Opinião

Notas sobre a citação das pessoas jurídicas por e-mail à luz da Lei 14.195/2021

Autor

  • Nida Saleh Hatoum

    é doutoranda em Direito Civil pela USP sócia diretora da área de Contencioso Cível Especializado e Direito Contratual do escritório Medina Guimarães Advogados advogada e professora.

4 de setembro de 2021, 6h02

No último dia 26, foi sancionada pelo presidente da República, com vetos, a Lei n° 14.195/2021, que teve origem na Medida Provisória n° 1.040/2021 e, a exemplo da Lei da Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019), sancionada em 20/9/2019, regula questões jurídicas das mais diversas naturezas.

Em artigo recentemente publicado nesta revista Consultor Jurídico [1], os professores Otavio Luiz Rodrigues Junior, da Universidade de São Paulo (USP), e Rodrigo Xavier Leonardo, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), cuidaram de sintetizar as 11 principais mudanças decorrentes da referida alteração legislativa, com enfoque no direito privado, a saber: 1) a facilitação para a constituição e o funcionamento de pessoas jurídicas e o desenvolvimento de atividades lucrativas; 2) a criação de ações ordinárias com a atribuição de voto plural; 3) a instituição do sistema integrado de recuperação de ativos; 4) as cobranças realizadas por conselhos profissionais; 5) a extinção e a transformação da Eireli; 6) as assembleias mediante meios eletrônicos; 7) a prescrição intercorrente; 8) o estabelecimento virtual; 9) a citação de pessoas jurídicas por e-mail; 10) a nota comercial; e 11) a proteção do representante comercial na falência e na recuperação judicial.

Especificamente sobre a citação das pessoas jurídicas por e-mail, o artigo 44 da Lei n° 14.195/2021 alterou os artigos 77, 231, 238, 246, 247 e 921 do Código de Processo Civil para: 1) instituir como dever das partes a informação e a atualização dos seus dados cadastrais perante o Poder Judiciário, para recebimento de citações e intimações (cf. artigo 77, VII, do CPC); 2) considerar como dia do começo dos prazos o quinto dia útil seguinte à confirmação do recebimento da citação realizada por meio eletrônico (cf. artigo 231, IX, do CPC); 3) estabelecer que a citação será efetivada em até 45 dias a partir da propositura da ação (cf. artigo 238, parágrafo único, do CPC); 4) estabelecer que, em regra, a citação será feita por meio eletrônico ou pelo correio para qualquer comarca do país (cf. artigo 247, caput, do CPC); 5) estabelecer que o termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo de um ano e que a efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo prescricional (cf. artigo 921, §§4º e 4º-A, do CPC).

Com maior relevo, tem-se a alteração substancial do artigo 246 do CPC, cujo caput passou a prever que "a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até dois dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)".

Como consectário da nova redação do artigo 77 do CPC, o §1º do artigo 246 passou a dispor que as empresas (públicas e privadas) são obrigadas a manter o cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações. Demais disso: 1) o §1º-A dispõe que a realização da citação ocorrerá pelo correio, por oficial de Justiça, pelo escrivão ou chefe de secretaria ou por edital caso não haja a confirmação, em até três dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica; 2) o §1º-B estabelece que na primeira oportunidade de falar nos autos o réu citado por outro meio que não o eletrônico deverá apresentar justa causa para a ausência do recebimento da citação enviada eletronicamente; e 3) o §1º-C prevê que considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de aplicação de multa de até 5% sobre o valor da causa, a ausência de confirmação, no prazo legal, sem justa causa, do recebimento da citação recebida por meio eletrônico.

Fruto também de resoluções do Conselho Nacional de Justiça, tais como a n° 345/2020 e a n° 378/2021 [2] [3], que dispõem sobre o Juízo 100% Digital, é sabido que já existia, antes mesmo da referida alteração legislativa, certo incentivo dos tribunais para que empresas públicas e privadas efetuassem seus cadastros de modo a viabilizar citações e intimações pelo meio eletrônico. É o caso, a título exemplificativo, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná [4], do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas [5], do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios [6] e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [7].

Ocorre que, em todos os casos acima referidos, a adesão ao sistema eletrônico para o recebimento de citações e intimações era feita de modo voluntário pelas partes, o que muda com a entrada em vigor da Lei n° 14.195/2021. Vê-se que além de estabelecer o cadastro dos e-mails das empresas públicas e privadas como dever, existe, ainda, a imposição de multa por ato atentatório à dignidade da Justiça caso não seja confirmado, sem justa causa (que deve ser pontuada pelo réu na primeira oportunidade em que falar nos autos), o recebimento da citação pelo meio eletrônico.

Parece claro que a intenção do legislador é agilizar a efetivação de intimações e citações, tanto em razão da previsão de prazos para que os atos sejam praticados (cf., por exemplo, artigo 238, parágrafo único, do CPC), quanto em razão da escolha do meio compreendido como preferencial (cf. artigo 246, caput, do CPC).

É necessário, portanto, que as empresas públicas e privadas se adequem o quanto antes às regras inseridas no novo diploma normativo, seja no que atine ao obrigatório cadastro, seja no que diz respeito à organização interna para que a gestão do recebimento de citações e intimações seja feita de modo seguro, evitando prejuízos.

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