Opinião

Verticalização assistencial nos planos de saúde: um bem ou um mal?

Autor

  • Elano Figueiredo

    é especialista em Direito Empresarial pela FGV foi head jurídico do Grupo Hapvida entre 2001 a 2011 diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar entre 2012 e 2013 assessor especial da Amil entre 2014 e 2016 professor de pós-graduação de gestão em saúde e debatedor na rádio CBN.

18 de outubro de 2021, 13h40

Rede assistencial é o conjunto de médicos, clínicas, laboratórios, hospitais e demais prestadores de serviços de saúde oferecidos pelas operadoras aos seus consumidores.

Nesse sentido, a regulação setorial, inaugurada no Brasil pela Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde — LPS), conceituou originalmente três modalidades de serviços de atendimento: contratado, credenciado e referenciado. Consta do seu artigo 1º, inciso I.

Mais adiante, a mesma lei deu guarida a outros dois tipos de atendimento, que já existiam desde antes de 1998 e que também reclamam atenção, como é o caso dos serviços próprios e cooperados. Estão nos artigos 10-B e 18.

Definindo-os resumidamente, podemos dizer que contratados e credenciados são similares e constituem prestação de serviços em que profissionais e instituições autônomos atendem, em seus próprios estabelecimentos, os beneficiários dos planos de saúde. Os referenciados estão mais relacionados à atividade das seguradoras, e funcionam geralmente na modalidade de reembolso. Os cooperados são os médicos integrantes das cooperativas médicas, e a rede própria é aquela formada por vínculo direto com a operadora — estabelecimentos de propriedade do plano de saúde e profissionais do seu quadro próprio.

Para muitos, a rede própria, chamada de verticalizada, constitui o desenho mais eficiente de atendimento. Através dela seria possível ter uma maior organização, padronização e controle na prestação de serviços, com significativa redução de desperdícios.

Nessa modalidade, os médicos com vínculo direto (celetistas, plantonistas e pejotizados), aderem aos protocolos da operadora desde a sua entrada, ou seja, sabem o que enfrentarão; ou pelo menos deveriam saber. Imagina o empregador que, com isso, seja possível evitar prescrições divergentes das diretrizes técnicas as quais os planos estão submetidos, especialmente o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O formato vertical se mostrou efetivo de uma forma tal que, até o sistema cooperativo, em que os prestadores de serviços são os próprios sócios da entidade, iniciou uma evolução do seu conceito assistencial, adotando sistema híbrido. Os médicos continuam sendo os cooperados, mas as instituições de atendimento passaram a ser verticalizadas, através de clínicas e hospitais construídos ou adquiridos pelas próprias Unimeds.

Todavia, iniciou-se recentemente uma discussão interessante sobre a natureza da rede vertical: até que ponto esse sistema impacta na autonomia dos prestadores de serviços?

Com efeito, esse será um desafio para o regulador e para o legislador enfrentar.

Sob minha ótica, já tive a oportunidade de escrever sobre a autonomia do médico [1], sustentando firmemente que o Código de Ética Médica não admite nenhuma interferência nas suas decisões. Mas até que ponto a condição de empregado afetaria silenciosamente a necessidade de independência profissional?

Questão igualmente relevante que se apresenta, ainda, é sobre a auditoria de procedimentos. O ato que sempre serviu como segunda opinião médica, que ajudou no controle técnico da medicina, perde força, se o médico assistente já segue religiosamente os protocolos do seu empregador? E o paciente, consegue auditar a conduta clínica original que lhe é indicada?

A mim, parece que o modelo verticalizado não se diferencia dos demais ao ponto de ser apontado como o vilão da autonomia médica. Ora, por exemplo, conceitualmente o cooperado tem uma relação muito mais forte com sua operadora de saúde — ele é verdadeiramente sócio dela — e, nem por isso, jamais abriu mão da sua independência e da qualidade dos serviços que presta. As Unimeds se anunciam historicamente como empresa mais humanizada, em que o paciente trata direto com o dono. Eu concordo.

Por sua vez, as relações de referenciamento e credenciamento são igualmente importantes economicamente para o funcionamento dos consultórios. A maioria dos prestadores de serviços não abre mão desses contratos, sob pena de perder grande parte da sua clientela.

Então, todas as formas de prestação de serviços assistenciais contemplam algum tipo de condição econômica ou social aos quais os prestadores precisam se submeter. Os protocolos e diretrizes partem de entidades oficiais, tais como a ANS, a Anvisa, o CFM e as sociedades de especialidades. Mais ou menos rigor na fiscalização do cumprimento destas regras de conduta não pode significar coação sobre a atividade médica. Está errado o profissional que se distancia dos protocolos oficiais, que exagera no off-label.

No entanto, completamente diferente será a situação de uma operadora de rede verticalizada que impõe modelos clínicos divergentes daquilo que os protocolos oficiais estabelecem. Nesses casos, há irregularidade a ser combatida e aqui, sim, defendo rigorosa fiscalização, que talvez não esteja acontecendo hoje em dia.

Mas, enfim, a coação para uma determinada conduta médica pode ser exercida numa rede verticalizada, cooperada e mesmo na credenciada. Na primeira, o profissional se submete ao risco de demissão, enquanto nas demais: pode ser excluído da cooperativa (artigo 35, IV, da Lei 5.764/71) e descredenciado — medida contratual simplória e igualmente danosa quanto à perda de clientela e receitas. Portanto, pressão sempre poderá existir, sob qualquer tipo de relação assistencial. Em todas elas deve ser coibida.

Concluindo, vale o alerta de que a discussão sobre os benefícios e malefícios da rede assistencial verticalizada merece reflexões mais profundas. A eficiência econômica que esse desenho trouxe para o setor não deve ser simplesmente esquecida, mas, sim, ponderada com os males que pode gerar, sempre tendo o paciente como foco da análise. E separar o joio do trigo é essencial visando a preservar quem usa cada modelo assistencial para o bem.

Autores

  • é especialista em Direito Empresarial pela FGV, advogado especialista em saúde, com foco especial na regulação ética dos Conselhos de Medicina, professor de pós-graduação de Gestão em Saúde e debatedor na Rádio CBN. Foi head jurídico do Grupo Hapvida entre 2001 a 2011, diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar entre 2012 e 2013 e assessor especial da Amil entre 2014 e 2016.

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