Opinião

Julgamento parcial do mérito e impossibilidade de sustentação oral em agravo

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4 de abril de 2022, 12h02

A sustentação oral "em sessões de julgamento nos tribunais é manifestação do direito de influir decisivamente no resultado do processo, também visto como manifestação do princípio do contraditório".[1]

A afirmação é absolutamente verdadeira.

A possibilidade de sustentar oralmente é um direito a ser exercido, especialmente atualmente, quando a modernidade permite que, independentemente de onde se encontre, o advogado possa participar da sessão de julgamento via videoconferência.

A sustentação oral permite que o advogado traga questões importantes sobre o processo que, não incomum, tem dezenas, centenas e até milhares de laudas.

Vale, sobre tal benefício prático, tanto para a parte, quanto para o órgão jurisdicional, responsável pela análise correta do caso e "aplicação da justiça", os comentários de Rodrigo Barioni[2].

As manifestações escritas, embora sejam também direcionadas ao órgão julgador, em muitos casos são acessadas exclusivamente pelo relator. Desse modo, a maioria dos integrantes do colegiado pode não ter contato com a exposição das questões de fato e de direito feita pelas partes, limitando-se a ouvir a descrição apresentada pelo relator. Nesse caso, a informação é repassada de segunda mão, cuja acuidade depende da atenção e compreensão do relator em relação às peças escritas. A retransmissão dos argumentos das partes pode ser imprecisa, colocando em risco o próprio direito submetido a julgamento.

Daí a finalidade particular da sustentação oral de permitir que o próprio interessado, por meio de seu advogado, dirija sua narrativa e informe os argumentos a todos os integrantes do órgão colegiado, sem a moderação do relator.

Por mais impessoal que seja o tramitar de um processo judicial, a sustentação oral possibilita uma (certa) pessoalidade da parte, na pessoa de seu advogado, com os julgadores, sobre o caso em julgamento. É o que afirma Carlos Alberto Lopes[3] de forma precisa.

A sustentação oral nos tribunais é importantíssima, sendo corolário de todo o esforço realizado pelo advogado no processo para o qual foi constituído, sabido que os julgadores apreciam de forma detida os esclarecimentos que lhes são prestados, oralmente.

A presença dos advogados nas sessões de julgamento é válida e importante, tanto para o cliente quanto para a própria justiça, pois completa a defesa, além do que, os juízes que não apreciaram as alegações escritas, irão ouvir a defesa oral, que lhes trará subsídios importantes para o deslinde da causa. Estarão atentos à palavra do juiz relator, mas, também, ouvirão a palavra esclarecedora do advogado.

A intenção aqui não é tratar da técnica de uma boa sustentação oral[4], da necessidade de preparo do orador, evitando que um ato solene se torne somente mais uma praxe que os julgadores nada absorvem, trazendo pensamentos contrários à sua prática.

A intenção do texto é tratar de uma "incongruência" do sistema processual civil vigente, ao não permitir que em Agravos de Instrumento que tratem de questões de mérito haja a possibilidade de sustentação oral.

É sabido que as hipóteses de cabimento da sustentação oral se encontram nos incisos do artigo 937 do Código de Processo Civil.

É sabido (também) que a única hipótese expressa de sustentação oral em Agravo de Instrumento (no Código de Processo Civil) é no caso de "… decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência" (inciso VIII do artigo supracitado).

Ocorre que o mesmo Código de Processo Civil trouxe situações inexistentes antes, como é o caso do julgamento antecipado parcial do mérito (artigo 356), cuja decisão proferida é impugnável por Agravo de Instrumento (§5º) e que fica sem a possibilidade de sustentação oral pela parte (ante a ausência de previsão expressa nesse sentido).

Ora: se o recurso de apelação, que trata da matéria de mérito, admite a sustentação oral, qual a razão do Agravo de Instrumento, que trate de decisão de mérito proferida, não em sentença, mas por meio de decisão interlocutória, não ter esse mesmo direito processual de defesa verbal?

Há nesse rol legal uma inexplicável omissão. A partir do momento em que o Código de Processo Civil consagra decisões interlocutórias de mérito, recorríveis por agravo de instrumento, como não se admitir nesse caso a sustentação oral das partes? Tome-se como exemplo o artigo 356 do CPC, que consagra o julgamento antecipado parcial do mérito e em seu §5º prevê expressamente a recorribilidade por agravo de instrumento. Julgado todo o mérito antecipadamente, caberá apelação nos termos do inciso I do artigo 937 do CPC, será permitida a sustentação oral. Mas julgada apenas uma parcela desse mérito, não caberá sustentação oral do recurso interposto pela pare sucumbente?[5]

Nesse ponto vale ressaltar que a decisão parcial de mérito é decorrente de cognição exauriente e, consequentemente, fica acobertada pela coisa julgada material, como bem afirma Ricardo Alexandre da Silva:

A cognição é exauriente em qualquer das hipóteses de julgamento antecipado parcial do mérito. Isso significa que as decisões são cobertas pela coisa julgada e se submetem à ação rescisória, conforme resulta do artigo 966, dispositivo que se refere ao cabimento da demanda contra “decisão de mérito”.[6]

A jurisprudência segue a posição doutrinária sobre o tema[7].

Sendo assim o Código de Processo Civil trata o direito de sustentação oral de uma decisão de mérito de forma diversa, a depender do “momento” em que ela for proferida.

A doutrina, analisando o tema, já se manifestou quanto à necessidade de se admitir a sustentação oral nesses casos de Agravo de Instrumento que recorrem de decisão parcial de mérito.

