Opinião

STF, execução trabalhista e ação rescisória: o que tudo isso tem a ver?

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29 de setembro de 2021, 20h34

Em recente decisão, de lavra do ministro Gilmar Mendes [1], o Supremo Tribunal Federal considerou ser somente possível executar empresas de mesmo grupo econômico se elas estivessem presentes desde o início da reclamação trabalhista, tema este que não era revisitado pelos tribunais superiores desde o cancelamento da Súmula nº 205 do TST, no ano de 2013 [2].

De lá para cá, passados quase 20 anos, muitas empresas já foram incluídas em execuções trabalhistas sob o argumento de integrarem o mesmo grupo econômico, com as respectivas decisões já transitadas em julgado.

Agora, com a decisão do STF, surge a possibilidade para que tais empresas tentem se eximir do ônus executório, sendo a ação rescisória o instrumento processual para alcançar esse fim.

Quando se fala de ação rescisória, a primeira coisa que se lembra é o prazo decadencial de dois anos para rescindir a decisão transitada em julgado e o rol de situações em que é cabível a dita ação, conforme o artigo 966 do Código de Processo Civil [3].

Entretanto, o que muitos esquecem é que o CPC prevê outra gama de situações em que a coisa julgada material pode ser relativizada, além das possibilidades numeradas no artigo 966, a exemplo daquela prevista no artigo 525, §15º.

Para tratar melhor dessa possibilidade de ajuizamento de ação rescisória, é preciso relembrar alguns pontos referentes ao cumprimento definitivo de sentença, especialmente quais são as matérias oponíveis na impugnação ao cumprimento de sentença:

"Artigo 525  Transcorrido o prazo previsto no artigo 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.
§1º. Na impugnação, o executado poderá alegar:
I — falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;
II — ilegitimidade de parte;
III — inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
IV — penhora incorreta ou avaliação errônea;
V — excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
VI — incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
VII — qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença".

Entre as matérias previstas no rol, a que interessa para este artigo é a prevista no inciso III, qual seja: inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação.

Seguindo a lógica processual, quando do momento da impugnação ao cumprimento de sentença, verificando-se que o título que fundou a cobrança é inexequível ou inexigível, o executado encontra nessa previsão legal uma possibilidade de se eximir do ônus constritivo.

E o CPC ainda prevê, no §12º do mesmo artigo, que o título pode ser inexigível ou inexequível em razão de declaração de inconstitucionalidade pelo STF:

"§12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso" (grifos do autor).

Por questões óbvias, para se opor tal matéria na impugnação ao cumprimento de sentença, o fato constitutivo da inexequibilidade ou inexigibilidade do título deve ser pré-existente à execução. De igual modo, a declaração de inconstitucionalidade pelo STF também há de ser prévia ao momento da constituição definitiva do título executado.

Mas, e se o STF após o trânsito em julgado da decisão exequenda declarar a inconstitucionalidade da lei, do ato normativo ou da aplicação/interpretação da lei ou ato normativo que fundou o título executivo? Ficaria o executado prejudicado e sem a possibilidade de opor tal matéria?

A resposta para essa pergunta, em meu entender, é: não! Isso por causa da previsão do §15º, do artigo 525 do CPC:

"§15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal".

Ou seja, seria possível ajuizar ação rescisória em face da decisão exequenda, desde que a lei, ato normativo ou a sua aplicação e/ou interpretação que fundou sua constituição tenha sido declarada inconstitucional pelo STF após o início da execução.

Sobre o prazo dessa ação rescisória — e aqui constitui, inclusive, objeto de crítica de doutrinadores processualistas, haja vista a insegurança jurídica —, tem-se que os dois anos para ajuizamento da ação só seriam contados a partir do trânsito em julgado da decisão do STF, e não do trânsito em julgado da decisão exequenda.

Em que pese a discussão se o termo inicial da contagem do prazo da rescisória traria ou não insegurança jurídica, a realidade é que a norma processual vigente abre a possibilidade para propositura da ação rescisória, constituindo assim meio processual adequado para oposição do entendimento firmado pelo STF nas execuções trabalhistas.

 

[1] ARE 1.160.361

[2] "Súmula nº 205 do TST
GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE (cancelada) — Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução".

[3] "Artigo 966 – A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I — se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II — for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III — resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV — ofender a coisa julgada;
V — violar manifestamente norma jurídica;
VI — for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII — obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII — for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos".

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