Opinião

Posição do STF na classificação dos créditos tributários na falência

Autor

  • Gildásio Pedrosa de Lima

    é advogado especialista em Direito dos Contratos (ICAT/UDF) e em Direito Empresarial (FGV). Mestrando em Direito do UniCEUB. Professor de Direito Empresarial. Vogal da Junta Comercial do Distrito Federal. Gerente Jurídico Emgea (Empresa Gestora de Ativos S.A).

7 de abril de 2022, 11h01

Com a decretação da falência do empresário, incumbe ao Administrador Judicial nomeado à verificação e à classificação dos créditos para definição da ordem de preferência dos pagamentos, os quais serão realizados com o produto da alienação dos ativos da falida. A classificação dos credores em concurso é essencial, já que na maioria absoluta das falências não restam recursos suficientes para a satisfação de todos os créditos contra o falido.

Os créditos tributários contra o falido têm tratamento diferenciado em virtude dos privilégios das Fazendas Públicas. Em recente julgamento do STJ (REsp 1872153), o ministro Luis Felipe Salomão sintetizou de forma muito didática esse tratamento: "É certo que os créditos tributários não se submetem ao concurso formal (ou processual) instaurado com a decretação da falência ou com o deferimento da recuperação judicial, vale dizer, não se subordinam à vis attractiva (força atrativa) do juízo falimentar ou recuperacional, motivo pelo qual as execuções fiscais terão curso normal nos juízos competentes".

Ponderou, por outro lado, que "os credores tributários sujeitam-se ao concurso material decorrente da falência, pois deverão respeitar os rateios do produto da liquidação dos bens de acordo com a ordem legal de classificação dos créditos  (LREF, artigos 83 e 84)". Portanto, as Fazendas Públicas (União, Estados e municípios), mesmo com a falência do contribuinte, poderão dar continuidade nas execuções fiscais contra a falida e os corresponsáveis. No entanto, sujeitam-se ao concurso de credores para o recebimento dos créditos, conforme rito estabelecido no artigo 7-A da Lei 11.101/05 (LRFE).

Artigo 7º-A. Na falência, após realizadas as intimações e publicado o edital, conforme previsto, respectivamente, no inciso XIII do caput e no §1º do artigo 99 desta Lei, o juiz instaurará, de ofício, para cada Fazenda Pública credora, incidente de classificação de crédito público e determinará a sua intimação eletrônica para que, no prazo de 30 dias, apresente diretamente ao administrador judicial ou em juízo, a depender do momento processual, a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a situação atual (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência).

Na ordem de preferência dos pagamentos da falência, os créditos tributários serão satisfeitos após o pagamento dos credores trabalhistas e com garantia real, excetuadas as multas tributárias, que serão pagas após os créditos quirografários (artigo 83 LREF). Vale o registro de que os tributos com fatos geradores ocorridos após a decretação da falência deverão ser recolhidos logo após a quitação dos créditos extraconcursais, ou seja, são prioritários.

A LREF não definiu uma ordem de preferência em relação aos créditos fiscais da União, Estados e municípios, pois já estabelecida no Código Tributário Nacional, em seu artigo 187, que determina a seguinte ordem de preferência: 1º União; 2º Estados e Distrito Federal; 3º municípios. No mesmo sentido é a redação do parágrafo único do artigo 29 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais — LEF), contudo esta norma também se refere a créditos não tributários.

Essa classificação interna da lei federal sempre recebeu críticas, afinal, os municípios são reconhecidamente mais dependentes da arrecadação fiscal e diretamente mais afetados com a falência das empresas (perda de arrecadação e de empregos). Ademais, fundados argumentos defendem que deveria existir isonomia entre os entes federados.

Independente das críticas, os créditos tributários nas falências vinham sendo pagos na ordem estabelecida pela legislação federal, não restando, em muitos casos, valores a serem rateados entre os Estados e municípios após o recolhimento dos créditos da União.

