Opinião

O 'informante do bem' e o combate à corrupção: revolução pronta para ocorrer

Autores

  • Anderson de Paiva Gabriel

    é juiz auxiliar da presidência do CNJ juiz de Direito do TJ-RJ doutorando e mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador visitante na Berkeley Law School.

  • Martim Della Valle

    é doutor em direito pela USP professor visitante da International Anti-Corruption Academy em Viena pesquisador da FGVEthics e sócio de Marchini Botelho e Caselta Advogados.

29 de outubro de 2021, 18h17

Um novo instituto, ainda adormecido, pode causar uma silenciosa revolução social no Brasil: o "informante do bem" (whistleblower), previsto no artigo 15 da recente Lei 13.964/19 (Lei Anticorrupção).

O "informante do bem" é qualquer indivíduo que, tendo ciência ou informações sobre quaisquer condutas lesivas ao interesse público, relata tais fatos e aponta os possíveis envolvidos a uma autoridade. Com isso, pode receber até 5% do valor recuperado; ficar isento quanto à eventual responsabilização civil ou penal em relação ao relato; ter a identidade preservada; proteção integral contra retaliações, com potencial ressarcimento em dobro por eventuais danos materiais, sem prejuízo de danos morais. O princípio é análogo ao da colaboração premiada; contudo, desta vez o protagonista é o cidadão, e não um dos delinquentes.

Revelar um malfeito não é fácil. Laços sociais e profissionais e o medo de retaliações podem obstar que isso ocorra, e é por isso que é preciso incentivar tais denúncias.

Um dos grandes desafios contemporâneos que o Brasil enfrenta é o combate a corrupção, cuja nocividade social é notória. O "informante do bem" constitui uma promissora e eficiente arma posta à disposição de cada brasileiro.

A previsão legislativa do instituto foi tímida e demanda aprimoramentos diversos, mas foi um passo essencial. Lamentavelmente, não há notícias sobre a criação de unidades de ouvidoria ou correição nos termos que a Lei Anticorrupção instou, ou mesmo a regulamentação de programas de whistleblower, apesar de haver imposição legal nesse sentido tanto aos entes federativos quanto a autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Sem prejuízo da adequada regulamentação, pensamos que o instituto do "informante do bem" já é integralmente aplicável e qualquer cidadão pode fazer os relatos de crimes contra a Administração Pública, ilícitos administrativos ou quaisquer condutas lesivas ao interesse público diretamente ao Ministério Público, gozando, desde o início da vigência da lei, das proteções conferidas e da possibilidade de concessão jurisdicional da recompensa.

Muitos são os campos férteis para a estreia do instituto. Um deles certamente é o da saúde, ora potencializado pela pandemia da Covid-19, que destinou bilhões de reais para vários setores da economia. É tempo para que a CVM considere um programa de whistleblower robusto para, municiada por informações de denunciantes, atuar de maneira incisiva e proteger os acionistas de fraudes e erros em balanços contábeis.

Na advocacia, o whistleblowing criará um novo ramo de atuação: representação, preparação e proteção de informantes, como já ocorre nos Estados Unidos, onde existem escritórios especializados nessa seara.

O "informante do bem" pode revolucionar o combate aos crimes contra a Administração Pública. Muitas revoluções legislativas começam em silêncio e tomam corpo com a prática. A revolução do "informante do bem" está madura para acontecer. Com ela, o brasileiro contará com instrumentos diretos para sua luta de construção de futuro melhor para nosso país e para as próximas gerações.

Autores

  • é juiz auxiliar da presidência do CNJ, juiz de Direito do TJ-RJ, doutorando e mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador visitante na Berkeley Law School.

  • é doutor em direito pela USP, professor visitante da International Anti-Corruption Academy em Viena, e sócio de Marchini, Botelho e Caselta Advogados.

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