Direito Eleitoral

O direito à acessibilidade nas eleições

Autores

  • Joelson Dias

    é advogado sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF) ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mestre em Direito pela Universidade Harvard secretário do Conselho de Colégios e Ordem dos Advogados do Mercosul (Coadem) ex-procurador da Fazenda Nacional e membro da Comissão Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB e da Abradep.

  • Ana Luísa Junqueira

    é advogada do núcleo de direitos humanos do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF) mestre em direitos humanos pela Universidade do Minho (Portugal) e doutoranda pela Universidade de Coimbra (Portugal).

  • Bruno Andrade

    é doutorando em Direito da Cidade (Uerj) mestre em Direito Constitucional (Unesa) especialista em Direito Eleitoral (Ucam) servidor da Justiça Eleitoral membro da Comissão Permanente de Acessibilidade e inclusão do TSE e da Abradep.

4 de abril de 2022, 13h29

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em agosto de 2020, 147.918.483 eleitores brasileiros estavam aptos a votar nas eleições 2020. Desse percentual, 1,1 milhão declararam ser pessoas com deficiência.

No Brasil, para ser titular dos direitos políticos basta ser alistável eleitoralmente. Nos termos do artigo 14, § 1º, da Constituição da República de 1988, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos, impondo-se sanção ao eleitor ou eleitora que não comparece para votar, nem justifica sua ausência. Em contrapartida, para os analfabetos, para os maiores de 70 anos e para os maiores de 16 e menores de 18 anos, o voto e o alistamento eleitoral são facultativos. Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e os conscritos durante o período do serviço militar obrigatório.

Sobre a relação entre capacidade civil e os direitos políticos das pessoas com deficiência, é imprescindível notar que, a partir da alteração do artigo 3º do Código Civil pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI) — artigo 114 —, somente os menores de 16 (dezesseis) anos são considerados absolutamente incapazes de exercerem pessoalmente os atos da vida civil, não mais alcançando as pessoas com deficiência. Assim, a alteração promovida pela LBI não apenas esvaziou de conteúdo o disposto no artigo 15, inciso II, da Constituição, que prevê a incapacidade civil absoluta como uma das hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos, como, depois de toda sua histórica exclusão, finalmente assegurou, também às pessoas com deficiência, o direito fundamental de votarem e ser votadas.

Os Tribunais Regionais Eleitorais deverão, a cada eleição, expedir instruções aos juízes eleitorais para orientá-los na escolha dos locais de votação, de maneira a garantir acessibilidade para o eleitor com deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive em seu entorno e nos sistemas de transporte que lhe dão acesso (§ 6º-A do artigo 135 da Lei n° 4.737/65 — Código Eleitoral).

Além disso, o eleitor com deficiência pode requerer a transferência do local de votação para uma seção com acessibilidade que possa atender melhor às suas necessidades, como uma seção instalada em local com rampas e/ou elevadores. Isso pode ser feito no cartório eleitoral até 151 dias antes das eleições (artigo 7º, II, a, da Resolução nº 23.381/2012 do TSE — Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral). No calendário eleitoral deste ano de 2022, a pessoa com deficiência tem até o dia 4 de maio para solicitar a transferência.

A eleitora ou o eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida que não tenha solicitado transferência para seções eleitorais aptas ao atendimento de suas necessidades até 4 de maio de 2022 poderá solicitar transferência temporária, do dia 18 de julho a 18 de agosto de 2022, para votar em qualquer seção à sua escolha e conveniência (Resolução nº 23.659/2021 do TSE, artigo 14, artigo 2º, II). O requerimento de transferência pode ser feito em qualquer cartório eleitoral e poderá ser apresentado pelo próprio interessado ou por meio de curadora ou curador, apoiadora ou apoiador, ou procuradora ou procurador, acompanhado de autodeclaração ou documentação comprobatória da deficiência ou dificuldade de locomoção (§1º do artigo 55 da Resolução n° 23.669/21 do TSE).

