Opinião

O direito à saúde e a audácia médica no enfrentamento à Covid-19

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3 de novembro de 2021, 14h05

Inicialmente, merece ser destacado o conceito da palavra audácia, qual seja: "Tendência que leva alguém a fazer algo difícil ou extraordinário, sem se preocupar com os seus perigos; ousadia" [1]. Logo em seguida, devemos também destacar que a nossa Constituição Federal consagra em seu artigo 196 que a saúde é direito de todos. Vejamos: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" [2].

Nesse contexto, tendo como diapasão que a saúde é direito fundamental, de caráter universal e de extrema relevância para todos os cidadãos e dever do Estado, nos deparamos com o seguinte questionamento: os médicos tiveram (têm) o direito à saúde resguardado quando do enfrentamento da pandemia da Covid-19?

Infelizmente, ainda seguimos enfrentando esse vírus tão letal, que devastou o mundo. No entanto, a classe médica foi o soldado combatente, aquele que esteve até o último momento lutando com todas as armas para exterminar o inimigo, e que ainda continua em campo de batalha, unindo forças, superando os obstáculos e curando feridas.

A pandemia deixou milhares de pessoas sem seus entes queridos, trouxe medo, incertezas, solidão e ansiedade. Porém, os médicos não tiveram outra alternativa a não ser estar de peito aberto na guerra. Sabemos que, até o momento em que este texto foi escrito, foram contabilizadas 603.855 mortes [3] em decorrência do contágio da Covid-19 em todo o Brasil e que, por causa da campanha de vacinação, a quantidade de mortes diárias caiu; no entanto, ainda estamos vivendo uma pandemia e as mortes continuam acontecendo.

Como já dito, a categoria médica vem enfrentando o vírus dia após dia, o que a torna um alvo frágil, tendo em vista que está mais exposta do que qualquer outra profissão. Em razão disso, existe a triste marca de 891 médicos em todo o país que foram vítimas fatais do vírus, conforme levantamento do Conselho Federal de Medicina [4]. No Distrito Federal, foram perdidas 12 vidas; já o estado do Rio de Janeiro foi o que mais teve médicos mortos em decorrência da Covid-19: 107 profissionais deixaram o leito da família, dos amigos e dos colegas de profissão.

Desse modo, com base nos dados apresentados, e conforme a realidade vivenciada por todos nós, percebe-se que a pandemia apenas deixou mais em voga um grande problema, que é a falta de estrutura médico-hospitalar  e, com o seu surgimento, a realidade se transformou em caos. Foi o que aconteceu em Manaus, onde pacientes morreram por falta de oxigênio.

Portanto, a ineficiência do gestor público fez com que durante o pico de contágio e hospitalização não houvesse equipamentos de proteção individual suficientes  e inúmeros foram os relatos de médicos descrevendo que faltavam máscaras, capotes, óculos-protetores, luvas, toucas e material de higiene.

Assim, o conselho fiscalizador da profissão (CFM), por já ter conhecimento e consciência de que a falta de insumos resulta em atendimentos não adequados para os pacientes e na falta de condições de trabalho para os médicos, e visando sempre à melhoria da prestação do serviço de saúde, realizou um levantamento [5] em 2020 em que fiscalizou 1.235 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Centros de Assistência Psicossocial (Caps) por meio dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs).

Nesse levantamento constataram-se inúmeras inconsistências, como na infraestrutura física, como a falta de itens básicos de higiene, o que faz concluir que esse é um assunto antigo que permanece atingindo diretamente o cidadão, que precisa de atendimento adequado, e o médico, que precisa de condições de trabalho dignas.

Logo, com as informações acostadas, já é possível responder ao questionamento inicial. Mais uma vez, pergunta-se: os médicos tiveram (têm) o direito à saúde resguardado quando do enfrentamento da Covid-19? Responde-se: Não. Muitos médicos não tiveram resguardado o direito à sua própria saúde durante o tempo que estiveram na linha de frente no combate ao vírus da Covid-19, pois exerciam a profissão da maneira como era possível naquele momento, colocando a própria vida em risco para salvar outras milhares de vidas. Enfrentaram inúmeras dificuldades  inclusive, a falta de itens básicos para a proteção da própria saúde  além do medo de serem contaminados e da incerteza da evolução da doença.

E é por isso que devemos destacar a bravura com que os profissionais da classe médica lutaram e continuam lutando para enfrentar o vírus que devastou o mundo, sempre atuando com garra, determinação e solidariedade, e não se deixando apequenar ou acovardar. São os verdadeiros heróis do povo brasileiro. Por trás das máscaras, existem seres humanos que têm a certeza de que fizeram e continuam fazendo o possível para combater esse inimigo mortal, o vírus da Covid-19.  Aos médicos, o nosso agradecimento.

 


[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Artigo196: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

[5] Jornal Medicina, Conselho Federal de Medicina. Pág. 5. ANO XXXVI • Nº 317 • JULHO/2021.

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