Opinião

Tema 1.075 do STJ: o "cobertor curto" e a progressão funcional de servidores

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24 de março de 2021, 6h04

Muitas pessoas ingressam no serviço público com a expectativa de uma vida profissional estável e de eventual progressão na carreira escolhida. E nem poderia ser diferente, já que a progressão funcional sempre vem assegurada por meio de lei que disciplina o cargo.

Recentemente, no entanto, foi levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o Recurso Especial nº 1.878.849/TO, caso de um servidor público que, embora munido de decisão administrativa do órgão superior que aprovou seu pedido de progressão funcional (vertical e horizontal), teve a implementação da decisão rejeitada pela Secretaria de Administração estadual. A justificativa do Estado para o não cumprimento da decisão do órgão superior foi a falta de previsão orçamentária na Lei Orçamentária Anual (LOA) do Estado.

O caso, embora possa parecer simples à primeira vista, pode ser encarado sob diferentes óticas. E foi justamente por isso que o STJ decidiu afetar o recurso especial como representativo de controvérsia e julgá-lo pelo rito dos recursos repetitivos — além desse, mais dois recursos que tratam da mesma questão foram afetados [1]. Trata-se do Tema 1.075 do STJ, recentemente concluso para decisão do desembargador federal convocado Manoel Erhardt, do TRF-5.

A controvérsia demanda análise sob diversos prismas. Se, por um lado, a Administração não pode atender despesas de evolução salarial sem previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na LOA [2]; por outro, ao não ver implementada a progressão funcional, o servidor que cumpriu os requisitos para tanto é compelido a assistir à violação de seu direito subjetivo — líquido e certo — à progressão.

O caso levado a julgamento traz à tona, sobretudo, o tema da intervenção judicial no orçamento público: poderia o Judiciário, com o fito de proteger direito assegurado pela Constituição Federal, intervir na discricionariedade orçamentária da Administração? De outra banda, poderia a Administração escusar-se de efetivar direitos assegurados aos servidores sob o pretexto de limitação orçamentária? Com efeito, não há resposta "certa" e definitiva para a questão. Parece-nos simples afirmar que o Judiciário poderia intervir para evitar despesas com refeições caríssimas para os servidores do Legislativo e assegurar o direito à saúde de pacientes à espera de leitos; no entanto, o caso posto para julgamento no Tema 1.075 é mais um dos hard cases que desafiam a proposta de soluções pelos ministros.

Enquanto assegurado aos servidores o direito à progressão funcional, com aumento salarial e, eventualmente, alteração de classe, parece-nos ser um dever da Administração efetivar essa progressão. No recurso afetado para julgamento, o órgão superior da categoria decidiu pela procedência do pedido de progressão do servidor. Tem-se, então, um ato simples do órgão superior da categoria, que não depende de homologação ou da manifestação de vontade de outro órgão. Isto é: o ato produziria seus efeitos imediatamente, sem necessidade de sanção ou chancela por parte da Secretaria de Administração.

Como bem destacado pela Procuradoria-Geral de Justiça atuante no tribunal de origem da controvérsia [3], sendo válido o ato que concedeu a progressão funcional do servidor, esse goza de todos os atributos do ato administrativo: presunção de legalidade, imperatividade e autoexecutoriedade. O ato de progressão funcional, portanto, não seria condicionado a circunstâncias externas e deveria ser implementado imediatamente pelo Estado.

Nesse sentido, inclusive, em 2020, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6426, que questionava a constitucionalidade de lei do Estado do Espírito Santo que condicionou a progressão de servidores públicos ao crescimento da receita corrente líquida estadual. A ação, todavia, não teve seguimento em razão do descumprimento de requisitos formais para a propositura da ADI.

Fato é que a progressão funcional é instrumento de incentivo ao melhor desempenho das funções pelos servidores, tendo em vista que exige do servidor determinado comportamento — e aí cada órgão dispõe de seus próprios critérios — para que se alcance um novo nível na carreira e, assim, se obtenha maiores vencimentos. Dessa forma, condicionar a progressão funcional a circunstâncias alheias à performance dos servidores poderá, por via transversa, transformar seu direito subjetivo em ato discricionário da Administração; e, ainda, viabilizará a violação a princípios caros à Administração Pública, sobretudo à impessoalidade e à moralidade.

Dito isso, espera-se que, neste caso, o STJ adote posicionamento favorável aos servidores, preservando a segurança jurídica e o direito adquirido ao longo da vida funcional. Se, contudo, ocorrer de o STJ decidir em sentido diverso, acatando a tese de legalidade de não concessão do ato de progressão funcional sob o fundamento de limitação orçamentária, parece pertinente a modulação dos efeitos da decisão, na forma do artigo 927, § 3º, do CPC. Com isso, poderá assegurar o direito à progressão funcional dos servidores que já o tenham adquirido, sob pena de frustração da legítima expectativa dos administrados.

Mais uma vez, o cobertor curto do Estado desafia uma solução mágica pelo Tribunal da Cidadania.

 


[1] São eles: REsp 1.878.854/TO e REsp 1.879.282/TO.

[2] Sob pena, inclusive, de responsabilização civil e penal do gestor público.

[3] REsp nº 1.878.849/TO, e-STJ fl. 140.

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