Segunda Leitura

A ação da segurança pública em Minas Gerais contra o 'novo cangaço'

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

7 de novembro de 2021, 8h00

O crime organizado vem crescendo e se tornando cada vez mais atuante ao redor do mundo. No México, em junho de 2020, o presidente da República, Lopes Obrador, "reconheceu que foi sua a ordem de libertação de Ovidio Guzmán, filho do famoso traficante El Chapo, após o suspeito de narcotráfico ter sido detido em outubro numa operação do exército em Culiacán, capital do estado de Sinaloa, no oeste do México" [1]. Foi a capitulação de um estado impotente.

Spacca
Na Colômbia, Pablo Escobar apreciava a popularidade, chegando, inclusive, a ser deputado federal. Entre outras peripécias, ele criou um zoológico e importou da África animais exóticos, cujo ingresso no país, nos anos 1980, ninguém explica, mas é fácil de imaginar. Em 1993, Escobar morreu e os animais foram abandonados à sua própria sorte. Entre eles, alguns hipopótamos que se reproduziram e agora constituem um problema para a biodiversidade (não têm predadores) e um risco para a vida dos habitantes do local. O caso foi parar na Justiça norte-americana [2].

No Brasil, vários são os grupos organizados, uns mais potentes, com ramificações internacionais, outros mais locais. Não raramente há disputas de território, soluções são negociadas ou terminam em execuções que, geralmente, não chegam à identificação dos autores.

Ao contrário de colegas de outros países, que parecem gostar de serem vistos e reconhecidos, os líderes brasileiros são mais discretos, contentam-se em ver seus núcleos crescerem, alimentados por vultuosos lucros, originários, principalmente, do tráfico de entorpecentes.

E da mesma forma que as empresas diversificam as suas atividades, por vislumbrarem que o investimento em um só setor sempre constitui um risco, as organizações criminosas também incursionam por áreas diferentes. Uma que seja fiscalizada com maior rigor pode dar lugar a outra menos visível para os órgãos de segurança. E, obviamente, na decisão são feitos os cálculos das despesas e dos lucros.

E assim nasceu uma nova forma de ação, que alguém chamou de "novo cangaço". Segundo os pesquisadores, "o novo cangaço é uma modalidade de crime que existe desde 1990 e tem sua origem no Nordeste, onde grupos altamente armados atacavam pequenas cidades do sertão nordestino para realizar crimes cinematográficos, cercados de muita violência" [3].

Atualmente ele constitui a tomada de municípios do interior por um grupo composto por dezenas de pessoas, fortemente armado, extremamente organizado, e que toma uma cidade de assalto saqueando estabelecimentos bancários.

Ele é mais forte no Sudeste, principalmente no estado de São Paulo, onde várias cidades foram sitiadas (Botucatu, Mococa, Araçatuba e outras), mas tem precedentes no Sul (Criciúma, em Santa Catarina) e no Norte, tendo merecido estudo acadêmico na Universidade Federal do Pará [4].

No último dia 31, em Varginha, Minas Gerais, a situação foi diferente. A Polícia Militar, a Polícia Rodoviária Federal e o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), certamente alertados por denúncia anônima, prepararam-se para o enfrentamento.

O site Globo.com – Sul de Minas, informa que "segundo a Polícia Rodoviária Federal, os confrontos com os homens ocorreram em dois sítios diferentes localizados em duas saídas da cidade. Na primeira, os suspeitos atacaram as equipes da PRF e da PM, sendo que 18 criminosos morreram no local. Em uma segunda chácara, conforme a PRF, foi encontrada outra parte da quadrilha e neste local, após intensa troca de tiros, sete suspeitos morreram" [5]. Com a morte de um caseiro, o resultado de ambas resultou em 26 mortes.

Mas uma coisa chama a atenção: a reação da sociedade foi bem diferente de fatos semelhantes no passado. Com efeito, colocada no Google, a frase "PM de Minas mata 25 suspeitos de assaltos no novo cangaço" revela a existência de "aproximadamente 38,6 mil resultados (0,47 segundos)" [6].

Já a manifestação do esportista Maurício Souza em rede social, com crítica à foto em que o Superman estava beijando outro homem, colocada no Google com a frase "comentário homofóbico de Maurício Souza em rede social repercute" teve "aproximadamente 31.000 resultados (0,50 segundos)" [7]. Além disso, gerou o desligamento do jogador de voleibol do seu clube, críticas, protestos e adesão de milhares de pessoas à sua conta no Instagram.

Comparados os dois fatos, fácil é ver que, proporcionalmente aos resultados, a crítica teve reação muito maior ao afirmado pelo esportista do que as 26 mortes. Possivelmente porque a sociedade está cansada do alto grau de impunidade, milhões de pessoas já foram vítimas de crimes e vê a fraqueza do Estado aumentar.

Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a Comissão de Direitos Humanos pediu uma apuração dos fatos e a presidente da casa informou que oficiaria à polícia e ao Ministério Público, ou seja, uma decisão protocolar. O procurador-geral da Justiça, Jarbas Soares Junior, com a experiência de décadas na carreira, em entrevista a uma rádio local, adotou posição firme ao afirmar que "Minas não será o estado do crime" [8].

Para Robson Souza, o sucedido "está sendo apresentado como um confronto de duas partes, mas, em um confronto entre partes altamente armadas, espera-se no mínimo algum tipo de vitimização de ambos os lados", afirmou ele. "Nesse caso, somente o lado dos infratores teve baixas e baixas fatais, e do outro lado [da polícia] não houve nenhuma baixa" [9].

Muito embora seja precipitado analisar o mérito da questão, pois depende de colheita de provas, inclusive pericial, o fato é que a opção fica entre: a) a polícia deve esperar ser atacada para reagir; b) a polícia deve atacar se constatada a gravidade da situação e a iminência de um ataque.

Com todo o respeito que merece o professor doutor Robson Sávio Reis Souza, não é razoável esperar que sobrevenham mortes de policiais para daí admitir-se a reação policial e depois contabilizar as perdas dos dois lados e, só então, concluir se houve ou não excesso na legítima defesa.

Não se pode exigir que a polícia aguardasse disparos de dezenas de pessoas que portavam verdadeiro arsenal, que incluíam "coletes a prova de balas, explosivos, fuzis e metralhadoras ponto 50", além de veículos roubados e pregos preparados para furar os pneus de viaturas policiais, conhecidos por "miguelitos" [10].

Em conclusão, não se pode reagir a uma ação de dezenas de pessoas, portadoras de todos os recursos do armamento moderno e orientadas, certamente, por profissionais do crime altamente capacitados, com os métodos clássicos e as conclusões doutrinárias de penalistas com os olhos postos nos anos dourados.


[1] Diário de Notícias. Presidente do México admite que deu ordem para libertar filho de El Chapo. Disponível em https://www.dn.pt/mundo/presidente-do-mexico-admite-que-deu-ordem-para-libertar-filho-de-el-chapo-12332921.html. Acesso em 4 nov. 2021.

[4] Costa, Carlos André Viana da. Novo Cangaço no Pará: a regionalização dos assaltos e seus fatores de incidência. Disponível em https://www.ppgsp.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses_e_dissertacoes/dissertacoes/2014/201405%20-%20COSTA.pdf. Acesso em 4 nov. 2021.

[9] O Tempo, reportagem citada (item VIII).

Autores

  • é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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