Opinião

Direito à autodeterminação informativa: a liberdade para decidir o destino dos dados

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3 de setembro de 2021, 18h10

O direito à autodeterminação informativa tem sido ainda mais discutido diante da era do big data e da quarta revolução industrial [1]. Esse direito é compreendido como a faculdade do titular de dados de ter o controle de suas informações, seja no acesso, no tratamento ou comercialização de seus dados pessoais. Portanto, traz ao cidadão a possibilidade de "tomar as rédeas" da utilização de seus dados pessoais por terceiros.

Apesar de ser sido trazido à tona recentemente como um dos principais fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o direito à autodeterminação informativa teve origem muito antes, em Constituições que — mesmo que de forma implícita — firmaram compromisso com democracia e a sociedade [2], entre as quais destaca-se a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (Lei de Bonn), de 1949.

Nesse sentido, apesar de democrática, a Lei Fundamental — em semelhança à nossa Constituição Federal de 1988 — não possui expressa previsão a autodeterminação informativa; no entanto, isso não impediu o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha de reconhecer a existência desse direito no julgamento sobre a constitucionalidade da Lei do Censo de 1983, que possuía questionário que permitia o tratamento dos dados pessoais e o seu compartilhamento entre órgãos públicos [3].

Destarte, a decisão reconheceu, com fundamento no direito geral da personalidade consagrado na Grundgesetz, a Constituição Alemã, que "o livre desenvolvimento da personalidade pressupõe, sob as modernas condições do processamento de dados, a proteção do indivíduo contra levantamento, armazenagem, uso e transmissão irrestritos de seus dados pessoais, assegurando, assim, a proteção à autodeterminação informativa" [4].

Em outras palavras, o julgado alemão reconheceu a autonomia dos direitos à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, em relação ao direito à privacidade. E também ressaltou que "não existem mais dados insignificantes no contexto do processamento eletrônico de dados" [5]. E vale dizer, isso já no século passado.

No Brasil, a autodeterminação informativa é um direito fundamental autônomo que, apesar de não encontrar previsão expressa na Constituição Cidadã de 1988, pode ser extraído da interpretação integrada da garantia de vários dos seus postulados, quais sejam: do princípio da dignidade da pessoa humana; do direito à privacidade; e da garantia processual do habeas data (artigos 1º, III, e 5º, X e LXXII, respectivamente).

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já reconheceu o direito à autodeterminação informativa no julgamento da ADI 6387, proposta pela Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Medida Provisória nº 954/2020 — que, basicamente, estabelecia que as empresas de telecomunicações compartilhassem diversos dados pessoais (nome, telefone e endereço) de seus consumidores com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [6], que utilizaria os dados "exclusivamente" para realizar pesquisas domiciliares por telefone.

Não obstante a isso, dada a velocidade das criações tecnológicas e da disseminação desenfreada das informações, houve a necessidade da criação da Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que definiu os princípios e procedimentos para o tratamento dos dados pessoais e os critérios para a responsabilização dos agentes por eventuais danos ocorridos em virtude desse tratamento [7].

Como abordado acima, não só o normativo legal fez questão de citar a autodeterminação informativa (artigo 2º, II, da LGPD) como um dos fundamentos para a proteção dos dados pessoais, como também positivou no capítulo III do diploma normativo os direitos do titular de dados.

Nesse diapasão, o artigo 18 da LGPD [8] elenca diversos direitos como: confirmação da existência de tratamento; acesso aos dados; correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados; anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários ou excessivos; revogação de consentimento; entre outros.

Além disso, o artigo 19 da LGPD [9] detalha de que forma o acesso aos dados pessoais do usuário deve ser disponibilizado. Veja-se:

"Artigo 19  A confirmação de existência ou o acesso a dados pessoais serão providenciados, mediante requisição do titular:
I – em formato simplificado, imediatamente; ou
II – por meio de declaração clara e completa, que indique a origem dos dados, a inexistência de registro, os critérios utilizados e a finalidade do tratamento, observados os segredos comercial e industrial, fornecida no prazo de até 15 (quinze) dias, contado da data do requerimento do titular.
§1º. Os dados pessoais serão armazenados em formato que favoreça o exercício do direito de acesso.
§2º. As informações e os dados poderão ser fornecidos, a critério do titular:
I – por meio eletrônico, seguro e idôneo para esse fim; ou
II – sob forma impressa".

Denota-se, portanto, que os dispositivos supracitados nada mais são do que exemplos perfeitos da pura aplicação do direito à autodeterminação informativa e do princípio do livre acesso (artigo 6º, IV, da LGPD), afinal, garantem ao usuário não somente o controle da utilização do seu fluxo de dados, como também delimitam os formatos e o prazo máximo (15 dias) para a confirmação ou não de existência, tratamento ou o acesso aos seus dados pessoais por parte dos agentes de tratamento.

Posto isso, demonstra-se a preocupação do legislador em empoderar o titular de dados, com a finalidade de positivar o direito à autodeterminação informativa — apesar de implícita na Constituição Federal de 1988 —, além de fazer valer os direitos fundamentais a privacidade e a dignidade da pessoa humana. E não poderia ser exigida outra postura, haja vista que estamos tratando do recurso mais valioso da atualidade: os seus dados [10].

 

[1] A quarta revolução. Disponível em <https://pt.unesco.org/courier/2018-3/quarta revolucao>. Acesso em: 24 de ago de 2021.

[2] Constitucionalismo. < https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/98/edicao-1/constitucionalismo>. Acesso em: 24 ago. 2021.

[3] O direito à proteção de dados e a tutela da autodeterminação informativa. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2020-jun-28/constituicao-direito-protecao-dados-tutela-autodeterminacao-informativa>.Acesso em: 24 de ago de 2021.

[4] BVerfGE 65, 1, "Recenseamento" (Volkszählung). MARTINS, Leonardo. (org.) Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional federal Alemão. Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 244-245

[5] Ibid. p. 239.

[6] Medida provisória ordena teles a compartilhar dados de clientes com IBGE. <https://correiodoestado.com.br/cidades/medida-provisoria-ordena-teles-a-compartilhar-dados-de-clientes-com-ibge/370981>. Acesso em: 27 ago. 2021.

[7] STF – ADI: 6390 DF 0090595-58.2020.1.00.0000, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 07/05/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 12/11/2020

[8] BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm>. Acesso em: 31 ago. 2021.

[9] Ibid.

[10] The world’s most valuable resource is no longer oil, but data. Disponível em: <https://www.economist.com/leaders/2017/05/06/the-worlds-most-valuable-resource-is-no-longer-oil-but-data>. Acesso em: 31 ago. 2021.

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