Processo Tributário

A tutela provisória fundada na urgência e a contracautela no processo tributário

Autor

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

3 de outubro de 2021, 8h00

Neste artigo, debruçar-nos-emos sobre o que dispõe o §1º [1] do artigo 300 do Código de Processo Civil, que autoriza a exigência de "caução real ou fidejussória idônea" para a concessão de tutela provisória fundamentada na urgência.

Tratado costumeiramente como hipótese de restrição à concessão das tutelas provisórias, está esse dispositivo a merecer releitura no âmbito do processo tributário antiexacional [2], especialmente no momento atual, em que a pandemia da Covid-19 está impactando a disponibilidade de dinheiro das empresas para os fins adoção do expediente previsto no inciso II [3] do artigo 151 do Código Tributário Nacional (depósito do montante integral do débito) e, na mesma medida, a arrecadação dos entes tributantes.

Não é demais apontar que mesmo antes do cenário econômico decorrente da pandemia não era incomum, na prática do contencioso, haver resistência à concessão de tutela de natureza provisória suspensiva da exigibilidade da dívida tributária, abertamente fundada na presunção de validade do crédito tributário e veladamente porque obstativa da entrada de receita nos cofres púbicos. Essa restrição (a postura defensiva na concessão de tutelas provisórias) tem como um dos seus mais graves efeitos a continuidade da cobrança, via ação exacional, até a constrição patrimonial para garantir o pagamento do crédito fazendário, convocando a movimentação da máquina do Judiciário em mais de um processo sob a base do mesmo crédito tributário.

E é aqui que sobressai a contracautela como instrumento de efetividade processual, já que apta a operacionalizar o poder geral de cautela intrínseco ao exercício da jurisdição [4] e assegurado como direito das partes litigantes.

Se por um lado o §1º do artigo 300 do Código de Processo Civil impõe ao juízo o dever de aferir o risco de dano inverso [5] no contexto do exercício do poder geral de cautela e, identificando-o, exigir a contracautela, por outro, assegura o correlato direito de o contribuinte antecipar-se e oferecê-la, resguardando em relação: 1) ao Fisco a satisfação do crédito tributário (o pagamento); e 2) a si os efeitos colaterais da condição de inadimplente, como o bloqueio de certidão de regularidade fiscal, inscrição em cadastros de restrição ao crédito e o protesto, assim como do ajuizamento do processo executivo, já que acompanhada da viabilidade de concessão da tutela provisória suspensiva da exigibilidade pela literalidade do texto do dispositivo.

Importante deixar claro que não se está aqui a sustentar que a contracautela terá o condão de suspender a exigibilidade, apenas será eficiente para resguardar o dano inverso decorrente da concessão da tutela provisória pretendida (e obtida) pelo contribuinte, assumindo a natureza de verdadeira "antecipação da garantia", providência de longa data conhecida do advogado e da advogada do contencioso tributário, aqui instrumentalizada não pela via da cautelar autônoma, mas na própria medida judicial em que se discute a exigência tributária.

Aqui fazemos uso das palavras de Luis Claudio Ferreira Cantanhêde [6] para afirmar ser notoriamente vantajosa a providência de oferecimento da contracautela para: 1) o Fisco, porque assegura o pagamento do crédito tributário na hipótese de improcedência da demanda, assim como suplanta as várias etapas do procedimento de cobrança do crédito tributário via título executivo extrajudicial e ajuizamento de execução fiscal; 2) o contribuinte, porque viabiliza a concessão da tutela provisória suspensiva da exigibilidade do crédito tributário.

Mas não é só nessa dupla função que se consolida sua utilidade, a coexistência da contracautela e da decisão concessiva da tutela provisória são instrumentos de aplicabilidade da cooperação [7] processual em seu aspecto efetividade, pois assegura ao contribuinte que o tempo do processo não corroa o seu direito de discutir a exigência tributária sem os efeitos da condição de inadimplente, ao Fisco, a certeza de que, saindo vencedor ante a improcedência da demanda, obterá a satisfação de seu crédito.

 


[1] "Artigo 300 – A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º. Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la".

[3] "Artigo 151 – Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
II – o depósito do seu montante integral".

[4] O Supremo Tribunal Federal em duas específicas oportunidades assentou que o poder geral de cautela é inerente ao exercício da atividade jurisdicional por decorrer diretamente da Constituição Federal/1988 quando atribui ao Poder Judiciário "o poder-dever de curar qualquer lesão ou ameaça a direito" (voto do Ministro Carlos Velloso na ADC 4 MC) em seu inciso XXXV do seu artigo 5º e "resguardar a eficácia futura do exercício legítimo do seu poder" (a referência aqui é ao voto no Ministro Sepúlveda Pertence na ADI 223).

[5] O risco de dano inverso que convoca a contracautela, a que se refere o dispositivo do CPC/2015, está ligado à possibilidade de não haver o pagamento pelo contribuinte se a demanda for julgada improcedente.

[7] "Artigo 6º – Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

Autores

  • é advogada, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), do programa de pós-graduação Lato Sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLAW) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de Extensão "Processo tributário analítico" do IBET e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do IBET.

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