Opinião

A tutela jurídica dos dados pessoais

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3 de outubro de 2021, 13h11

O regime jurídico da proteção de dados pessoais estruturou-se no Direito brasileiro de forma recente, tendo em vista que "seu desenvolvimento histórico se deu a partir de uma série de disposições cuja relação, propósito e alcance são fornecidos pela leitura da cláusula geral da personalidade".

Adverte Danilo Doneda que, apesar de a Constituição Federal de 1988 estabelecer uma diversidade de garantias relacionadas à privacidade, tais como considerar invioláveis a vida privada e a intimidade (artigo 5º, X), a interceptação de comunicações telefônicas, telegráficas ou de dados (artigo 5º, XII), proibindo a invasão de domicílio (artigo 5º, XI), bem como a legislação ordinária prever um conjunto de normas relacionadas ao tema, a proteção de dados pessoais é uma garantia de caráter instrumental, derivada da tutela da privacidade, porém, não limitada por esta.

Antes da vigência da LGPD, o Código de Defesa do Consumidor, a ação de habeas data, prevista na Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei nº 9507/97, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), entre outras leis, já serviam como instrumentos cruciais para a tutela dos dados pessoais, porque, diante de um litígio envolvendo um grupo de pessoas ou até mesmo a coletividade, como numa situação de vazamento de dados, foi possível protegê-los, indenizar as vítimas daquele dano, bem como estimular o nascimento da cultura de proteção de dados.

Após a vigência da LGPD, essa tutela será complementada, visto que a lei traz uma série de diretrizes que deverão ser observadas pelas pessoas jurídicas de direito público e privado ao realizarem o tratamento dos dados pessoais, o que permite uma consolidação da proteção dos dados.

De acordo com Bruno Miragem, a LGPD incrementa a tutela dos direitos do consumidor prevista no Código de Defesa do Consumidor, de modo que se nota que a incidência em comum dos artigos 7º do CDC e 64 da LGPD permite a conclusão de que os direitos dos titulares dos dados previstos nas respectivas normas devem ser cumulados e compatibilizados pelo intérprete.

No que tange à previsão da tutela coletiva dos dados pessoais, a LGPD prevê no artigo 22 a possibilidade de exercer a defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados em juízo, individual ou coletivamente.

Nesse cenário, a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) é um importante instrumento de proteção dos direitos coletivos, na medida em que o artigo 1º, incisos II, IV e VII, da LACP permite a utilização da ação civil pública para proteger os dados pessoais. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor também é aplicado ao tema.

No mesmo sentido, vale mencionar a possibilidade de celebrar compromissos de ajustamento de conduta para dirimir litígios envolvendo proteção de dados, conforme já verificado nos casos de vazamento de dados do Banco Inter e Netshoes.  

Pois bem. A proteção dos dados pessoais poderá ocorrer de diversas maneiras, seja através de meios judiciais ou extrajudiciais.

Em relação aos meios judiciais, os titulares podem valer-se, nos casos de menor complexidade, dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) e, nos casos de maior complexidade, ingressar com ações específicas, nos termos do Código de Processo Civil. Atualmente, já é possível verificar uma proliferação de litígios judiciais que envolvem a LGPD, visto que existem, aproximadamente, 600 decisões envolvendo a lei.

Ademais, o Ministério Público poderá, nos termos do artigo 176 do CPC, atuar na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis, bem como propor a Aaão civil pública.

Por sua vez, no que tange aos meios extrajudiciais, verificam-se procedimentos estipulados na LGPD, como a possibilidade de os titulares dos dados pessoais revogarem o consentimento anteriormente concedido, por procedimento gratuito e facilitado (artigo 7º, § 5º, LGPD), além de existir a possibilidade entrar em contato com o controlador para exercer os direitos previstos no artigo 18 da lei.

Ademais, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) poderá aplicar sanções administrativas, após procedimento administrativo que possibilite a oportunidade da ampla defesa, de forma gradativa, isolada ou cumulativa, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e considerados os parâmetros e critérios previstos nos incisos do §1º do artigo 52 da LGPD.

Portanto, entre as diversas formas de buscar a proteção dos dados pessoais, a tutela coletiva demonstra, muitas vezes, ser uma opção acertada, porque protege uma quantidade maior de titulares/lesados, que, às vezes, sequer tomam ciência dos riscos e da forma que está sendo realizado o tratamento de seus dados pessoais.

Nota-se que, atualmente, o regime jurídico da proteção de dados é amplo e permite a criação de pontes jurídicas protetivas do titular dos dados pessoais, além de criar respostas aos novos desafios, que serão encontradas na amplitude de todo o ordenamento jurídico.

 

Referências bibliográficas
RODRIGUES, Laura Secfém. NOGUEIRA, André Murilo Parente. Compromissos de ajustamento de conduta e processo estruturante na proteção de dados pessoais: é hora de um novo passo. In: Revista de Direito e as novas Tecnologias, v. 11, abr-jun/2021. E-periodical.

DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: elementos da formação da Lei geral de proteção de dados. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. E-book.

MIRAGEM, Bruno. A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) e o Direito do Consumidor. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1009, p. 173-222, 2019. E-periodical.

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/07/justica-ja-tem-600-decisoes-envolvendo-lei-de-protecao-de-dados.shtml. Acesso em: 30/09/2021.

Autores

  • é advogada com atuação na área de privacidade e proteção de dados, pós-graduanda em Direito, Tecnologia e Inovação, com ênfase em proteção de dados, no Instituto New Law.

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