Público & Pragmático

Pessoa politicamente exposta: reflexões e propostas de regulamentação

Autor

  • André Castro Carvalho

    é bacharel mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo com estudos em nível de pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology - MIT (em 2016) e na Faculdade de Direito da USP (2017-2018) professor de pós-graduação e educação executiva em diversas escolas de negócios como Insper Ibmec-SP Trevisan FIPE FIA e Fipecafi ex-vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (2019-2023) e atualmente membro do seu Comitê de Ética membro de Comitê de Auditoria em duas companhias em São Paulo consultor e advogado em São Paulo.

19 de setembro de 2021, 8h00

A regulação sobre pessoa exposta politicamente (PEP) no Brasil vem sofrendo profundas transformações desde 2017, inaugurada com a Resolução Coaf nº 29, e, mais recentemente, com a Resolução CVM nº 50/2021. Embora seja oportuno elogiar os esforços regulatórios empregados durante esse período, ainda há muito o que se fazer para o contínuo aprimoramento do conceito, que é muito útil a todas as empresas obrigadas a gerenciar os riscos de PLD/FTP [1] e anticorrupção de seus clientes, fornecedores, parceiros e colaboradores.

O objetivo do conceito de PEP não é rotular agentes públicos como potenciais corruptos ou lavadores de dinheiro, mas, sim, reconhecer que tais figuras estão mais expostas que outras a tais riscos. Portanto, é racional, sob uma abordagem baseada em riscos (ABR) [2], que a empresa acompanhe mais de perto as operações, transações e situações envolvendo essas pessoas e partes relacionadas a elas, como familiares e estreitos colaboradores.

O que vem gerando confusão é que as normativas recentes, com exceção da Circular Susep nº 612/2020, têm abandonado uma definição normativo de PEP: ele não está sendo mais relacionado a quem ocupa cargo ou função pública relevante [3], e, sim, aos cargos e funções que estão discriminados nas normativas. Os nomes dos incumbentes desses cargos são divulgados e atualizados mensalmente no Portal da Transparência [4], organizado pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Só que as empresas precisam ter um senso crítico e não ficarem somente adstritas à lista do Portal da Transparência ou listas de PEPs de bureaus privados, porque isso não seria uma ABR eficiente. É necessário ter um senso crítico, em especial com o prazo de cinco anos que é estabelecido como "carência" após o PEP deixar o cargo. Findo esse período, ele deixa de ser considerado como PEP nessas listas.

Só para citar um exemplo: a ex-presidente da República Dilma Vana Rousseff, que deixou o cargo de presidente em 31/8/2016, deixou de ser PEP em 31/8/2021. Outros ex-presidentes, como Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, também já não são mais PEPs pelo conceito normativo há muito tempo. Mas isso quer dizer que eles não têm mais influência significativa na política nacional? Evidentemente que a resposta é negativa.

Para isso, algumas instituições, dentro de uma ABR, costumam adotar a regra mais conservadora: "Uma vez PEP, sempre PEP". Para algumas categorias de políticos proeminentes, por exemplo, ex-presidentes da República e ex-governadores, pode ser um critério interessante para as empresas. E caso algum desses políticos venha a abandonar de vez a atividade política, a instituição poderia realizar o "de-PEP", ou seja, a sua desclassificação como PEP dentro dos critérios da ABR adotada na instituição, sem ficar adstrito a esse prazo de cinco anos que, muitas vezes, não é relevante para uma robusta gestão de riscos de PEP [5].

As normativas também não empregam uma redação uniforme, o que traz confusões interpretativas. Ao tratar da União, menciona que os detentores de mandatos eletivos no Poder Executivo e Legislativo são PEPs; mas, ao mencionar estados e municípios, citam nominalmente governadores e prefeitos, omitindo-se sobre vice-governadores e vice-prefeitos (que também são eleitos na mesma chapa), e relacionando nominalmente deputados e vereadores. O mais correto seria a uniformização com o termo "mandatos eletivos" nos Poderes Executivos e Legislativos desses entes subnacionais.

Algumas instituições costumam classificar suplentes a cargos eletivos como PEPs. Porém, deputados e vereadores suplentes não são detentores de mandatos até que, porventura, ocupem um cargo público; portanto, tecnicamente, não seriam PEPs, mas nada impede que a ABR da instituição estenda o conceito a essas figuras. Por outro lado, há que se pensar se isso não incrementará em demasia o custo de gestão de riscos no programa PLD/FTP da instituição.

Outro item importante é que são considerados como PEPs os dirigentes de entidades da Administração Pública indireta, como autarquias, fundações e estatais. Na esfera federal, são os presidentes, vice-presidentes e diretores; em estados e municípios, contudo, somente presidentes e equivalentes. A distinção não faz sentido, haja vista que o risco de LD/FTP e corrupção é o mesmo, independentemente da esfera federativa em questão.

