Opinião

Considerações panorâmicas sobre a nova Lei de Improbidade Administrativa

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19 de novembro de 2021, 21h53

É importante considerar inicialmente o que se entende por improbidade administrativa. Improbidade, segundo o dicionário De Plácido e Silva, vem "do latim improbitas (má qualidade, imoralidade, malícia). Juridicamente, liga-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. (…) improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. Improbidade é a qualidade do ímprobo. (…) o transgressor das regras da lei e da moral" [1].

Isso posto, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021) foi promulgada para alterar a Lei nº 8.429/1992 e busca tutelar direitos dos administrados em relação aos administradores públicos, "impondo a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social" (artigo 1º).

A lei se refere às sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa de que trata o §4º do artigo 37 da Constituição Federal. "Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais, de modo que são excluídos pelo princípio da especialidade, que significa que a lei especial derroga a lei geral" (§1º).

Em termos de lei geral de improbidade, "o dolo, que é a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos dispositivos previstos na lei é a regra, não havendo exceção pela culpa em sentido estrito. Assim, somente podem ser submetidos aos ditames da lei os atos praticados com dolo, não bastando a voluntariedade do agente" (§2º), "sendo que o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa" (§ 3º).

Ainda, são aplicadas "ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Como princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador destacam-se, "além das cláusulas do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa" (artigo 5º, LIII, LIV e LV, CF), "as garantias que compõem um núcleo comum do direito sancionador como o princípio da legalidade" (artigos 5º, II e XXXIX, e 37, caput, CF), "os princípios da segurança jurídica e da irretroatividade" (artigo 5º, caput, XXXIX e XL, CF), "os princípios da culpabilidade e da pessoalidade da pena" (artigo 5°, XLV, CF), "o princípio da individualização da pena (sanção)" (artigo 5º, XLVI, CF); "e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade" (artigos 1º e 5º, LIV, da CF).

A lei deixa claro que quando a Constituição Federal estabelece cláusulas de garantias fundamentais, os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, bem como a integridade do patrimônio público e social dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.

A lei, no §1º do artigo 1º, considera atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º, 10 e 11, ressalvados tipos previstos em leis especiais, de modo que apenas as condutas de ações ou omissões dolosas, excluindo as de natureza culposas são tuteladas pela Lei de Improbidade, determinando, taxativamente, que são atos de improbidade administrativa, importando em enriquecimento ilícito (artigo 9º) e lesão ao erário (artigo 10º), as seguintes condutas exercidas com qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no artigo 1º (artigo 9º):

"No artigo 10, é determinado que qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, implica em lesão ao erário, incluídas pela lei nº 14.230/2021".

"Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade" (artigo 11, XII, §1º).

"Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei" (artigo 11, XII, §2º)..

"O enquadramento de conduta funcional na categoria de que trata este artigo pressupõe a demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública, com a indicação das normas constitucionais, legais ou infralegais violadas" (artigo 11, XII, §3º).

"Os atos de improbidade de que trata o artigo 11 desta lei exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos" (artigo 11, XII, §4º).

"Não se configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente" (NR) (artigo 11, XII, §5º).

Vale dizer ainda que, independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas em legislação específica, impostas a pessoa, o responsável pelo ato de improbidade estará sujeito as cominações, isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, das penas de: perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio da pessoa improba; a perda de função pública; suspensão de cargos políticos até 14 anos; pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial; proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 anos (artigo 12, I).

Um outro ponto importante trazido pela Lei nº 14.230/2021 refere-se ao fato de que nas sanções aplicadas a pessoas jurídicas em relação à Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) deverá ser observado o princípio constitucional do ne bis in idem (§7º da Lei 14.230/2021). Situação semelhante ocorre quando a lei determina que não haverá improbidade administrativa a ação ou omissão decorrentes de divergência interpretativa da ei ou jurisprudência.

Quantos aos crimes, a lei incluiu o §1º ao artigo 20, instituindo que a autoridade judicial competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, do emprego ou da função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida for necessária à instrução processual ou para evitar a iminente prática de novos ilícitos, bem como no §2º inseriu que o afastamento previsto no §1º deste artigo será de até 90 dias, prorrogáveis uma única vez por igual prazo, mediante decisão motivada.

Já quanto às aplicações das sanções previstas sob a ótica criminal, independerá da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento e as condutas previstas no artigo 10, supracitadas (artigo 21, I), ou da aprovação ou rejeição das constas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas, que serão considerados pelo juiz quando tiverem servido de fundamento para a conduta do agente público (artigo 21, II, §1º), de modo que as provas produzidas perante os órgãos de controle e suas decisões deverão ser consideradas na formação de convicção do juiz, sem prejuízo da análise do dolo na conduta do agente (artigo 21, II, §2º).

As sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria (artigo 21, II, § 3º) e, quando a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos for confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no artigo 386 do Código de Processo Penal (artigo 21, II, § 4º), devendo serem as sanções eventualmente aplicadas em outras esferas serem compensadas com as sanções aplicadas nos termos desta lei (artigo 21, II, § 5º).

Caberá ao Ministério Público, de ofício, para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no artigo 14 desta lei, se o caso, instaurar inquérito civil ou procedimento investigativo assemelhado e requisitar a instauração de inquérito policial (artigo 22), sendo garantido ao investigado, na apuração dos ilícitos previstos nesta lei, a oportunidade de manifestação por escrito e de juntada de documentos que comprovem suas alegações e auxiliem na elucidação dos fatos. (parágrafo único, artigo 22)

Outras alterações advieram com a Lei nº 14.230/2021, que alterou a Lei nº 8.429/1992 no que dizem respeito à declaração de bens, ao processo administrativo e judicial, que não nos cabe neste artigo tratarmos.

Um ponto alto de inserção de dispositivo legal, a nosso ver, é o que determina o artigo 23-A quando estabelece ser dever do poder público oferecer contínua capacitação aos agentes públicos e políticos que atuem com prevenção ou repressão de atos de improbidade administrativa, pois essa determinação colabora para não ensejar a prescrição penal, que nada mais é do que a perda do Estado de punir pelo decurso de tempo; ainda, a condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé (artigo 23-B, § 2º).



[1] Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, 1999. Companhia Editora Forense, p.416

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