Deve-se admitir sustentação oral, também, em agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória processual (…) ou de mérito (cf. artigos 356, §5º e 1.015, II, do CPC/2015). No caso, não se admite apelação apenas por não se tratar de decisão final (…) mas isso não altera a substância da decisão recorrida.[8]  (grifos nossos)

Edilton Meireles[9] afirma que existe o direito de sustentar oralmente em agravo de instrumento que recorra de decisão de mérito com justificativa interessante.

O artigo 937 do CPC não estabelece expressamente a possibilidade de a parte poder fazer sustentação oral em agravo de instrumento interposto contra decisão que julga antecipadamente de forma parcial o mérito.

Pelas vias transversas, no entanto, em face da incidência do artigo 942 do CPC/2015, podemos concluir que também é assegurada a sustentação oral no agravo de instrumento interposto contra decisão que julga de forma antecipada parcialmente o mérito. Isso porque por este dispositivo está "assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores" (artigo 942, caput, CPC/2015). Se tem direito de sustentar perante os novos julgadores, ao certo tem perante os "antigos" (originários) julgadores.

Já Daniel Amorim Assumpção Neves, anteriormente citado, entende por uma interpretação extensiva das hipóteses legais.

A injustificada e incompreensível omissão legislativa, entretanto, não é capaz de afastar esse direito das partes, bastando para fundar tal conclusão uma interpretação extensiva das hipóteses de cabimento, independentemente de previsão nesse sentido pelo Regimento Interno do Tribunal. Ora, se é cabível sustentação oral em apelação interposta contra sentença terminativa, como impedi-la em agravo de instrumento interposto contra decisão de mérito?[10]

Por mais que existam pareceres favoráveis da doutrina há, em verdade, a necessidade de que o Código de Processo Civil seja alterado nesse ponto existindo, inclusive, Projeto de Lei de n.º 5048/2019, de autoria da deputada Federal Soraya Manato, que amplia as hipóteses de sustentação oral em Agravo de Instrumento, compreendendo os julgamentos antecipados parciais de mérito[11].

Os órgãos de classe devem atuar junto à Câmara dos Deputados, a fim de que esse Projeto de Lei possa seguir o trâmite legislativo e passar a gerar efeitos jurídicos, permitindo o direito de se sustentar nessa hipótese de recurso de Agravo de Instrumento, ajustando a incongruência do sistema.

Enquanto isso não ocorre cabe à parte saber se o Tribunal que recorre admite, em seus Regimento Interno, a possibilidade de sustentação oral, dada a autorização expressa da parte final do inciso IX[12] do artigo 937 do Código de Processo Civil.

São os casos, por exemplo, do Regimento Interno: do Tribunal de Justiça de Santa Catarina[13], em seu artigo 175, alínea "e", item 2; do Tribunal de Justiça da Bahia[14], em seu artigo 187, inciso I, e alguns (poucos) outros que seguem a mesma linha.

Uma pena que mais Tribunais não prevejam a sustentação oral em caso de recurso contra decisões proferidas em julgamentos antecipados parciais do mérito, ato que contribuiria para a distribuição da prestação jurisdicional.

Cabe, aos operadores do direito, requererem, antes das sessões de julgamento ou, no curso delas, o direito de sustentarem, a fim de que os julgadores possam ponderar e refletir sobre o tema e, assim, mudarem seus respectivos regimentos internos, enquanto nova legislação não altere a lei processual.

[1] Curso de Direito Processual Civil Moderno, Ed. 2021, Ed. RT, Versão RT Prime, página RB-7.24

[2] Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins (livro eletrônico): vol. 15, Ed. 2021, Ed. RT, Versão RT Prime, página RB-23.1

[3] Sustentação oral no tribunal, Revista de Processo 256 (2016), Versão RT Prime

[4] Para esse fim sugerimos o excelente texto de Rodrigo Barioni in Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins (livro eletrônico): vol. 15, Ed. 2021, Ed. RT, Versão RT Prime;

[5] Manual de Direito Processual Civil, Daniel Amorim Assumpção Neves, 13ª ed., Ed. JusPodivm, p. 1.432

[6] A nova dimensão da coisa julgada, Ed. 2019, Ed. RT, Versão RT Prime, página RB-2.12

[7] Trecho da ementa do RECURSO ESPECIAL Nº 1.845.542 – PR, da Relatoria da Ministra Nancy Andrighi: “Não há dúvidas de que a decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda é proferida com base em cognição exauriente e ao transitar em julgado, produz coisa julgada material (art. 356, § 3º, do CPC/2015)”.

[8] Novo Código de Processo Civil Comentado, 5ª ed., Ed. RT, p. 1364/1365

[9] Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil – v. IV – Processo de Conhecimento, Ed. RT, Versão RT Prime, página RB-2.12

[10] Manual de Direito Processual Civil, Daniel Amorim Assumpção Neves, 13ª ed., Ed. JusPodivm, p. 1.432

[11] Pelo texto do Projeto de Lei o inciso VIII do artigo 937 terá o seguinte teor: “VIII – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência, da evidência e do julgamento antecipado parcial do mérito.”.

[12] IX – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.

[13] Acesso em 11/12/2021: https://www.tjsc.jus.br/documents/10181/1068287/NOVO+Regimento+Interno+do+TJSC/6eca2286-50ff-427e-993f-0eadb7656f99

[14] Acesso em 11/12/2021: http://www5.tjba.jus.br/portal/wp-content/uploads/2021/03/REGIMENTO-INTERNO-ATUALIZADO-EM-1002020.pdf

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