Ocorre que, por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental — ADPF nº 357/DF, o Distrito Federal questionou junto ao Supremo Tribunal Federal – STF o concurso de preferência dos créditos tributários definidos no CTN e na LEF. Argumentou o DF que o artigo 187 do CTN e o parágrafo único do artigo 29 da LEF confrontavam o pacto federativo e a autonomia dos entes federados.

A União, em defesa das normas, sustentou que o concurso entre os entes federados não se tratava de mera superioridade hierárquica desprovida de fundamento, mas uma decorrência do conjunto de atribuições federativas que lhe eram compelidas em nome do equilíbrio fiscal da nação. A Procuradoria-Geral da República complementou a defesa pela constitucionalidade dos dispositivos questionados sustentando que a preferência da União se justifica em razão do seu  papel de correção de desequilíbrios regionais na arrecadação.

Após intensos debates na Corte Constitucional, prevaleceu o entendimento da relatora, ministra Cármen Lúcia, no sentido de que o concurso de preferência entre os entes federados na cobrança judicial dos créditos tributários e não tributários, previstos no CTN e na LEF, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Ficaram vencidos o ministro Dias Toffoli, que votou pela improcedência da ação, e o ministro Gilmar Mendes, que entendeu que a Constituição Federal de 1988 só não recepcionou o concurso de preferência quanto a créditos não tributários (LEF), permanecendo válida a ordem de preferência quanto aos créditos tributários (STF. Plenário. ADPF 357/DF, relatora ministra Cármen Lúcia, julgado em 24/6/2021 — Info 1023).

Segundo o voto condutor do julgamento, 369 Prevaleceu, ainda, o entendimento de que a hierarquia na cobrança judicial dos créditos da dívida pública entre os entes federados descumpre o princípio federativo e contraria o inciso III do artigo 19 da Constituição da República de 1988 (vedação aos entes federados de criação preferências entre si).

Dessa forma, diante da posição adotada pelo STF, o saldo dos recursos arrecadados nas falências após a quitação dos créditos extraconcursais, trabalhistas e com garantia real deverá ser partilhado igualmente entre as Fazendas municipais, estaduais e federal, sem ordem de preferência, tendo em vista a não recepção pela Constituição das regras que estabelecem o concurso interno dos créditos fiscais com preferência para a União.

— REsp nº 1872153 / SP – RELATOR Min. LUIS FELIPE SALOMÃO – QUARTA TURMA, julgado em 16/12/2021

— CTN

— Lei 11.101/05: artigo 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

II – os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

III – os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

VI – os créditos quirografários, a saber: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;

b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

c) os saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;       (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

VIII – os créditos subordinados, a saber: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

a) os previstos em lei ou em contrato; e (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício cuja contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de mercado; (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

IX – os juros vencidos após a decretação da falência, conforme previsto no art. 124 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

— CTN: artigo 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) (Vide ADPF 357)

Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: (Vide ADPF 357)

I – União; (Vide ADPF 357)

II – Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;       (Vide ADPF 357)

III – Municípios, conjuntamente e pró rata.  (Vide ADPF 357)

— LEF: artigo 29 – A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento. (Vide ADPF 357)

Parágrafo Único – O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: (Vide ADPF 357)

I – União e suas autarquias; (Vide ADPF 357)

II – Estados, Distrito Federal e Territórios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata; (Vide ADPF 357)

III – Municípios e suas autarquias, conjuntamente e pro rata. (Vide ADPF 357)

— Plenário. ADPF 357/DF, relatora ministra Cármen Lúcia, julgado em 24/6/2021 (Info 1023).

— CF/88: artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Autores

  • é advogado, especialista em Direito dos Contratos (ICAT/UDF) e em Direito Empresarial (FGV). Mestrando em Direito do UniCEUB. Professor de Direito Empresarial. Vogal da Junta Comercial do Distrito Federal. Gerente Jurídico Emgea (Empresa Gestora de Ativos S.A).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!