Opinião

A polêmica Portaria MTP nº 620

Autor

  • Vinicius Bom Silveira

    é advogado pós-graduando em Advocacia Trabalhista pela Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB) com atuação na área de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.

25 de novembro de 2021, 6h35

No último dia 1º, o Ministério do Trabalho e Previdência publicou a Portaria MTP nº 620, cujo artigo inaugural leciona que é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal, nos termos da Lei nº 9029, de 13 de abril de 1995.

Seguidamente, o §1º do artigo em comento dispõe que ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, e o §2º considera prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação.

Inicialmente, cabe pontuar que o Supremo Tribunal Federal suspendeu os dispositivos acima elencados, sob a justificativa de que a exigência de vacinação não é equiparável à prática discriminatória, uma vez que se volta à proteção da saúde e da vida dos demais empregados e do público em geral.

Dito isso, e deixando de lado questões políticas, o regramento supracitado gerou/gera muita polêmica entre juristas, especialmente trabalhistas. Muitos defendem que a dita portaria visa a assegurar o direito social ao trabalho, ditado pelo artigo 6º da Lei Máxima Brasileira. Outros, por sua vez, sopesam que portaria afronta o direito social à saúde, também elencado no artigo 6º da CRFB, combinada com os artigos 157, inciso II, e 158, inciso I, ambos da CLT, relativos à saúde e segurança do trabalho.

Feito esses apontamentos, pode-se dizer que, além de controvérsia gerada pela portaria ministerial, esse instrumento de regulação gera, igualmente, um grande problema gerencial para o setor empresarial, isso porque condiciona o setor econômico a um estado de incerteza, em que o empregador fica receoso de um passivo trabalhista por discriminação, baseada na portaria em comento, e um passivo em razão de uma possível discussão a respeito de uma possível contaminação por Covid-19 que, a depender da repercussão na esfera pessoal do trabalhador, poderá ser caracterizada como doença ocupacional e, consequentemente, ao pagamento de uma indenização.

Nesse ponto, importante rememorar que no final do ano de 2020 o Ministério Público do Trabalho emitiu a Nota Técnica GT Covid-19 nº 20/2020, que caracterizava a Covid-19 como doença ocupacional e recomendava que os médicos deverão solicitar às empresas a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para funcionários que contraírem o vírus ou casos considerados suspeitos (item 7 da referida nota).

Embora não gerasse uma obrigação legal por não ser vinculativa, a nota supracitada, além de outra polêmica, abriu margem para debates acerca da possibilidade de caracterização da Covid-19 como doença ocupacional. E neste sentido entra a discussão gerada pela Portaria MTP nº 620.

Pois bem! Partindo da instrução ministerial de que exigir a apresentação do certificado de vacinação é considerada como prática discriminatória, suponhamos que o empregador contrata um indivíduo que, no ato da contratação ou posteriormente, contrai o vírus e infecta colegas de trabalho e, dias depois, esses colegas apresentam sintomas graves da doença.

Fundamentando-se na suposição fática acima, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região tem entendido que, nos termos da legislação vigente, a infecção por Covid-19 do trabalhador somente será considerada doença ocupacional quando decorrer da exposição diferenciada ao vírus em razão da atividade desempenhada ou quando o empregador não demonstrar ter tomado todas as medidas de prevenção cabíveis.

Ou seja, se evidenciado que o empregador não adotou medidas de prevenção e que o vírus foi contraído no ambiente de trabalho (excluindo-se desse contexto os profissionais da saúde), a infecção por Covid-19 poderá ser caracterizada como doença ocupacional.

Vejamos que, embora as portarias não possuam força de lei, cujo objetivo é de instruir sobre assuntos de natureza predominantemente administrativa e com a finalidade disciplinar o funcionamento da administração pública ou a conduta de seus agentes, a edição da Portaria nº 620 causou um grande alarde, não só no meio jurídico como no âmbito empresarial diante das controvérsias e contraditoriedades causadas pelo ato ministerial, deixando o setor corporativo em um verdadeiro dilema: agir na linha da não discriminação ou aceitar o risco de eventualmente expor os demais trabalhadores a um risco de contágio, agindo em sentido oposto às determinação relativas a saúde e segurança do trabalho.

Por fim, outra grande discussão gira em torno de qual bem jurídico teria maior relevância nesse dilema causado pela portaria: o direito ao trabalho ou à saúde coletiva? Sobrepor o individualismo em detrimento do coletivismo ou zelar pela saúde e segurança do trabalho?

São questões que continuarão a causar grande controvérsia, e o debate não findará após o posicionamento final da Corte Máxima brasileira, pois as justificativas são relevantes para ambas as correntes.

Autores

  • é pós-graduando em Advocacia Trabalhista pela Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB), com atuação na área de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.

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