Opinião

O pontapé inicial do Marco Legal das Startups

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27 de setembro de 2021, 9h14

No último dia 2, entrou em vigor a Lei Complementar nº 182/2021, que trata do Marco Legal das Startups (MLS), que busca, especialmente, trazer simplificações e incentivos para que as startups possam crescer no mercado brasileiro. A importância do incentivo fica explícita quando detectamos que atualmente as startups movimentam valores astronômicos em nosso mercado; o Brasil conta com aproximadamente 14 mil startups, sendo, entre estas, nove unicórnios (com valor de mercado igual ou superior a R$ 1 bilhão).

A regulamentação resulta, muitas vezes, em uma maior intervenção estatal e um aumento na rigidez das relações empresariais. Na contramão dessa premissa, o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador foi elaborado visando, ainda que como uma tentativa, a alcançar um certo nível de desburocratização e diminuição da atuação do Estado como controlador dessas relações.

O que se tinha até então era uma grande dificuldade em enquadrar as startups na legislação vigente — com origem em um ecossistema de empresas em constante busca por velocidade, modernidade e informatização, o modelo empresarial até então vigente não acompanhava tais anseios. A dificuldade para as startups realizarem negócios em um ambiente de incertezas, acabava por inibir novas oportunidades de negócios e a oferta de novos produtos e serviços, dificultando o desenvolvimento econômico do setor.

Buscando afastar tal insegurança, a nova legislação oferece uma efetiva definição do que vem a ser uma startup, trazendo tanto um conceito mais genérico somado a critérios objetivos e facilitadores para seu enquadramento: 1) receita bruta de até R$ 16 milhões no ano-calendário; 2) tempo de existência de até dez anos de inscrição no CNPJ; e 3) alternativamente, fazer uma declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, ou enquadramento no regime especial Inova Simples.

O MLS se destaca não só por trazer definições e conceitos, como também trazer alguns pontos de incentivos aos investidores que pretendem aportar capital no ramo de startups, quais sejam: incentivos ao investidor-anjo (limitações e responsabilidades); possibilidade para empresas, com obrigações de investimento, investirem em startups; a sistemática do sandbox regulatório para as startups; a simplificação nas contratações com o poder público; e alterações na Lei das SA de modo a simplificar matérias relevantes no contexto empresarial.

A dúvida que paira no ar é saber se a recém-vigente norma resultará em efetivo estímulo para que investidores se sintam atraídos pelo mercado de startups brasileiro, ou se levantará mais dúvidas e questionamentos.

O MLS trouxe um sistema que efetivamente apoia e incentiva os investimentos em startups?
Nos parece que de uma maneira muito tímida.

Como já destacado, o marco legal traz definições e conceitos, o que atribui uma maior segurança jurídica aos empresários e investidores, e também possibilita, de certa forma, oportunizar o investimento nas startups. Entretanto, a nosso ver, as opções oferecidas pelo MLS não se destacam por serem fortes contribuintes para um efetivo incentivo, mas, sim, um pontapé inicial.

Tenhamos, como exemplo, a questão acerca da autorização para que empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), decorrentes de outorgas ou delegações firmadas por meio de agências reguladoras, possam cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups. Em que pese a legislação traga tal autorização, não se vislumbra qualquer efetivo incentivo para que essas empresas aportem seus recursos em startups (como por exemplo a criação de incentivos fiscais).

No que diz respeito ao setor público, com o início da vigência do novo diploma legal, esse poderá contratar as soluções inovadoras propostas pelas startups, mediante uma modalidade especial de licitação. Entretanto, o que parecia ser um sinal de desburocratização e facilitador pode se tornar um problema para as startups.

Isso porque, muito embora seja viabilizada a dispensa dos documentos de habilitação, no todo ou em parte, tal medida poderá trazer implicações em razão do alto grau de liberalismo, que certamente exigirá um acompanhamento sério e efetivo para certificar que os objetivos intrínsecos e de compliance estejam sendo observados, evitando possíveis fraudes contra a Administração Pública.

