Opinião

Não! O Ursinho Pooh não está em domínio público no Brasil

Autor

  • Fernanda Galera Soler

    é advogada professora pesquisadora autora doutoranda e mestre em Direito Comercial com foco em Propriedade Intelectual pela Faculdade de Direito Universidade São Paulo (FDUSP) especialista em Propriedade Intelectual pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (ESAOAB/SP) cursando Master in Business Innovation (MBI) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

7 de abril de 2022, 20h00

Todo dia 1º de janeiro torna-se um dia de festa, pois grandes obras de todos os gêneros entram em domínio público em razão do transcurso de seus prazos de proteção. Não foi diferente neste ano, em que as notícias sobre as obras que atingiram o domínio público encheram a internet, ainda mais relacionadas ao Ursinho Pooh, virando alvo inclusive da atenção de celebridades, como Ryan Reymonds que publicou um vídeo comentando sobre a entrada da obra, escrito por Alan Alexander Milne, em domínio público nos Estados Unidos.

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As manchetes explicavam que se tratava apenas dos livros do personagem publicados em 1926, contudo, não atingiria as obras mais recentes do autor, segundo a legislação americana.

A questão é que essa análise também foi publicada e amplamente divulgada no Brasil, sem a ressalva de que a referida informação somente se aplicaria a legislação americana e não a brasileira. Isso porque, apesar de ambos os países serem signatários da Convenção de Berna, essa somente estabelece um prazo mínimo de proteção cabendo a cada nação escolher o caso que melhor lhe aprouver, de tal sorte que uma obra pode estar em domínio público no Brasil e não estar em domínio público em outros países.

No Brasil o domínio público para obras literárias é de 70 anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor original da obra (artigo 41, da Lei de Direitos Autorais (LDA  Lei nº 9.610/98). Diferentemente do que nos EUA que a norma é mais complexa, passando por diversas modificações, mas que para o caso específico do livro do Ursinho Pooh publicado em 1926, se aplica a previsão de que o prazo de proteção será de 95 anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao da publicação da obra. (Existe alguma obra com personagem de desenho em domínio público nos EUA?)   

Por essa contagem, nos EUA de fato a obra protegida, o livro infantil, de Alan Alexander Milne, que foi publicada primeiramente em 1926, sob o título de "Winnie-the-Pooh". De tal sorte, que se constarmos 95 anos de sua publicação do primeiro dia do ano seguinte ao de sua publicação (1927), de fato teremos 2022. Logo, as publicações estão certas, nos EUA essa obra está em domínio público.

Contudo, no Brasil a contagem é distinta, primeiramente precisamos saber a data de falecimento do autor. O autor inglês Alan Alexander Milne morreu em 1956. Para tanto, precisamos somar 70 anos ao primeiro dia do ano seguinte ao da sua morte (1957) para calcularmos a data exata que a obra entrará em domínio público no Brasil. Seguindo essa matemática chegamos que o ano será 2027. Dessa forma, apesar do primeiro livro do Ursinho Pooh estar em domínio público nos EUA, no Brasil, ele somente estará em 2027!

A situação é parecida com o que aconteceu com a obra "O Pequeno Príncipe". A obra que já está caída em domínio público no Brasil desde 2015 e está disponível em grande parte dos países, permaneceu por mais tempo sob a proteção de seus direitos patrimoniais de autor na França, país de origem do seu autor Antoine de Saint-Exupéry. Isso porque, a legislação francesa concede um prazo de proteção maior para determinadas obras, criando prorrogações específicas a proteção autoral em razão das duas grandes guerras em que o país esteve envolvido.

É interessante notar que essa problemática sobre o cálculo da data de domínio público e falta de padronização ser objeto de debate entre os doutrinadores que falam sobre direitos autorais, como Sérgio Branco em seu livro "O domínio público no direito autoral brasileiro" e ser alvo de rodadas de discussão da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), que de tempos em tempos publica materiais específicos acerca do tema.

A questão do domínio público de fato motiva artigos e debates que recaem para a necessária análise da legislação do país (local) em que se pretende utilizar a obra para entender, uma vez que a confusão é natural, em razão das diferentes disposições sobre o tema mundialmente, e que há o interesse da sociedade em certas criações, como foi a questão do Sítio do Pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato em 2019.

Além de se apresentar como um problema prático, com o advento da internet pode ser complexo gerir a reprodução de uma obra que está em domínio público em determinado país e não em outros, sendo questionada a possibilidade de acesso de tais criação. Assim como, a questão sobre diferentes prazos de domínio público também pode ser um ponto de atenção no momento da importação e exportação de obras, por exemplo.

Neste sentido, para tentar solucionar a questão, a Convenção de Berna sugere algumas possibilidades de resolução deste tema, deixando a cargo de cada país definir como será realizada a referida escolha. No caso do Brasil, optamos por dar as obras estrangeiras o tratamento nacional, nos termos do artigo 2º da LDA, ou seja, protegemos tais criações da mesma forma que protegemos as nossas obras nacionais, inclusive quanto ao prazo para o domínio público.

Dessa forma, ainda que a obra esteja em domínio público no seu país de origem, no Brasil ela ainda será protegida. Como é o caso do primeiro livro sobre o Ursinho Pooh que ainda não está em domínio público no Brasil.

Autores

  • é advogada, professora, pesquisadora, autora, doutoranda e mestre em Direito Comercial com foco em Propriedade Intelectual pela Faculdade de Direito Universidade São Paulo (FDUSP), especialista em Propriedade Intelectual pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (ESAOAB/SP), cursando Master in Business Innovation (MBI) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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