Opinião

Considerações sobre o abuso do poder político e econômico nas eleições

Autores

  • William Akerman

    é defensor público do estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ) assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) membro do Grupo de Trabalho sobre Reconhecimento de Pessoas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) professor da Escola Superior de Advocacia Nacional e ex-procurador do estado do Paraná (PGE-PR).

  • Priscila Machado

    é advogada com atuação em Tribunais Superiores sócia do escritório PM Advocacia consultora jurídica empresarial CEO do curso Sobredireito e da editora Sobredireito e colaboradora no livro "Mandado de Segurança e Mandado de Injunção no Supremo Tribunal Federal" da editora Juspodivm.

29 de novembro de 2021, 7h12

1) Notas introdutórias
A Carta Política, no artigo 14, §9º, tanto na redação original como na conferida pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4/1994, preconiza que lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na Administração.

Em atenção ao disposto no Texto Maior, o artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/1990, na redação conferida pela de nº 135/2010, prevê, a respeito das sanções decorrentes da configuração de abuso de poder econômico ou político, que, julgada procedente a representação, o tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação.

O detentor do poder — consoante clássica lição da ciência política — tende a dele abusar.

O vocábulo abuso (do latim abusu = ab + usu) tem como significado mau uso, uso errado ou nocivo, exorbitância dos limites do uso normal. Prende-se, portanto, à noção de excesso.

Poder, em sentido comum, significa força, capacidade ou controle transformadores. Como bem relembra a doutrina, revela, na esfera política, a capacidade de determinar o comportamento alheio [1].

A teoria do abuso de poder deita raízes no Direito Privado, desenvolvida que foi a partir da responsabilidade civil por abuso de direito. Espraiou-se pelo sistema jurídico, condicionando o exercício de posições jurídicas, pelo titular, não apenas à lei, mas aos limites postos pela boa-fé, pelo fim social ou econômico ou pelos bons costumes [2], presentes princípios e valores agasalhados pela ordem jurídica.

No Direito Eleitoral, o abuso de poder é compreendido como o mau uso de situação jurídica de modo a exercer indevida influência na eleição [3]. É conceito jurídico indeterminado, pelo que se abre à multiplicidade de formas e deve ser aferido diante do colorido do caso concreto.

2) Abuso do poder político e econômico na seara eleitoral
Tendo em mira o poder político, é certo que a máquina administrativa não pode estar a serviço de candidaturas, sob pena de ofensa aos mais caros princípios constitucionais, como o republicano e os da isonomia e da impessoalidade, bem como à própria soberania popular.

Conforme a lição de José Jairo Gomes: "No Brasil, é público e notório que agentes públicos se valem de suas posições para beneficiar candidaturas. Desde sua fundação, sempre houve intenso uso da máquina administrativa estatal: ora são incessantes (e por vezes inúteis) propagandas institucionais (cujo real sentido é, quase sempre, promover o agente político), ora são as obras públicas sempre intensificadas em anos eleitorais e suas monótonas cerimônias de inauguração, ora são os acordos e as trocas de favores impublicáveis, mas sempre envolvendo o apoio da Administração Pública, ora é o aparelho do Estado desviado de sua finalidade precípua e posto a serviço de um fim pessoal, ora são oportunísticas transferências de recursos de um a outros entes federados" [4].

O abuso do poder econômico, por sua vez, deve ser tomado como a concretização de ações que denotem mau uso e exorbitância no emprego de recursos patrimoniais [5], cuja influência — e não apenas abuso — despertou preocupação no poder constituinte originário (artigo 14, § 9º, da Constituição Federal), tamanho o risco de comprometimento da disputa eleitoral.

Embora as duas formas — abuso do poder político e abuso do poder econômico — sejam distintas entre si, em numerosos casos andam juntas.

3) Configuração do abuso do poder político e econômico
Consoante já realçado, o abuso de poder não encontra balizas apenas na lei, mas notadamente nos princípios e valores agasalhados pela ordem jurídica.

Para a configuração do poder econômico e político, não se exige, ao contrário do que se possa imaginar, que os atos sejam caracterizados também como atos de improbidade administrativa ou mesmo como infrações penais.

O uso anormal do poder, seja político — por meio da utilização da máquina pública para reconhecimento de dívidas, realização de pagamentos e contratações, concentrados no ou próximas ao período eleitoral, em contrapartida a "doações", por exemplo —, seja econômico — com aporte incomum, consideradas outras campanhas, de recursos, também para exemplificar —, não raro indicia a prática de infrações administrativas e penais, as quais, frise-se, devem ser apuradas nas esferas competentes.

O abuso, no campo eleitoral, prescinde do juízo de ilicitude em outras searas. Até porque, repise-se, a transgressão a princípios e valores já é suficiente para sua configuração.

Vale dizer, pena de incompreensão e generalização do abuso, que não é vedado à Administração adimplir compromissos no período eleitoral. O que não se pode admitir é que contratações, aditivos e reconhecimentos de dívidas, estejam diretamente correlacionados, temporal, lógica ou faticamente, a doações eleitorais, de modo a indicar atuação anormal e, portanto, abusiva sob os ângulos político e econômico.

Tem-se em mira a preservação do equilíbrio na disputa eleitoral e da normalidade do pleito, prestigiando-se a vontade soberana do eleitor.

Uma última observação surge necessária. A ausência de demonstração da potencialidade para macular a legitimidade das eleições não afasta os contornos abusivos.

O artigo 22, XVI, da Lei Complementar nº 64/1990 expressamente a dispensa, lançando luzes sobre a gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato:

"Artigo 22 — […]
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam".

Como elementos reveladores da gravidade, entre outros, merecem alusão a desproporção do montante total arrecadado em campanha, o vulto das doações, o desvirtuamento da atuação administrativa e o desequilíbrio dos meios conducentes à obtenção da preferência do eleitor.


[1] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 365.

[2] CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Tratado de direito civil. 2ª ed. Coimbra: Edições Almedina S.A., 2015. v. V, p. 269-272.

[3] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 365.

[4] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 369.

[5] JORGE, Flávio Cheim; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso de direito eleitoral. 3ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 456.

Autores

  • é defensor público do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ), assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e de ministro membro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), membro do Grupo de Trabalho sobre Reconhecimento de Pessoas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e professor da Escola Superior de Advocacia Nacional.

  • é advogada com atuação em Tribunais Superiores, sócia do escritório PM Advocacia, consultora jurídica empresarial, CEO do curso Sobredireito e da editora Sobredireito e colaboradora no livro "Mandado de Segurança e Mandado de Injunção no Supremo Tribunal Federal", da editora Juspodivm.

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