Opinião

A Súmula nº 277 do TST, a ultratividade das normas coletivas e a reforma trabalhista

Autor

  • Hugo Fidelis Batista

    é sócio titular da área de Direito do Trabalho do escritório Bento Muniz Advocacia procurador do Distrito Federal pós-graduado em Direito Processual pela Unisul e em Direito Público GovTech e RegTech pelo Instituto NewLaw e mestre em Direito das relações sociais e trabalhistas pela UDF.

18 de novembro de 2021, 18h10

Diante do conflito de natureza coletiva, as partes, em um primeiro momento, buscam solucioná-lo de modo autônomo, por meio da negociação coletiva, privilegiando-se, assim, a autocomposição. Por meio da negociação coletiva de trabalho os atores coletivos privados criam normas jurídicas autônomas que regerão as relações de trabalho, as quais são formalizadas em instrumentos nominados pela lei trabalhista de convenções e acordos coletivos de trabalho.

Não alcançando a autocomposição pela negociação coletiva e direta entre as partes, é possível o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica. Nesse caso, as partes dissidentes entregam, de comum acordo, à Justiça do Trabalho o poder normativo para a edição de normas coletivas que regerão as relações trabalhistas, as quais ficam consolidadas nas nominadas sentenças normativas.

A vigência dessas normas coletivas criadas por meio das negociações coletivas de trabalho ou sedimentadas em sentenças normativas, bem como a aderência destas aos contratos individuais, é objeto de discussão doutrinária e jurisprudencial há tempos. O questionamento principal resume em saber o seguinte: se o artigo 468 da CLT impõe a incorporação de tudo aquilo que é mais benéfico ao contrato de trabalho, o mesmo ocorreria em relação às normas coletivas postas em convenções e acordos coletivos de trabalho ou sentenças normativas? A Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho procurou responder esses questionamentos durante suas várias alterações de redação.

A doutrina trabalhista indica três teorias a respeito da incorporação de benefícios normativos coletivos aos respectivos contratos de trabalho, a saber: a) aderência irrestrita (ultratividade plena); b) aderência limitada pelo prazo (sem ultratividade); c) aderência limitada por revogação (ultratividade relativa).

Em sua primeira versão, a Súmula nº 277, editada em 1988, buscou tão somente esclarecer que a norma coletiva, ainda que estatuída em sentença normativa, se diferencia de cláusula contratual e, portanto, findada a vigência da sentença normativa, não se poderia falar em incorporação de benefícios exclusivamente normativos ao contrato de trabalho. O fundamento jurídico é o de que haveria mera expectativa de direito, e não direito adquirido, ao benefício setorial negociado. A súmula adotou, então, a teoria da aderência limitada pelo prazo em relação às normas coletivas inseridas em sentenças normativas (artigo 868, parágrafo único, da CLT). Em relação às normas coletivas postas em ACTs e CCTs, o artigo 614, §3º, da CLT, previa: "Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo superior a dois anos".   

Seguindo a teoria da aderência limitada por revogação (ultratividade relativa), em 1992 foi publicada a Lei 8.542. Em seu artigo 1º, §1º, na redação original, prescreveu que "as cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho", adotando-se, assim, a teoria da aderência limitada por revogação (ultratividade relativa) em relação às normas coletivas postas em ACTs e CCTs. Em 1995, contudo, a Medida Provisória nº 1.079/95, convertida na Lei 10.192/2001, revogou o referido artigo 1º, §1º, da Lei 8.542/1992, que, então, afastara a teoria da aderência limitada por prazo e consagrara a teoria da aderência limitada por revogação em relação às normas coletivas postas em ACTs e CCTs.

