Opinião

A evolução da penhora salarial no processo de execução

Autor

  • Fellipe Borges Dias

    é advogado especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes professor voluntário da Faculdade de Direito da UnB diretor da Associação dos Ex-Alunos de Direito da UnB (Alumni FD-UnB) e assessor jurídico do Conselho Regional de Contabilidade do DF – CRCDF.

9 de novembro de 2021, 20h36

Pretende-se falar sobre a evolução do tema da penhora salarial no âmbito das execuções não alimentares. Para tanto, inicialmente, é importante explicar o significa a penhora salarial e como se deu a construção desse argumento junto ao Superior Tribunal de Justiça. Penhora é um recurso geralmente utilizado no processo de execução a fim de obter bens ou direitos do devedor para quitar seu débito discutido judicialmente. Existem inúmeros tipos de penhora: de valores (conta corrente, poupança, salário), de bens (veículos, imóveis), de direitos (créditos, participação societária).

Esses tipos de penhora encontram-se dispostos no artigo 835 do CPC (Código de Processo Civil), inclusive em ordem de preferência, a qual pressupõe, na sua lista, uma ordem decrescente de liquidez desses tipos de penhora. Ou seja, o dinheiro é o mais líquido dos tipos de penhora, pois se pode penhorar qualquer quantia a quitação do débito numa penhora em dinheiro depende exclusivamente da transferência desses valores para a conta do credor. Em outros tipos de penhora, como de veículos e imóveis, é preciso haver ou o leilão do bem para, com a sua aquisição por terceiro, realizar-se a quitação (mediante transferência do valor depositado pela aquisição para a conta do credor), ou até mesmo sua aquisição pelo credor (chamamos de adjudicação), em que pode inclusive ocorrer a compensação ao devedor, caso o bem seja em valor superior ao da dívida.

Feita essa introdução, torna-se importante falar sobre a penhora salarial, um dos tipos expressamente proibidos pelo CPC de 1973 e que tiveram mudança no texto com o CPC de 2015. A mudança pode ter sido sutil, mas representa muito desse entendimento recente do STJ acerca da necessidade de se relevar a regra de impenhorabilidade do salário. No CPC de 1973, o salário era colocado como absolutamente impenhorável (artigo 649 da Lei nº 5.869/73). Já no CPC de 2015 (artigo 833 da Lei nº 13.105/15), a palavra "absolutamente" é suprimida, indicando-se o salário apenas como impenhorável.

Mesmo sob a égide do CPC de 1973, que foi utilizado até 15/3/2016, o STJ e Tribunais de Justiça estaduais já vinham relativizando a impenhorabilidade salarial, principalmente considerando que ela vinha sendo utilizada de forma indiscriminada para que o devedor se eximisse das obrigações assumidas junto ao credor que, não raro, possuía inclusive menos recursos de sobrevivência do que o próprio devedor.

Tal situação pôs em análise diversos dos princípios do processo de execução, entre eles o da satisfação do crédito, dignidade do credor, razoabilidade e proporcionalidade. Diante dessa análise, passou-se a modificar entendimentos marginais à questão de penhora de salário: por exemplo, passou-se a admitir a penhora de parte da poupança, caso ela seja usada como conta corrente.

Adicionalmente, com a experiência do empréstimo consignado, passou-se a argumentar que o mesmo critério lá utilizado poderia ser adotado pelo Judiciário a fim de se identificar como possível de não prejudicar a sobrevivência do devedor qualquer penhora que se limitasse a 30% dos seus proventos. Tais experimentos foram primeiro aplicados em processos que colocavam frente a frente duas questões de natureza eminentemente alimentar: salário e pensão alimentícia.

Após a experiência com essa situação, passou-se a argumentar, também levando em conta os princípios do processo de execução, dispostos acima, sobre a necessidade de se utilizar da ferramenta e argumentos para relativizar parcialmente a impenhorabilidade salarial a fim de poder também conceder ao credor uma oportunidade de finalmente ver seu crédito quitado. Importante destacar que também não se está aqui mencionando os credores trabalhistas, que possuem uma categoria diferenciada de crédito, assim como os de pensão alimentícia, mas, sim, daqueles credores civis: contratos, empréstimos e dívidas judiciais.

Uma recente decisão do STJ, nos autos do AREsp nº 1775724/DF, inclusive traça esse paralelo, apresentando o posicionamento do STJ quanto à possibilidade de se relativizar a regra de impenhorabilidade salarial, desde que ressalvada quantia suficiente a manter a dignidade do devedor e sua família. Isso representa um importante avanço para aqueles credores de dívidas não alimentares, especialmente daqueles que sejam credores de pessoas que possuem boa renda, as quais se fiam exclusivamente na regra literal do CPC para se eximir de pagar suas dívidas, independentemente de possuírem um excesso em sua remuneração (que poderia ser utilizado para quitar tal débito).

Outro ponto importante da citada decisão é que, no caso específico, representou uma quebra na sequência de negativas à penhora salarial: desde a primeira instância foi solicitada a relativização de parte do salário dos devedores a fim de permitir penhora de quantia que não comprometesse sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, viabilizasse a satisfação do crédito discutido no processo judicial. Esse pedido foi rejeitado em primeira instância e, depois, tal decisão foi confirmada pelo TJ-DFT, mantendo-se a impenhorabilidade absoluta do salário, inclusive com rejeição ao recurso especial apresentado.

Somente em sede de agravo em recurso especial houve o reconhecimento da necessidade de se analisar a situação específica, não sob o manto literal da lei, mas, sim, sob as circunstâncias específicas do caso, verificando-se se a penhora de parte do salário geraria eventualmente uma situação de prejuízo àquelas despesas responsáveis pela manutenção e sobrevivência do devedor (aluguel, alimentação, escola dos filhos etc.). Essa decisão representa uma conquista positiva aos credores e será de grande valia para aumentar as chances de recebimento dos valores a que têm direito. Resta aguardar o posicionamento dos tribunais estaduais e aplicação dessa e outras decisões semelhantes do STJ pelas instâncias inferiores, permitindo, sem maiores entraves, a penhora de parte do salário para quitar débitos não alimentares.

Autores

  • é advogado, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, professor voluntário da Faculdade de Direito da UnB, diretor da Associação dos Ex-Alunos de Direito da UnB (Alumni FD-UnB) e assessor jurídico do Conselho Regional de Contabilidade do DF – CRCDF.

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