Existe vedação normativa expressa de seções eleitorais exclusivas para as pessoas com deficiência. O TSE somente poderá continuar estabelecendo "seções eleitorais especiais" [1] se não forem exclusivas para os eleitores com deficiência e, sem prejuízo, é claro, de garantir a acessibilidade de todo e qualquer local de votação (inciso I, § 1º, artigo 76 da Lei Brasileira de Inclusão). O objetivo, que segue a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, é não somente o de evitar a segregação das pessoas com deficiência e preservar o seu direito ao sigilo do voto, mas, considerando que a maioria das seções de votação é instalada em edifícios públicos, também promover a acessibilidade dos prédios públicos e coletivos e de suas imediações [2].

Todas as urnas eletrônicas são preparadas para atender pessoas com deficiência visual. Além do sistema braile e da identificação da tecla número cinco nos teclados, os tribunais eleitorais disponibilizam fones de ouvido nas seções com acessibilidade e naquelas onde houver solicitação específica, para que o eleitor cego ou com deficiência visual receba sinais sonoros com indicação do número escolhido e retorno do nome do candidato em voz sintetizada. É possível também utilizar o alfabeto comum ou o braile para assinar o caderno de votação, ou assinalar as cédulas, se for o caso. Também é assegurado o uso de qualquer instrumento mecânico que portar ou lhe for fornecido pela mesa receptora de votos (artigo 4º do Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral).

No entanto, a Resolução nº 21.920/2004 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) isenta de sanção as pessoas com deficiência caso seja impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento de suas obrigações eleitorais. Importante ressaltar que referida resolução sempre foi objeto de acertada crítica por expressivo segmento das próprias pessoas com deficiência. Isso porque, se em um primeiro momento confere aos eleitores com deficiência aparente "vantagem", dispensando-os do cumprimento de suas obrigações eleitorais e, consequentemente, também do seu dever cívico do voto, acaba, na prática, e o que é grave, por, concomitantemente, excluir ou diminuir a responsabilidade do próprio Poder Público de prover os meios necessários para a participação política das pessoas com deficiência, de lhes assegurar todas as condições para o efetivo exercício do seu direito de voto.

Nesse caso, o eleitor nessa condição, mediante requerimento pessoal ou por seu representante legal ou procurador devidamente constituído, acompanhado de documentação comprobatória da deficiência, poderá solicitar ao juiz eleitoral a expedição de certidão de quitação eleitoral, com prazo de validade indeterminado.

O eleitor pode também contar com a ajuda de uma pessoa de sua confiança, a qual, caso seja autorizada pelo presidente da mesa receptora de votos, poderá acompanhá-lo, ingressando na cabina de votação e até mesmo digitar os números na urna. A condição é que a presença do acompanhante seja imprescindível para que a votação ocorra e que o escolhido não esteja a serviço da Justiça Eleitoral, de partido político ou de coligação (inciso IV do § 1º do artigo 76 da Lei Brasileira de Inclusão).

Como forma de auxiliar eleitores e servidores a definirem os melhores locais de votação aptos a receberem todos os eleitores cumprido requisitos de acessibilidade, há um embrionário pensamento no âmbito do TSE em criar um score que atribua uma classificação a cada local de votação em relação aos elementos de acessibilidade disponíveis. Isso tem uma dupla função. A primeira já mencionada é a escolha pela eleitora e eleitor um local de votação em melhores condições. A outra importante função é a identificação de locais de votação que tenham baixo ranqueamento. A partir de tal informação será possível ou exigir que o responsável pelo local proceda às adaptações necessárias ou, em medida extrema, essa primeira ação não sendo viável, o próprio estudo de substituição do local de votação por outro em melhores condições.

