Opinião

A parentalidade na primeira infância

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3 de setembro de 2021, 6h35

Em 2016, foi aprovada a Lei 13.257, sobre políticas públicas para a primeira infância (Marco Legal da Primeira Infância), que consiste no período de zero a 72 meses, ou zero a seis anos de idade de uma criança.

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A aprovação da lei representa a consolidação da doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes, adotada no ordenamento jurídico pátrio, conforme se verifica no artigo 227 da Constituição da República e na Convenção de Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil e incorporada por meio do Decreto 99.710, de 21/11/1990.

Sua origem são o Projeto de Lei 6.998/2013 (número originário na casa legislativa) e o Projeto de Lei da Câmara 14/2015, com o objetivo "estabelecer maior sintonia entre a legislação e o significado do período da existência humana que vai do início da gestação até o sexto ano de vida", pretendendo "responder à relevância dos primeiros anos na formação humana, na constituição do sujeito e na construção das estruturas afetivas, sociais e cognitivas que dão sustentação a toda a vida posterior da pessoa".

A lei reconhece a importância de atividades nos primeiros anos de vida da criança de modo a favorecer o seu desenvolvimento, conforme estudos mais recentes nos campos da educação e da saúde, porque nessa etapa da vida acontecem importantes aprendizados sociais, biológicos, emocionais e afetivos que terão impactos futuros positivos para a criança. De acordo com o Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), "crianças que tiveram boas oportunidades na infância (escolares, afetivas e sociais) tendem a apresentar um melhor desempenho acadêmico e profissional, um maior ajuste social e uma menor propensão à criminalidade, uso de drogas, adoecimento físico ou mental" (2016).

Embora seja uma iniciativa para propor a discussão sobre os cuidados na primeira infância, a lei não promoveu modificações legislativas no Código Civil e, nesse sentido, perdeu a oportunidade de redefinir os termos do código para incluir de modo expresso o direito das crianças à convivência com os pais e com a família extensa e o dever dos pais de realizar essa convivência.

Atualmente, o tema convivência é tratado no Código Civil no artigo 1.634, que traz uma lista exemplificativa de comportamentos em que pais são responsáveis em favor dos filhos, e nos artigos 1.583 a 1.584, que disciplinam a guarda.

Esses artigos têm uma redação ainda muito inspirada no padrão normativo anterior a 1988 e que entendia, em certa medida, a criança como "propriedade" dos pais. A partir de 1988, com a adoção do princípio do melhor interesse e da doutrina da proteção integral no artigo 227 da Constituição, as responsabilidades dos pais são obrigatoriamente direcionadas ao desenvolvimento e ao bem-estar dos filhos, o que significa dizer que elas têm de cumprir uma função e os pais podem ser acompanhados pelas entidades públicas e da sociedade para que se verifique se esse objetivo está sendo cumprido.

Um exemplo concreto da permanência de uma ideia ultrapassada sobre as responsabilidades dos pais é a manutenção, no Código Civil, do direito dos pais de ter os filhos em sua companhia. Mais do que um direito, esse é um dever, pois é a partir da convivência que os pais realizam o desenvolvimento dos seus filhos, participando das atividades diárias, educacionais, de saúde, médicas, sociais, esportivas etc. E, no campo de primeira infância, essa convivência é ainda mais prioritária, considerando, como antes mencionado, os aprendizados que ocorrerem especialmente nesse momento da vida.

Teria sido importante que o Marco Legal da Primeira Infância tivesse modificado o Código Civil para fazer constar nele expressamente o dever de pais e/ou mães em exercerem a convivência de seus filhos e, no caso de pais e/ou mães que não coabitam na mesma residência, que essa convivência deve ser exercida de modo mais igualitário possível, permitindo a participação de ambos na vida da criança.

Apesar dessa omissão, essa mudança pode (e está) ser feita pela via interpretativa, promovendo uma leitura constitucionalizada do Código Civil e que o adequa às novas legislações que privilegiam os direitos das crianças.

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