Entretanto, seria irresponsável afirmar que o MLS não trouxe, ou não buscou trazer, quaisquer incentivos aos investimentos. Primeiro porque os pontos tratados acima, em que pese não atribuírem grande relevância para fins de investimentos, não podem simplesmente serem descartados ou ignorados. Ademais, o MLS trouxe questões que representam uma efetiva mudança no cenário que se tinha. Vejamos.

Vejamos a questão dos sandbox regulatórios  que se destacam por serem um ambiente experimental e seguro nos quais as startups passam a realizar seus negócios, por tempo determinado, sem a incidência de normas que, usualmente, recairiam no contexto das atividades destas empresas. Em que pese já existirem alguns desses programas de ambientes regulatórios hoje no Brasil (especialmente para o setor financeiro), a previsão legal trazida pelo MLS, que possibilita a criação de tais ambientes, demonstra uma mentalidade por parte do poder público de buscar o crescimento no setor de desenvolvimento e inovação.

Em relação ao investidor-anjo, o MLS se encarregou em conceituar tal figura já conhecida pelos atuantes na área, só que dessa vez resguardando-o de maior segurança jurídica, ao blindar o seu patrimônio não apenas das possibilidades mais comuns dos casos de desconsideração da personalidade jurídica, como nas execuções de dívidas fiscais ou trabalhistas, ou como também na própria hipótese de desconsideração por abuso da personalidade jurídica.

Destacamos também as relevantes modificações na Lei das Sociedades por Ações que trazem um maior conforto e simplicidade para as empresas assim constituídas, tais quais: diretoria composta por um único membro; publicações previstas na lei acionária de forma eletrônica; substituição de livros societários físicos por registros eletrônicos; distribuição de dividendos de forma livre; inclusão das companhias de menor porte na Lei das SA.

As previsões e inovações trazidas pelo MLS não podem ser desconsideradas e possuem, sim, um alto nível de relevância, quando tratamos do crescimento e estabilização das startups no mercado.

A questão principal, no entanto, é que se esperava que a legislação trouxesse não só inovações no âmbito jurídico, mas inovações que representassem, de forma concreta e real, significativas potencialização nos investimentos para empresas neste ramo.

E como melhorar?
No decorrer do processo legislativo vários pontos de extrema relevância que visavam a um efetivo incentivo aos investimentos, foram retirados do texto legal quando da sua promulgação. Entre tais medidas podemos destacar as fiscais!

Os projetos iniciais constavam com diversas medidas fiscais que continham a finalidade de incentivar a participação de investidores e empreendedores no mercado das startups, ao reduzir a carga tributária dessas empresas. Podemos citar as seguintes tentativas: 1) modificações na Lei nº 11.196/05 (Lei do Bem) para permitir que as startups aproveitassem dos incentivos fiscais nela previstos; 2) contabilização de investimentos em startups como custo de aquisição para fins de apuração do ganho de capital; 3) regulamentação da natureza das stock options (seja remuneratória ou mercantil); 4) incentivar as startups a se enquadrarem no Simples Nacional; 5) alíquotas diferenciadas aplicadas aos rendimentos e ganhos por FIPs que investirem em startups; e 6) dedução do imposto de renda dos valores despendidos a título de patrocínio ou doação realizada diretamente a startups.

Uma alternativa, nada descabida, totalmente prudente e relevante no atual boom de startups no país, seria retomar tais discussões no âmbito do legislativo para que, se não todas, ao menos algumas das medidas em questão pudessem ser incluídas na legislação atual. Assim, mesmo ainda não sendo o cenário ideal, poder-se-ia verificar algum tipo de incentivo efetivo no crescimento desse mercado tão rico e promissor no Brasil.

Fato é que o marco legal trouxe de forma demasiadamente tímida alguns incentivos aos investimentos em startups. O pontapé de largada foi dado, mas esperamos mais avanços no setor, com vistas a regulamentar melhor as questões de investimento, com foco principal nos aspectos tributários, para que os players desse mercado crescente de startups brasileiras possam aproveitar o momento inovador que vivemos no país.

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