Opinião

O administrador judicial e a fiscalização das informações do devedor

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12 de novembro de 2021, 18h09

A importância do papel do administrador judicial de fiscalização das atividades do devedor começa a partir da apresentação do relatório inicial de atividades, momento em que é necessário fiscalizar a veracidade e a conformidade das informações prestadas.

Os comentários e as considerações dos principais procedimentos e a comunicação dos resultados obtidos pela fiscalização do administrador judicial, com apresentação adequada das movimentações financeiras, dos extratos contábeis e da situação patrimonial do devedor, demonstrarão eficácia, trarão benefícios à tramitação do processo e permitirão a avaliação pelos credores da real capacidade de soerguimento e o monitoramento para prevenção de irregularidades.

A exigência de apresentação das informações determinadas pela lei para fundamentar o pedido de recuperação judicial é relevante, pois estas servirão para justificar as causas da situação de crise econômico-financeira e da situação patrimonial do devedor, imprescindíveis para decisão do processamento da recuperação judicial pelo magistrado. Além disso, a apresentação dessas informações marca o início dos procedimentos e das iniciativas do administrador judicial para fiscalizar as atividades e informações do devedor.

Ao deferir o processamento da recuperação judicial, o juiz determinará uma série de procedimentos, entre eles a nomeação do administrador judicial, a quem o devedor deverá apresentar contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial. Caberá ao administrador judicial também fiscalizar as atividades, a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor, uma das mais importantes ferramentas de comunicação e melhoria dos processos e controles do devedor.

Vale lembrar que as informações reunidas para distribuição do pedido de recuperação, após deferido o processamento, serão a base para o início do procedimento de fiscalização pelo administrador judicial.

As informações contábeis devem seguir a legislação e o padrão contábil. O administrador judicial, ao analisar as informações, deve buscar os relatórios e as obrigações entregues aos órgãos de fiscalização. Os demonstrativos contábeis e fiscais válidos devem ser os mesmos processados nas entregas das obrigações, sendo indispensável a apresentação da escrituração contábil digital (ECD), realizada por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED).

O ideal é que, no momento da apresentação do primeiro relatório mensal de fiscalização das atividades do devedor, o administrador judicial já identifique eventuais saldos contábeis, informações que não estejam amparadas por documentação suporte que justifique a situação apresentada pelo devedor.

Em relação à situação patrimonial do devedor, não é difícil observar bens ou direitos que possuam valores inconsistentes, acima do esperado ou com probabilidade de realização remota registrados nos demonstrativos contábeis.

Com base em uma estrutura básica de demonstrações financeiras, não é difícil encontrar, nas informações apresentadas pelos devedores em pedidos de recuperação judicial, situações como:

— Caixa e bancos: Saldos não conciliados e inconsistentes com os valores disponíveis e informados nos extratos bancários.

— Estoques: Obsoletos, valores superavaliados, itens inexistentes e não inventariados.

— Contas a receber: valores irrecuperáveis, títulos não baixados e inexistentes, com apresentação incompatível de recebimento.

— Imobilizado: Bens inexistentes, obsoletos, avaliados acima do valor de mercado.

— Marcas: Avaliação de marca desatualizada com apuração de valores incompatíveis com a capacidade atual e futura de geração de caixa pelo devedor.

— Créditos tributários: saldos não conciliados, inconsistentes com as declarações e os extratos fiscais.

— Contas a pagar: saldos não conciliados, valores não compatíveis com os créditos apresentados na recuperação judicial.

— Impostos a pagar: saldos não conciliados, valores não compatíveis com os créditos apresentados na recuperação judicial.

É de praxe a apresentação de cálculos de indicadores econômicos e financeiros que demonstram a situação das empresas em aspectos de capacidade de pagamento, liquidez, prazos de recebimentos, pagamentos, giro de estoques etc. Não se nega que o cálculo dos índices pode favorecer a leitura da real situação das empresas, entretanto, ao não se certificar de que os valores obtidos nos demonstrativos do devedor são consistentes, as informações apuradas não terão utilidade alguma, levando à interpretação de resultados distorcidos da real situação econômica do devedor.

