Limites da liberdade: Pode Bolsonaro gritar "fogo" em um teatro lotado?
26 de outubro de 2021, 11h28

A defesa da "liberdade de expressão" de Bolsonaro, é claro, estava baseada em Brecht. Como gostam de citar Brecht. Logo Brecht. Se há alguém que não pode ser citado por quem prega o fim da democracia é Brecht. Seus poemas vão na mão contrária dos negacionistas de hoje.
E lá vem o poema: "Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso; eu não era negro… etc etc". Outro liberticida citou o poema do brasileiro Eduardo Alves da Costa, que é seguidamente confundido com Brecht (Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim…). E diz o post nas redes: "— Viram? Primeiro censuram Bolsonaro, depois censuram você". Um deles ainda pergunta: "— Hei, jornalista, você não vai fazer nada?"
Paremos as máquinas. Calma. Muita calma nessa hora. Vamos pegar Brecht, mesmo? Ou o Eduardo Alves da Costa? Qual é o jornalista sério, que não seja propagador de mentiras (fake news), que diria uma mentira do tamanho dessa dita pelo presidente da República?
"Liberdade de expressão". Muito bonito. O que não se explica é o que essa gente entende por liberdade. Esse é o busílis.
Bom, se você é alguém, político, advogado ou jornalista, quem acha que um presidente de um país que tem até agora mais de 600 mil mortos pela Covid-19 tem o direito à livre expressão para incentivar a não vacinação, então, OK. Faça uso dos poemas de forma fake e corra para a galera. Decore os poemas. São bonitos.
Está certo que há pessoas que não acreditam que o homem foi para a lua; e acreditam que Adão e Eva existiram. Mas dizer que Adão e Eva existiram não faz mal para ninguém.
Agora, se um presidente da República diz, em seu canal oficial, calculadamente, que vacina pode provocar AIDS, aí o bicho pega.
Há uma famosa tirada de Holmes, famoso juiz norte-americano, que se usa para mostrar a potencialidade de uma fala (nem vou falar aqui de John Austin, acerca dos discursos perlocucionários): se alguém grita — de forma mentirosa —, no meio de um teatro lotado, a palavra "fogo", por certo não estará exercendo sua liberdade de expressão.
Eis o ponto. Ou os pontos. Não é a primeira vez que Bolsonaro nega o valor das vacinas. Até mesmo na ONU disse isso.
Só que desta vez Bolsonaro gritou "fogo" no teatro. E queimou todas as caravelas. O Rubicão brasileiro já tem muitas pontes. Já foi atravessado trocentas vezes. Vai ver é isso que entendem por "direito de ir e vir", essa gente que entende a propagação do vírus e de mentiras como um direito fundamental. Vai ver que é isso…!
É fogo!
Post scriptum: a propósito, já que gostam de citar Brecht, que tal o O Cantar de Mãe Alemã?
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