A pressão sobre a escolha do tratamento médico aos olhos do Código de Ética
6 de outubro de 2021, 17h08
A defesa da hipossuficiência vem sendo uma característica importante do Direito brasileiro. Código de Defesa do Consumidor, Consolidação das Leis do Trabalho e Código Civil de 2002 são fontes normativas que refletem bem a valorização desse papel do legislador e, em consequência, do aplicador do Direito.
Isso quer dizer, portanto, que a fragilidade jurídica de uma parte não está necessariamente relacionada ao seu grau intelectual ou ao seu poder financeiro. Depende sempre de um desequilíbrio entre os atores.
No caso dos médicos, a situação carece ser bem avaliada, porque o pressuposto de partida é que estamos diante de profissionais com excelente nível de instrução e condições financeiras favoráveis.
Ainda por cima, eles contam com um apoio institucional reconhecidamente importante, de suas associações, sindicatos, sociedades de especialidades e Conselhos de Medicina.
Em que pese as garantias da hipossuficiência, o Conselho Federal de Medicina já pontuou que, independentemente da situação favorável ou desfavorável em que o médico se encontre na relação com as instituições de saúde, públicas ou privadas, ele possui direitos e obrigações que são irrenunciáveis, tais como:
Tem direito a:
"IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.
V – Suspender suas atividades, individualmente ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não o remunerar digna e justamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.
IX – Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência".
Não poderá:
"Artigo 10 — Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos.
Artigo 17 — Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado.
Artigo 20 — Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade".
Em vista de esse profissional atuar com a vida das pessoas, parece-nos evidente que o CFM se esforçou em preservar as suas condições autônomas de trabalho, deixando claro duas questões: em nenhuma hipótese uma instituição poderá interferir nas escolhas deliberadas entre médico e paciente e, acaso isso aconteça, jamais o médico poderá se submeter a tal situação.
Nesse tocante, o Parecer 16/15 da lavra do próprio Conselho Federal deixou ementado desde 2015 que "nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente".
Assim, a letra clara do Código de Ética Médica não permite outra conclusão senão a de que o doutor, mesmo pressionado, ameaçado por quem quer que seja, deverá se negar a exercer ato com o qual não concorda; especialmente se emanar de empregador ou superior hierárquico que interfira na escolha da melhor conduta científica para o paciente.
Então, a resposta do médico a esse tipo de pressão deve ser imediata, assertiva, negando-se a exercer o ato com o qual não concorda. A comunicação ao Conselho Regional respectivo é medida subsequente que se impõe.
Enfim, a atividade médica comporta, sim, interpretações e posicionamentos clínicos divergentes sobre os tratamentos, mas não admite a coação sobre a conduta do médico assistente. E, seja numa relação de hipossuficiência ou não, é obrigação do médico negar-se ao exercício ilegal ou antiético da atividade, sob pena de estar se acumpliciando na prática irregular.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!