Opinião

A assembleia de credores e o limite legal de 90 dias para seu encerramento

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18 de outubro de 2021, 15h03

A Lei 14.112/2020 trouxe diversas inovações para a Lei 11.105/2005, sendo uma delas a inclusão do §9º ao artigo 56, o qual dispõe que, em caso de suspensão de assembleia geral de credores (AGC) convocada para fins de votação do plano de recuperação judicial (PRJ), o ato assemblear deverá ser encerrado no prazo de até 90 dias, contado da data de sua instalação.

Parece clara a intenção do legislador em evitar sucessivas suspensões da AGC e indevida procrastinação do feito em prol da celeridade processual. Todavia, a Lei 14.112/2020 deixou de prever qual seria a consequência em caso de eventual suspensão por prazo superior ao limite estabelecido por lei.

A doutrina já tem considerado algumas possibilidades. Há entendimento, por exemplo, no sentido de que, na hipótese de não ser possível deliberar sobre o PRJ dentro do prazo de 90 dias, a assembleia deverá ser encerrada (por força de lei), iniciando-se uma nova, inclusive, com nova verificação de quórum de instalação [1]. Em nossa visão, contudo, esse posicionamento não estaria alinhado com os objetivos da lei, pois estaria justamente na contramão da celeridade pretendida.

Tendo em vista que as recuperandas são as responsáveis pela escorreita condução do seu processo recuperacional, seria possível pensar em penalizações ao devedor, como, por exemplo, a convolação em falência. Por outro lado, também seria questionável a adequação da medida, tendo em vista que, se houve a suspensão da AGC por prazo superior a 90 dias, isso significa que contou com o apoio da maioria de seus credores. E um cenário falimentar certamente não seria o esperado, pois a suspensão normalmente se dá exatamente para evitar a rejeição do PRJ. Além disso, essa situação não está prevista no rol do artigo 73 da Lei 11.101/2005, destinado às hipóteses de convolação em falência, o que seria outro ponto de questionamento [2].

Retomando ao objetivo do legislador, além de garantir celeridade, parece que a intenção também foi evitar um descasamento entre a votação do PRJ e o stay period. Considerando que a Lei 14.112/2020 trouxe regras claras acerca da prorrogação do stay period (apenas uma vez e em situação excepcional) é, então, esperado que a AGC que delibere sobre o PRJ ocorra dentro do referido período.

Assim, sucessivas prorrogações da AGC, além do limite determinado, podem levar a situação (não desejada) de ultrapassar o stay period [3]E, nesse cenário, surgem outras dúvidas que podem levar a discussões judiciais, tendo em vista que os mesmos credores que aprovaram a suspensão da AGC serão também os beneficiados pelo fim do stay period, já que estarão autorizados, por lei, a retomar as suas execuções contra as recuperandas. Ou, ainda, uma vez encerrado o stay period sem aprovação do plano, poderão esses mesmos credores (e, novamente, fundamentados no texto legal), apresentar o PRJ alternativo.

Diante disso, para evitar as prorrogações indevidas, entendemos necessário considerar o dever do administrador judicial e do próprio juiz de fiscalizar o cumprimento dos prazos legais.

Nesse sentido, uma possibilidade que se mostra factível seria o administrador judicial, como presidente da AGC, não autorizar que seja colocado em votação um pedido de suspensão que ultrapasse o limite legal ou, ainda, que o juiz determine expressamente que a AGC seja concluída dentro do prazo estabelecido mesmo que os credores tenham deliberado de forma contrária como, inclusive, já ocorreu em uma recuperação judicial que tramita perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo [4]. Trata-se do puro exercício do controle de legalidade sobre o ato assemblear.

Sem prejuízo do controle sugerido, nos parece que o ideal seria mesmo que recuperandas e credores evitassem levar a questão para deliberação judicial, concentrando todos os seus esforços para, de fato, concluírem as negociações acerca das condições do PRJ dentro do prazo de 90 dias fixado mesmo porque o diálogo a esse respeito pode (e deve) se iniciar muito antes da designação da data da AGC garantindo, assim, o fiel cumprimento do texto legal.


[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p.233. 

[2] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 15. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.  p.289. 

[3] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência.  2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p.328.

[4] Recuperação Judicial de Heber Participações S/A e Outros – Processo nº 1080871-98.2017.8.26.0100 – Magistrado: Dr. João de Oliveia Rodrigues Filho

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