Opinião

Grupo econômico trabalhista e a decisão proferida no RE n° 1.160.361-SP

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20 de setembro de 2021, 7h13

No último dia 10, por meio de decisão unipessoal, o ministro Gilmar Mendes deu provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo n° 1.160.361-SP, "com a finalidade de cassar a decisão recorrida e determinar que outra seja proferida com observância da Súmula Vinculante 10 do STF e do artigo 97 da Constituição Federal".

A decisão cassada foi proferida pela 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que não conheceu de um recurso de revista seguindo a pacífica jurisprudência que admite o redirecionamento dos atos executivos à empresa integrante do mesmo grupo econômico da empregadora formal, embora não tenha participado da fase de conhecimento do processo.

Para o ministro Gilmar Mendes, a decisão da 4ª Turma do TST deixou de aplicar o artigo 513, §5º, do Código de Processo Civil (CPC). Como um dispositivo legal somente pode deixar de ser aplicado se for declarada a sua inconstitucionalidade, a turma acabou por (implicitamente) declarar a inconstitucionalidade do artigo 513, §5º, do CPC, incorrendo, assim, "em erro de procedimento", uma vez que não foi observada a reserva de plenário (CF, 97; Súmula Vinculante n° 10). "Sendo assim, reconhecida essa questão prejudicial, faz-se imprescindível nova análise, sob a forma de incidente ou arguição de inconstitucionalidade".

A afirmação de que uma norma positivada somente pode deixar de ser aplicada se for declarada a sua inconstitucionalidade é verdadeira, mas comporta exceções. O Direito Processual do Trabalho (assim como o Eleitoral e o Administrativo) utilizam as regras do CPC somente diante de omissão total (em que a aplicação é subsidiária) ou parcial (em que a aplicação é supletiva), observada, porém, a compatibilidade com a ordem processual trabalhista (Consolidação das Leis do Trabalho, ou CLT, 769; CPC, 15). Não basta, portanto, haver omissão no Direito Processual do Trabalho. É imprescindível a existência de compatibilidade.

Sendo assim, uma norma de Direito Processual comum pode deixar de ser aplicada sem que seja necessário declarar a sua inconstitucionalidade. Basta que não haja omissão (total ou parcial) no Direito Processual do Trabalho ou que a norma de Direito Processual comum seja incompatível com a ordem processual trabalhista. Do contrário, por exemplo, se a parte interpuser recurso de apelação terá o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de submeter a questão ao Pleno para declarar a inconstitucionalidade do artigo 724 do CPC, a fim de aplicar o artigo 895 da CLT; o TRT somente poderá deixar de ampliar o quórum de votação em decisão não unânime se declarar a inconstitucionalidade do artigo 942 do CPC; o TRT não poderá deixar de admitir recurso de agravo de instrumento contra decisão interlocutória de mérito sem declarar, primeiro, a inconstitucionalidade do artigo 356, §5º; o TST somente poderá deixar de conhecer recurso por ausência de recolhimento de custas processuais se, primeiro, o Pleno declarar a inconstitucionalidade do artigo 1.007, §4º, do CPC; não será concedido aos litisconsortes com procuradores distintos o privilégio de prazos em dobro (TST-OJ-SBDI-1 n° 310) somente após a declaração de inconstitucionalidade do artigo 229 do CPC etc. Ocorre que nenhum dos dispositivos citados é inconstitucional. Eles apenas não se aplicam porque não há omissão ou há incompatibilidade com a ordem processual trabalhista. E esse debate se situa no plano infraconstitucional.

O artigo 513, §5º, do CPC não é inconstitucional e, além disso, é compatível com a ordem processual trabalhista, exceto na hipótese de grupo econômico. Nessa situação específica, o empregador é o grupo — o vínculo jurídico se forma com um ente abstrato — e todos os seus integrantes se subordinam às normas e aos riscos dessa figura jurídica (CLT, 2º, §2º; Súmula TST n° 129).

A ideia de uma unidade abstrata somente pode ser concebida a partir de pensamento não concreto. Essa noção, inclusive, possui afinidade com teorias desenvolvidas para hipóteses de solidariedade pelos Direitos alemão e austríaco, em que a unidade provoca a extensão dos efeitos da decisão e da autoridade da coisa julgada para todos.

A execução, por isso, pode se voltar em face de qualquer integrante do grupo econômico, ainda que ele não haja participado da fase de conhecimento e seu nome não figure expressamente no título executivo. Não há nisso infração ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Os direitos ou as obrigações daqueles que agrupam na forma do artigo 2º, §2º, da CLT são consideradas como se fossem uma só coisa (in solidum). Assim, aquele que tiver sido chamado na fase cognitiva "sem os demais (…) será substituto processual dos não-participantes" (DINAMARCO, Cândido Rangel. "Instituições de Direito Processual Civil". São Paulo: Malheiros, 2001, v. III, p. 323).

A conferir, porém, o desfecho desse imbróglio decorrente da decisão proferida no RE n° 1.160.361-SP, que lamentavelmente desconstrói conceitos e institutos jurídicos.

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