Diante deste então quadro normativo um tanto polêmico, o Tribunal Superior do Trabalho, em 2009, alterou o teor do enunciado da Súmula nº 277, através da Resolução 161/2009, e passou a tratar em sua súmula não mais apenas das normas coletivas postas em sentenças normativas, mas, ainda, daquelas postas em acordos e convenções coletivas de trabalho. Nesse momento, manteve adoção da teoria da aderência limitada pelo prazo, como regra, mas excepcionou o período em que vigeu o artigo 1º, §1º, da Lei 8.542/92. Ficou consagrado na Súmula que, ressalvado "o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei nº 8.542", as normas coletivas de trabalho não se incorporam ao contrato de trabalho após o fim de sua vigência, estejam dispostas em sentenças normativas, acordos coletivos ou convenções coletivas de trabalho.

Em 2012, não obstante a inexistência de nova alteração legislativa, o Tribunal Superior do Trabalho alterou novamente a redação da Súmula nº 277, quando de reunião realizada pelo Pleno do TST. A súmula, doravante, passou a adotar a teoria da aderência limitada por revogação, nos seguintes termos: "As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho".

O questionamento doutrinário e contencioso que surgiu a partir de então foi: com a revogação do artigo 1º, §1º, da Lei 8.542/1992, haveria a possibilidade de o Poder Judiciário, interpretando o ordenamento jurídico, adotar teoria que foi expressamente rechaçada pelo legislador, ao revogar o artigo 1º, §1º, da Lei 8.542/1992? Essa é, em síntese, a discussão travada nos autos da ADPF nº 323/DF, relator ministro Gilmar Mendes, que determinou a suspensão da Súmula nº 277, em sua atual redação (editada em 2012), até deliberação do plenário do STF. O entendimento liminar é o de que não houve amparo legal para a mudança de entendimento do TST.

Com efeito, até a edição da Lei 8.542/1992, o artigo 614, §3º, da CLT, previa o tempo de vigência de até dois anos para as normas coletivas postas em convenções e acordos coletivos. Com a edição do artigo 1º, §1º, da Lei 8.542/1992, referido artigo restou revogado tacitamente. Por sua vez, com a superveniente revogação do artigo 1º, §1º, da Lei 8.542/1992, isto é, após 28/7/1995 (Medida Provisória nº 1.709), houve um vácuo legislativo a respeito da matéria (normas coletivas postas em ACTs e CCTs). Esse vácuo normativo foi colmatado durante a maior parte do tempo pela redação da Súmula nº 277, até 2012, quando se adotou teoria da aderência limitada pelo prazo como regra, ressalvado o período compreendido entre 23/12/1992 e 28/7/1995, em que vigeu o artigo 1º, §1º, da Lei nº 8.542.  Atualmente, com a Lei 13.467 de 13/07/2017, o artigo 614, §3º, da CLT, prevê expressamente que "não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade".

A considerável alteração do enunciado da súmula de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (da teoria da aderência limitada por prazo para a teoria da aderência limitada por revogação), em 2012, deu-se apesar da revogação da Lei 8.542/92, que ensejou o item II da Súmula 277, em sua versão vigente entre 2009 e 2012; sem nova lei sobre o tema e sem precedentes jurisprudenciais novos sobre a matéria, a indicar subsídios ao questionamento de sua legalidade.

Considerando-se que a nova redação da súmula foi contrária à intenção legislativa expressa na revogação do artigo 1º, §1º, da Lei 8.542/1992 (fim da teoria da aderência limitada por revogação) e à própria jurisprudência consolidada no TST, que adotava até 2012 a teoria da aderência limitada pelo prazo, é que, pela Lei 13.467/2017, editou-se o novo §3º do artigo 614 da CLT. Por esse artigo passou-se a prescrever expressamente que "não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade".

Ao vedar expressamente a ultratividade de normas coletivas postas em ACTs e CCTs, a nova lei tentou colocar um fim à discussão ora exposta e ainda tratada na ADPF Nº 323/DF, relator ministro Gilmar Mendes.

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  • é sócio titular da área de Direito do Trabalho do escritório Bento Muniz Advocacia, procurador do Distrito Federal, pós-graduado em Direito Processual pela Unisul e em Direito Público, GovTech e RegTech pelo Instituto NewLaw e mestre em Direito das relações sociais e trabalhistas pela UDF.

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