Opinião

A LGPD, a privacidade, a ética: qual é o limite político?

Autor

21 de setembro de 2021, 19h16

O vídeo em que um humorista imitou o presidente da República Jair Bolsonaro na frente de convidados do ex-presidente Michel Temer — homenageado do encontro — e todos riam da performance viralizou nas plataformas de internet, ganhando espaço nos meios de comunicação e virando motivo de chacota. Mas, principalmente, gerou especulações sobre eventuais transgressões de direitos, em especial da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A recente legislação — Lei 13.709/18 — tem como fundamento a proteção da dignidade da pessoa humana por meio de elementos identificadores da pessoa. E ela é aplicável a: 1) toda pessoa física (a lei chama de pessoa natural) ou jurídica; que 2) executa o tratamento de dados, sendo importante destacar que por tratamento se entende toda a cadeia de atos que compreende desde a coleta, até qualquer forma de processamento, o uso e até mesmo o descarte de um dado; por fim, 3) por dado pessoal se tem toda informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, ou seja, todo aquele dado que identifica e individualiza uma pessoa, como o nome, o CPF, o RG, o endereço de IP do computador, a placa de carro, entre outros que tornem a pessoa una.

Mas uma foto ou um vídeo seriam dados pessoais? A foto ou um vídeo tornariam uma pessoa de fato identificável e perfeitamente "individualizável" para aplicação da LGPD? Bem, o artigo 5º, inciso I, da norma não exclui a imagem da pessoa — seja por meio de foto ou vídeo —, como elemento identificador. Não deixa, portanto, de ser uma maneira de garantir a privacidade.

Isso porque a LGPD, que ainda está sendo entendida pelo brasileiro e pelos próprios tribunais nacionais, também poderia tutelar o episódio do jantar filmado e, portanto, também poderia apresentar as suas consequências legais. Pelos relatos divulgados, nem todas as pessoas estavam ali reunidas em torno de uma mesma motivação, de uma finalidade.

Além disso, indo por outras vias, há diversos casos em que a Justiça brasileira já se pronunciou para dar razão às pessoas que tiveram fotos suas, em situações que lhes causavam algum desconforto, divulgadas por empresas para fins comerciais. Nessas circunstâncias, o Poder Judiciário afirmou que nem mesmo o uso intencional de borrões nos olhos das pessoas nas fotos, para procurar impossibilitar a identificação delas ao público, era suficiente para eximir as empresas de responsabilidade quando as divulgações das imagens causavam prejuízo às pessoas. Logo, parece que uma imagem se enquadraria como um dado capaz de individualizar uma pessoa.

Voltando ao caso do vídeo, quem o realizou — e, portanto, fez o tratamento de dado —, deveria obedecer aos demais parâmetros legais para tanto, que seriam a obediência ao artigo 7º da mesma LGPD quando ela determina que para se dar o tratamento o agente precise ou do consentimento do titular do dado ou necessitaria se enquadrar em mais alguma das outras hipóteses de permissão. E, ainda, caso o tratamento se desse com base no consentimento, deveria ser informado a todos os presentes o porquê do tratamento (vídeo). Nada disso foi feito e o ex-presidente Temer declarou que "a divulgação do vídeo não foi adequada".

Chegando ao final, há um outro ponto de exclusão da LGPD e que muitos parecem ter esquecido: o artigo 4º da LGPD, que trata das situações para as quais a norma não é aplicável. Aqui poderia haver uma chance de defesa, uma vez que quem efetuou o vídeo foi o marqueteiro político de Temer, Elsinho Mouco, podendo assim tentar alegar que o vídeo tinha finalidade jornalística. Entretanto, o marqueteiro disse ao jornal Valor que: "A minha intenção em divulgar o vídeo é porque o Brasil está muito sério, né? Está tudo muito conflagrado, é preciso um pouco de humor".

Com tal argumento, ele próprio elimina a possibilidade de se valer do inciso I do mesmo artigo, que determina que não é aplicável a LGPD quando o tratamento for feito por pessoa física (natural) para fins particulares e não econômicos. Se o vídeo foi feito para fins particulares, pode ser mais discutível ainda sua divulgação.

Assim, o fato é que, independentemente da chacota, da quebra da privacidade, da ética e dos limites políticos de rivais, parece que o marketing político transgrediu e ultrapassou os limites impostos pela LGPD e, principalmente, pelos direitos de personalidade, berço dos direitos da pessoa, diplomados no Código Civil brasileiro.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!