Talvez tais distinções acima tenham uma razão fática de existir: a falta de qualidade das informações públicas no Brasil, que não exibem um banco de dados unificado de qualidade, o que faz as instituições recorrerem a bureaus privados de maneira quase que mandatória, haja vista que o Portal da Transparência não exibe o nome de todos os PEPs tal como definidos nas normativas.

Isso porque alguns estados e municípios mais desorganizados não possuem informações de qualidade sobre todos os PEPs em suas respectivas gestões. Por exemplo, muitos municípios não têm listagem de pessoas que ocupam cargos de presidente em autarquias ou estatais, até porque as nomeações acabam sendo frutos de atos administrativos internos. Logo, se nem o ente federativo responsável consegue ter uma boa organização da informação, como é que as empresas que estão sujeitas à regulamentação vão conseguir?

Uma sugestão seria que se promovesse uma alteração normativa ou legislativa na investidura em cargos qualificados como PEPs. Como condição de validade jurídica do ato, ficaria como obrigação do ente federativo o envio à CGU da referida investidura, para que seja possível alimentar a base de dados com as referidas informações do "novo" PEP. Isso garantiria que as informações sobre PEPs estariam sempre atualizadas e amplamente disponíveis no Portal da Transparência.

Outra, também de lege ferenda, seria para que o agente público que fosse qualificado como PEP ficasse obrigado, no momento de sua posse, a apresentar uma autodeclaração de seus familiares [6], conforme regulamentação, sob pena de invalidação do ato. Ato contínuo, o órgão ou entidade responsável ficaria com a mesma obrigação de comunicação de tal lista de familiares à CGU. Quanto à questão de divulgar publicamente, ou não, tal lista de familiares, ela poderia ficar restrita a entidades que estiverem sujeitas à regulação específica de PLD/FTP — como as listadas no artigo 9º da Lei nº 9.613/1998 —, para facilitar o cumprimento dessa obrigação legal e regulatória do controlador de dados pessoais [7].

Quanto aos familiares, também há muitos problemas normativos e somente uma ABR qualificada poderá fazer com que a gestão dessas pessoas relacionadas a PEPs seja realmente eficiente. A instituição que quiser seguir literalmente o conceito de familiar de PEP estará deixando de mapear diversos focos de riscos de LD/FTP e corrupção nessas partes que têm grande potencial de serem utilizadas como pessoas interpostas, ou seja, os populares "laranjas".

Em primeiro lugar, não há uniformidade no próprio conceito de familiar de PEP, pois ora se consideram os de linha reta e colateral (Circular Bacen nº 3.978/2020), ora os de "linha direta" [8] (Resolução Coaf nº 29/2017, Circular Susep nº 612/2020 e Resolução CVM nº 50/2021). Em todos os casos, ele alcança até o segundo grau, mas isso não está em consonância com o conceito de nepotismo definido pelo STF na Súmula Vinculante nº 13, e tampouco com a situação descrita como de conflito de interesses por relações familiares da Lei nº 12.813/2013. Portanto, o mais correto seria que se incluísse até o terceiro grau e também alcançasse tios e sobrinhos.

Não há menção explícita nas normativas se também devem ser considerados os parentes consanguíneos e por afinidade; todavia, no caso da Circular Bacen nº 3.978/2020, tal abrangência poderia ser considerada implícita em uma ABR, por incluir tanto os parentes em linha reta como colateral.

Outro ponto é que as normativas citam expressamente os cônjuges, companheiros(a) e enteado(a), mas não os sogros(as) e cunhados(as), que são parentes por afinidade de primeiro e segundo grau e que, se entendermos extensivamente que os graus de parentesco não estão limitados somente ao parentesco consanguíneo, eles deveriam também ser considerados familiares de PEPs — com exceção aos concunhados [9].

Em relação ao fim da relação conjugal ou de união estável, também há omissão nas normativas. Há algumas opções dentro de uma ABR, que seria: 1) continuar considerando como familiar de PEP por algum período específico (por exemplo, os mesmos cinco anos dos PEPs); 2) desclassificar automaticamente a pessoa como familiar de PEP; ou 3) classificá-la como estreita colaboradora se houver indícios que as relações econômicas e financeiras continuarão frequentes após o fim do relacionamento, podendo representar riscos de LD/FTP e corrupção. Talvez esta última seja a mais recomendável dentro de uma ABR, pois é uma análise mais crítica da situação.