A concretização do acesso aos direitos políticos às pessoas com deficiência ainda é um processo em construção no Brasil. A despeito da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — que tem força constitucional, da Lei Brasileira de Inclusão e do Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral estabelecerem normas específicas para garantir meios que igualem a oportunidade de participação na vida política e pública, não é possível ignorar a existência de inúmeras barreiras para esse grupo social exercer seu direito ao sufrágio. São milhões de pessoas que deixam de ir às urnas por falta de acessibilidade, por exemplo, das campanhas eleitorais, dos locais de votação, meios de transporte, ruas e calçadas. Além disso, também é indispensável a capacitação dos servidores no atendimento das pessoas com deficiência e garantia do seu direito à acessibilidade eleitoral.

Releva notar que em seu 1º Relatório Nacional sobre o cumprimento das disposições da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o Brasil admite que ainda não garante a participação política das pessoas com deficiência em toda a sua plenitude devido a obstáculos como a falta de acesso a informações sobre as plataformas políticas e as propostas dos candidatos e candidatas.

O Relatório também registra que, muitas vezes, as campanhas eleitorais brasileiras não são apresentadas em formato acessível, principalmente no que diz respeito aos sítios eletrônicos e ao material impresso. Informa, também, que, no interior do País, é ainda mais difícil o acesso aos colégios eleitorais, o que dificulta a participação de pessoas com mobilidade reduzida [3]. Em suas observações finais sobre o referido relatório brasileiro, em 1º de setembro de 2015, o Comitê da ONU, que supervisiona a implementação da Convenção pelos países que a ratificaram, externou preocupação com a discriminação sofrida pelas pessoas com deficiência no exercício do seu direito de voto, especialmente em razão de interdição e restrições a sua capacidade jurídica, da falta de acessibilidade em muitos locais de votação e da indisponibilidade das informações sobre as eleições em todos os formatos acessíveis [4].

Lamentavelmente, ainda não se consolidou uma cultura de participação da sociedade civil na construção e na implementação de direitos e políticas públicas. Essa participação mais ampla e efetiva seria inclusive valioso instrumento na consolidação da soberania popular e poderoso antídoto contra a ineficiência e a corrupção que lamentavelmente marcam algumas das ações do Poder Público. Por isso, a importância da temática e da criação de condições para que o direito à participação na vida pública se concretize [5].


[1] Ver, por exemplo, Resolução TSE nº 21.008/2002 (artigo 1º) e Resolução TSE nº 23.381/2012 (artigo 3º, III e IV).

[2] Ver, ainda, o disposto no artigo 21, parágrafo único, do Decreto nº 5.296/2004, que dispõe sobre a acessibilidade nos prédios de uso coletivo e público para as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

[3] 1º Relatório nacional sobre o cumprimento das disposições da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-com-deficiencia/dados-estatisticos/relatorio-de-monitoramento-da-convencao.

[4] Dias, Joelson. Junqueira, Ana Luísa. O Direito à Participação Política das Pessoas com Deficiência. Tribunal Regional Eleitoral- Santa Catarina: Resenha Eleitoral (Florianópolis), v. 21, nº 1, p. 159-180, nov. 2017.

[5] Dias, Joelson. Junqueira, Ana Luísa. A lei brasileira de inclusão e o direito das pessoas com deficiência à participação na vida pública e política. In: LEITE, Flávia Piva Almeida; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes; COSTA FILHO, Waldir Macieira da. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório Barbosa & Dias Advogados Associados, em Brasília, mestre em Direito pela Universidade de Harvard e ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

  • é advogada do núcleo de direitos humanos do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF), mestre em direitos humanos pela Universidade do Minho (Portugal) e doutoranda pela Universidade de Coimbra (Portugal).

  • é doutorando em Direito da Cidade (Uerj), mestre em Direito Constitucional (Unesa), especialista em Direito Eleitoral (Ucam), servidor da Justiça Eleitoral, membro da Comissão Permanente de Acessibilidade e inclusão do TSE e da Abradep.

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