Opinião

Diversidade e intolerância religiosa nos ambientes de trabalho

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28 de outubro de 2021, 18h07

Muitas empresas vêm implementando políticas internas de diversidade, com vistas a ter um ambiente mais diverso, inclusivo e, como consequência, produtivo.

Pleitos e iniciativas nas pautas de gênero, LGBTQIA+, raça e deficiência têm crescido a olhos vistos.

Um longo caminho a percorrer, mas certamente a mudança de cultura já começou em muitas empresas e é parte desse processo trazer os temas para debate; expor as vicissitudes dos grupos minoritários; as questões históricas e colocar luz aos desafios decorrentes da realidade do nosso país, ainda muito machista, homofóbico, racista e com pouca acessibilidade às pessoas com deficiência.

Os avanços são mais tímidos em determinadas empresas, mais expressivos em outras, inexistentes em tantas outras, mas o debate está colocado e a exigência por mudança paira sobre os mais diversos setores e grupos sociais. Tanto é assim que os temas de diversidade chegaram também aos meios acadêmicos, com várias iniciativas buscando uma revisão do corpo docente, com poucos professores negros nas escolas e universidades, e das bibliografias adotadas, ainda pouco diversas em todos os sentidos.

O que se observa, no entanto, é que pouco se fala sobre religião e tolerância religiosa nos meios corporativos, nas discussões sobre diversidade. Parece existir um motivo: a falsa crença que o Brasil não tem preconceito em questões religiosas (premissa tão equivocada quanto aquela que acredita que o brasileiro não é racista).

A realidade mostra que o tema é pouco falado, mas o preconceito existe também nas questões religiosas. Na verdade, a tolerância às crenças religiosas individuais não é um comportamento padrão com o qual os empregados podem contar em todas as empresas.

Muitos empregados que, em razão de crenças religiosas, têm restrições alimentares ou limitações de horário de trabalho em determinados dias (como feriados religiosos, não reconhecidos no calendário nacional ou mesmo aos sábados, como os judeus e presbiterianos), usam guias de orixás, entre outras questões que os vinculam às suas religiões, são constantemente alvo de olhares, comentários, estigmas, ou seja, são, muitas vezes, discriminados. Ingênuo acreditar que estereótipos ligados à religião não sejam comuns e, não raro, desagregadores e nocivos àqueles que são alvo de tal intolerância.

Para não serem discriminadas, muitas pessoas, quando ingressam no mundo do trabalho, deixam de seguir seus rituais religiosos com vistas a não ter de falar a respeito e, mais ainda, para não correr o risco de tal fator ser gerador de qualquer diferenciação entre elas e os demais empregados (ou candidatos a emprego e/ou a promoção). Até porque, em determinados ambientes, assumir-se como uma pessoa religiosa, por si só, pode ser visto com estranheza, gerar um incômodo, como se houvesse um comportamento "certo e neutro" a ser seguido por todos (tornando o tema religião um tabu). Seria, portanto, impensável pedir um dia de folga (ou mesmo compensar horas extras) para usufruir um feriado religioso.

Se o mundo corporativo apenas afastasse as pessoas de suas religiões já seria suficiente para tratar do tema com mais frequência e ênfase. Mas não se trata apenas disso. Ao não colocar o tema da tolerância religiosa na pauta cotidiana e na recente e importante chamada pauta de "diversidade", ao permitir esse equivocado senso comum de não tratar de religião por ser um assunto "polêmico", o que se verifica é uma série de atos de discriminação e preconceito no dia a dia, o que transforma o ambiente laboral de muitos empregados em um lugar hostil, não livre de assédio e que leva muitas pessoas ao injustificado afastamento de suas religiões.

Tanto é assim que há farta jurisprudência das cortes trabalhistas envolvendo casos em que empresas foram condenadas ao pagamento de indenizações por danos morais aos empregados submetidos a situações constrangedoras, vexatórias e humilhantes envolvendo crenças religiosas.

Nessa linha, recentemente a 18ª Turma do TRT de São Paulo condenou uma empresa do setor de autopeças a pagar indenização por danos morais a empregado que sofreu perseguição de seu superior hierárquico, que, ciente da religião judaica do reclamante, fazia saudações nazistas em reuniões, enaltecia Hitler, zombava do Shabat. Evidenciada a discriminação religiosa, a empregadora foi responsabilizada, tendo o juiz pontuado que a liberdade de expressão e pensamento não é salvo-conduto para prática de atos ilícitos, de cunho discriminatório.

Em outra situação, o TST confirmou condenação proferida pelo TRT do Rio de Janeiro no âmbito de uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, que buscava a condenação de um banco, em indenização por danos morais coletivos, e nas seguintes obrigações de fazer: "Não promover nem permitir a prática de discriminação religiosa; efetivar meios de denúncias de discriminação; manter política de combate à discriminação; estabelecer punições a empregados que pratiquem discriminação contra colegas de trabalho". A demanda teve início em razão de denúncia feita por empregada que, uma vez eleita a dirigente sindical, passou a ser hostilizada em razão de suas convicções religiosas. Restou provado, inclusive, que o agressor chamou a empregada de "macumbeira vagabunda e sem vergonha", tendo a empregada sido vítima de ameaças de agressão. A despeito das discussões sobre cabimento de uma ação coletiva no caso concreto, importante destacar que o TRT ponderou: "Para a devida garantia dos direitos coletivos, não basta que sejam permitidos o uso de objetos que identifiquem as crenças dos empregados, mas é preciso que não se permita, ainda, que haja manifestação de intolerância, não tendo o banco embargante, segundo a prova dos autos, manifestado qualquer atitude tendente a coibir a prática discriminatória no ambiente de trabalho".

A questão que vale ponderar não é o acerto das decisões comentadas acima, mas, sim, a necessidade de ampliar a pauta da diversidade. Diversidade tem de ir além das questões de gênero, orientação sexual, identidade de gênero e raça, deve avançar para temas como religião, condição social, deficiência, idade, aparência pessoal, descendência indígena e tantas outras questões.

A sociedade que queremos está estampada na Constituição Federal de 1988 (que tutela a liberdade de consciência e de crença, artigo 5º, VI), falta vencer inúmeras barreiras e, em especial o ranço de uma sociedade que discrimina, sem pudor e limites, mulheres, população LGBTQIA+, negros, indígenas, deficientes, idosos, pobres e religiosos dos mais diversos credos.

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