Muito se discutiu, durante a reforma da lei de recuperação e falência, sobre a responsabilidade da preparação das informações financeiras não recair sobre o administrador judicial, pois é certo que a responsabilidade sobre essas informações é do administrador e do contador da empresa. De qualquer modo, tão importante quanto se certificar com relação ao atendimento aos requisitos da Lei 11.101/2005 é a fiscalização das atividades baseadas nas informações apresentadas. Portanto, deve-se realizar procedimentos mínimos de verificação de composição dos valores apresentados, sem que a responsabilidade dos saldos exibidos recaia sobre o administrador judicial.

Informações relevantes para avaliação
As informações que suportam os saldos dos demonstrativos contábeis são fundamentais para o administrador judicial realizar a fiscalização sobre as informações apresentadas pelo devedor. E devem ser atualizadas mensalmente. Ao solicitar informações adicionais, é essencial conhecer a estrutura de processos existentes no negócio do devedor.

Entre as diligências realizadas, deve-se obter informações diretamente dos responsáveis pela preparação e geração das transações. Diversos departamentos da empresa são responsáveis pela entrada de registros. Dessa forma, ao obter o entendimento das atividades e dos procedimentos realizados, o administrador judicial terá uma avaliação mais eficiente e com apresentação de informações mais produtivas e relevantes às partes interessadas. Outros departamentos são responsáveis pelo recebimento das informações geradas e realizam o controle e a preparação dos demonstrativos contábeis.

Ao coletar informações relativas aos procedimentos e à estrutura corporativa adotada pelo devedor, o administrador judicial poderá perceber o que esperar dos dados e recomendar ações para aprimorar os processos e regularizar informações inconsistentes.

É fundamental que se tenha um levantamento do ambiente de atividade do devedor com informações dos sistemas utilizados na operação e integração com as áreas financeira e contábil, controle e registro de estoques, adoção de inventário dos estoques e bens do ativo imobilizado.

Ao reportar as situações das atividades do devedor, não basta simplesmente replicar o que foi apresentado, com a prerrogativa do devedor ser o responsável pela veracidade e consistência das informações. Fiscalizar as informações é ter o mínimo de conforto de que os números estão respaldados por documentação suporte que contenha a composição dos saldos registrados, de acordo com as normas e compatíveis com as atividades desempenhadas pelo devedor. Portanto, é de suma importância que o administrador judicial tenha de fato uma equipe de assistência que seja multidisciplinar, com contadores, administradores, advogados, economistas etc. Ou, no mínimo, tenha conhecimentos básicos nesses temas.

Garantir a qualidade das informações desde o início do processo de recuperação judicial estimula o comprometimento do devedor em apresentar informações adequadas e cumprir as normas e a legislação contábil e fiscal.

Há de se considerar, ainda, a importância da documentação de suporte para avaliação. Nesse sentido, adicionalmente aos documentos já exigidos, o administrador judicial, para compor a estrutura de avaliação e fiscalização mensal, entre outros, também pode exigir documentos como cópia da matrícula dos imóveis próprios da recuperanda, caso os possua; a relação de clientes e seus respectivos contratos de prestação de serviços; relação dos empregados demitidos nos últimos 12 meses; extratos das contas de investimentos/aplicações; posição de fluxo de caixa e de estoque, organograma com a estrutura organizacional, além de uma série de documentos para apresentação mensal — análise financeira e contábil — RMA.

Por tudo isso, a função do administrador de "fiscalizar a veracidade e conformidade das informações prestadas pelo devedor" não quer dizer que ele tenha de auditar as contas da administração da empresa. A auditoria é um processo normatizado e complexo e só pode ser realizado por empresas especializadas e habilitadas nos respectivos órgãos de classe, não sendo descartada a iniciativa do devedor de solicitar um parecer de auditoria para dar conforto ao administrador judicial.

Estar em conformidade com as normas e obrigações fiscais é uma obrigação de qualquer empresa, estando ou não em crise. Caberá ao administrador judicial fiscalizar as atividades do devedor com razoável segurança de controle quanto à licitude das ações da administração da empresa.

Os procedimentos de fiscalização das atividades do devedor devem ser aprimorados, buscando dar transparência e credibilidade ao processo. Aprofundar-se nas revisões das informações do devedor, inclusive considerando a verificação de ações realizadas antes do pedido de recuperação judicial, automaticamente melhora o ambiente de negociação entre devedor e credor e auxilia a detectar atos de irregularidade.

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