contrato, de até R$ 250 mil.

Até aí não existem maiores dúvidas acerca da aplicação do limite de supressão previsto em lei. No entanto, existem contratos administrativos que são firmados por demanda variável, onde a Administração Pública estima uma demanda máxima, e o particular estipula o valor unitário para prestação dos serviços, recebendo de acordo com o quantitativo de serviços efetivamente prestados.

Nesses contratos, o particular não necessariamente receberá pela demanda máxima estimada pela Administração Pública. Assim, sua remuneração será variável, e estará diretamente vinculada à efetiva necessidade de demanda do órgão público.

Esse tipo de contrato é muito comum para serviços de impressão, onde através de um estudo prévio a Administração Pública identifica a quantidade de impressões que serão necessárias para um determinado período e disponibiliza tal informação ao particular, para que este, levando em consideração o volume máximo de impressões, estabeleça um valor unitário por impressão.

Logicamente, quanto maior a demanda estimada pela Administração, mais desconto o particular consegue oferecer no valor unitário da impressão, diante de uma maior margem para negociação com seus fornecedores. No entanto, ao mesmo tempo, quanto maior a demanda estimada, mais investimentos o particular tem de fazer em equipamentos, funcionários e insumos, para estar preparado para cumprir o contrato até a demanda máxima prevista em contrato, ainda que não se concretize na prática.

É nessa hipótese que surge a dúvida acerca da aplicação do limite de supressão de 25% previsto em lei.

Se no contrato por demanda variável o particular só recebe de acordo com o volume em que for demandado pela administração, no caso do volume demandado pela Administração ser inferior àquele estimado no momento da contratação, resultando em uma supressão no valor do contrato superior a 25%, estaria o particular obrigado a receber apenas pelo serviço efetivamente prestado, ainda que substancialmente inferior àquele estimado pela Administração?

A resposta mais adequada me parece ser que não. Isto porque, a estimativa de demanda promovida pela Administração deve ser precedida de amplo estudo, de modo a refletir a real necessidade do órgão público.

Não é por menos que a Lei 8.666/93, e a Nova Lei de Licitações são taxativas no sentido de exigir para o lançamento de uma licitação, um estudo técnico prévio, que servirá de embasamento para a elaboração do projeto básico da contratação. É com base nesse projeto básico que o particular se baseia para apresentar sua proposta de preço.

Inegavelmente, uma diferença superior a 25% da demanda estimada pela Administração revela uma flagrante falha no estudo técnico prévio que serviu de base para a demanda máxima estimada pelo órgão público, e em hipótese alguma o particular deve sofrer o ônus dessa falha.

Imagine que uma determinada empresa firmou um contrato administrativo para prestação de serviços de impressão, pelo prazo de dois anos, tendo como estimativa de demanda máxima 4.800.000 impressões, sendo 200.000 impressões mensais.

Levando em consideração a demanda máxima prevista em contrato, a empresa estabeleceu em sua proposta como valor unitário da impressão R$ 0,10. Assim, a empresa tem uma justa expectativa de receber ao longo dos dois anos de contrato até R$ 480 mil ou R$ 20 mil mensais.

No entanto, caso a Administração Pública demande no curso da relação contratual apenas 10 mil impressões mensais, o particular receberá apenas R$ 1.000 mensais, o que sequer cobre custos mínimos para o cumprimento contratual.

Em virtude disso, é essencial que o limite de supressão de 25% seja respeitado, mesmo tratando de contratos por demanda variável, já que uma supressão superior ao referido limite revela uma evidente falha de estimativa e do projeto básico elaborados para a licitação.

É inadmissível que o ônus decorrente de falha da Administração Pública  na estimativa de quantitativos de serviços seja repassado para o particular.

É certo que não se exige da Administração Pública a perfeita correspondência entre o planejamento dos serviços e sua efetiva execução, no entanto, o artigo 65, inciso I, alínea "b", da Lei nº 8.666/1993 estabelece mecanismos que lhe possibilita compensar eventuais ajustes no contrato por conta da necessidade de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto, desde que respeitados os limites determinados no §1º do referido dispositivo.

Vale ressaltar que mesmo nos casos em que não se identifique falha na estimativa de quantitativos de serviços, mas sim uma intenção da entidade pública em superdimensionar quantitativos com o objetivo de conferir margem de segurança para contratação, o entendimento do TCU é pacífico quanto à impossibilidade, senão, vejamos:

"FISCALIS EXECUÇÃO 2008. AEROPORTO DE FLORIANÓPOLIS. LEVANTAMENTO DE AUDITORIA NAS OBRAS DE TERRAPLENAGEM, DAS PISTAS DE TAXIWAY E DO PÁTIO DE AERONAVES DO NOVO TERMINAL DE PASSAGEIROS DO AEROPORTO. INSUFICIÊNCIA DO PROJETO BÁSICO. SOBREPREÇO. SUSPENSÃO CAUTELAR DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO CERTAME. PERDA DE OBJETO. DETERMINAÇÕES. ARQUIVAMENTO. O superdimensionamento de quantitativos de serviços em fase de licitação, sob o pretexto de conferir ao orçamento de referência margem de segurança para eventuais distorções, é ato incompatível com os princípios da legalidade e da eficiência, ensejador de determinação ao órgão para que proceda à sua anulação, sem prejuízo da possibilidade aplicação de multa aos responsáveis que lhe deram causa". ACÓRDÃO TCU 331/2009. 04/03/2009.

Esse entendimento do TCU tem uma lógica, uma vez que ao participar de uma licitação envolvendo certa demanda e valores relevantes, o contratado se prepara para arcar com os custos do fornecimento com base na estimativa, sofrendo grave prejuízo caso a utilização efetiva for muito diferente do previsto em edital e contrato.

Conclui-se, assim, que mesmo tratando-se de um contrato por estimativa, o quantitativo estimado não deve destoar de forma tão significativa daquele efetivamente demandado, sob pena de restar configurado a violação ao disposto no artigo 65, §§1º e 2º, da Lei 8.666/93, e o consequente desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Ao particular que se encontra nessa situação, cabe apresentar administrativamente um pedido de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, para que seja respeitado o limite de supressão de 25%, e em caso de recusa da entidade pública, provocar o judiciário para ter o seu direito garantido, viabilizando não só a manutenção da relação contratual, como também a higidez financeira da sua empresa.


[1] Lei 8.666/93. Artigo 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

[2] Lei 14.133/2021. Artigo 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos;
b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;

[3] Lei 8.666/93. Artigo 65, §1º.  O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos.

Autores

  • é advogado em Salvador, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), pós-graduando em Licitações e Contratos Administrativos pela Faculdade Baiana de Direito (FBD) e sócio do PPF Advocacia.

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