Por fim, chegamos ao conceito de estreito colaborador, que é definido como qualquer um que tenha estreita relação com PEP. Como exemplos, as normativas definem que são pessoas com participação societária conjunta com PEP, mandatários de PEPs, ou qualquer outra relação de conhecimento público com PEP [10]. Não há mais o conceito de "relacionamento próximo" da Circular nº 3.461/2009 — embora a Carta Circular nº 3.430/2010, que define os seus contornos, não tenha sido revogada expressamente. Nela consta a possibilidade de incluir pessoas com movimentação habitual de recursos financeiros de ou para PEP sem justificação econômica.

Estreito colaborador é o conceito mais subjetivo de todos, pois não existem critérios delineados como no caso de familiares de PEPs para referenciar uma ABR, o que vai exigir uma construção bem estruturada no programa de PLD/FTP. Por exemplo, no caso de participação societária, um sócio que detenha 1% de uma empresa com um PEP sócio se torna automaticamente estreito colaborador? Em estruturas mais pulverizadas, com muitos sócios ou acionistas, por vezes essas partes sequer se conhecem pessoalmente. É difícil afirmar sem conhecer profundamente as relações entre os sócios.

O mais razoável seria qualificar como estreito colaborador os demais sócios caso exista um PEP sócio com uma participação societária mais substancial. Pode-se tomar como préstimo o conceito de beneficiário final presumido do artigo 8º da Instrução Normativa RFB nº 1.863/2018, que é aquele que possui mais de 25% do capital da entidade, direta ou indiretamente.

Nas relações de conhecimento público, pode-se incluir amizades notórias ou relacionamentos íntimos (como extraconjugal, por exemplo), o que vai exigir um bom monitoramento de mídia por parte das empresas em relação a essas partes. No primeiro caso, um exemplo importante foi do impeachment em 2017 de Park Geun-hye, ex-presidente da Coreia do Sul, por conta de condutas de corrupção cometidas por Choi Soon-sil, uma amiga íntima da ex-presidente.

Como conclusão desta breve análise, percebe-se que as diversas normativas que tratam sobre PEPs precisam passar por uma sessão de revisão dos diversos reguladores para que estejam todas harmonizadas. Existem muitas discrepâncias entre si, além de omissões e usos de termos de maneira atécnica que atrapalha a gestão eficiente de PLD/FTP. Enquanto isso não ocorrer, as empresas devem exercer um senso crítico e ir além da regulação, adotando uma ABR para uma gestão mais eficiente dos riscos de LD/FTP e corrupção que podem envolver PEPs.

 


[1] Acrônimo para "Prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa".

[2] Conceito que implica, em apertada síntese, colocar maior ênfase nos recursos disponíveis (humanos, materiais, financeiros, tecnológicos) em situações nas quais a probabilidade de ocorrência do evento indesejado seja maior. Tal ideia que vem sendo propagada pelos reguladores nacionais como necessária para um robusto programa de PLD/FTP já é realidade há anos no ambiente regulatório norte-americano e europeu, com o conceito de Risk-Based Approach — RBA.

[3] Tais como a Circular Bacen nº 3.461/2009 e ICVM 301/1999.

[5] Uma alternativa a esses políticos proeminentes que deixam de ser PEP seria a classificação como estreito colaborador. Porém, em termos de otimização da gestão de PEPs, seria melhor que alguns PEPs fossem marcados como tal desde o início e assim permanecessem no longo prazo.

[6] Isso estaria adstrito aos familiares que sejam do melhor conhecimento do PEP, pois podem existir situações que ele sequer conhece o seu parente e isso não poderia ter o condão de invalidar juridicamente a posse do agente público ou agente político.

[7] Em conformidade à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD, artigo 7º, II.

[8] Tal conceito de parentesco inexiste no Código Civil de 2002, e não há nenhuma norma específica que o defina. O que se pode inferir é que essas normativas queiram restringir o parentesco à linha reta consanguínea, o que excluiria até mesmo irmãos em uma interpretação mais restritiva, por se tratar de parentesco colateral.

[9] Lembrando que os concunhados não são parentes, nem por afinidade, conforme preconiza o artigo 1.595, § 1º, do Código Civil.

[10] Este último item não consta na Circular Bacen nº 3.978/2020 e Circular Susep nº 612/2020.

Autores

  • é mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, membro de órgãos de governança corporativa em São Paulo, co-coordenador do Manual de Compliance (3. ed. – Ed. Forense) e do Manual de Project Finance no Direito Brasileiro (Ed. Quartier Latin), coautor do livro Cultura Organizacional em Compliance (Ed. Thomson Reuters) e Gestão de Risco e Compliance (Ed. Senac), professor de pós-graduação e educação executiva em diversas escolas de negócios, eleito vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE) em dois mandatos e é profissional certificado em AML/CFT pela Acams dos Estados Unidos.

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