Opinião

A discussão sobre o juízo competente para julgar demandas envolvendo o Pasep

Autores

  • Renata Lyra Alves Xavier

    é mestranda em Direito Regulação e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (UnB) especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera e analista judiciária no Superior Tribunal de Justiça.

  • Jadson Alexandre de Almeida Xavier

    é pós-graduado em Gestão de Negócios pelo IBMEC formado em economia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) perito econômico-financeiro e assistente técnico desde 2005.

21 de março de 2021, 17h16

O Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) foi instituído pela Lei Complementar nº 8/1970, com intuito de distribuir ao servidor público participação na receita dos órgãos da Administração, que seria um benefício para esse servidor usufruir quando viesse a se aposentar. A arrecadação feita era distribuída a um fundo, o Fundo PIS/Pasep, e sua gestão ficava a cargo de um conselho diretor, vinculado à Secretaria do Tesouro Nacional dentro do Ministério da Fazenda [1].

O Pasep era destinado a todos os servidores públicos federais que entraram na esfera pública até 1988. Isso porque, a partir da Constituição Federal de 1988, a receita que era atribuída ao fundo recebeu outra destinação e as contas individuais dos servidores não receberam mais nenhum aporte financeiro.

Contudo, a lei respeitou os saldos existentes vinculados individualmente a cada servidor e permitiu que ele pudesse sacar tal benefício nos prazos determinados.

Atualmente, o conselho diretor do Fundo Pasep é o órgão responsável pelas determinações sobre os cálculos de atualização monetária e de juros das contas existentes no fundo. Sendo que cabe ao Banco do Brasil a gestão e execução das determinações feitas pelo conselho. Os índices considerados para a atualização desses valores, contudo, sequer conseguem pagar a inflação ocorrida no período, ou seja, o dinheiro está, na verdade, sendo perdido.

A par da motivação existente para que o fundo determine que essa atualização e correção monetária não ocorra a contento, o que se viu foi a judicialização dessa problemática [2].

No entanto, a discussão trouxe um debate preliminar: o foro competente para julgar as demandas envolvendo a atualização de valores depositados em conta vinculada do servidor no Pasep.

Isso porque, a linha de atribuição de cada ente envolvido é muito tênue, a princípio.

O Banco do Brasil, como dito, é o gestor responsável pela execução das determinações feitas pelo Conselho Diretor do Fundo Pasep. Nesse sentido, compete a ele guardar as contas e manter os saldos, conforme determinado nas diretivas governamentais, dadas pelo supramencionado conselho.

Assim, as ações que envolvem responsabilidade decorrente da má gestão do dinheiro pelo banco, de saques indevidos ou de não aplicação dos índices de juros e de correção monetária na conta do Pasep tem como figura jurídica no polo passivo o Banco do Brasil.

Nesses tipos de ações, não se vislumbra, portanto, a necessidade de atuação da União no polo passivo da demanda, eis que se cuida de processo que envolve atos de gestão praticados pelo próprio banco, sem qualquer ingerência ou aval do conselho. Portanto, na presente hipótese, está-se diante de competência da Justiça comum estadual.

Nesse sentido, desde 2004, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que, em se tratando de atualização monetária, a demanda deve ser imposta ao Banco do Brasil, entidade escolhida para cumprir com as determinações do Fundo PIS/Pasep, recebendo inclusive remuneração federal para tanto [3].

De outro turno, a união deve figurar no polo passivo da demanda nas disputas que envolvem a recomposição do saldo existente na conta vinculada ao Pasep, ou seja, a utilização de índices equivocados para a atualização do valor depositado. Por índices equivocados, se quer significar aqueles escolhidos pelo conselho diretor para remunerar a conta, mas que, em verdade, não repõem sequer a inflação do período, quiçá a atualização monetária e os juros. Ou seja, quando se busca recompor o valor a título de Pasep, a demanda judicial vai envolver a discussão dos índices determinados sob a responsabilidade do conselho gestor do fundo, e, por isso, a ação deve ter a União no polo passivo, vez que tal órgão se encontra na estrutura do Ministério da Economia.

Nesses casos, de maneira lógica, a presença da União faz com que a competência seja da Justiça federal.   

No entanto, é fácil perceber que existe uma estreita fronteira entre os pedidos jurídicos que envolvem a atualização monetária do Pasep. Eles se entrelaçam, de maneira que as ações intentadas a fim de buscar a adequada correção de valores do Pasep são, por vezes, ajuizadas pelo servidor público em face do Banco do Brasil, entidade bancária responsável pelo gerenciamento dos valores inseridos na conta, bem como, a União, em razão de ser a decisão do conselho diretor do fundo que determina a recomposição do valor existente no fundo individual do servidor.

Em resumo: a discussão sobre o juízo competente envolve diretamente a delimitação da atribuição de cada participante desse cenário. Os índices equivocados de responsabilidade do conselho diretor do fundo dizem respeito aos que são aplicados, mas que não implicam em rendimento algum para a conta do servidor, ou ainda, rendimento muito baixo, menor do que a inflação. São aqueles inócuos para a recomposição do valor depositado. Além do mais, as ações que discutem a má gestão da conta vinculada pelo banco, da qual decorrem saques indevidos ou não aplicação de juros e correção monetária, não envolvem responsabilidade do conselho, mas apenas do banco, gestor da conta individual de cada servidor e, por isso, cabe apenas ao Banco do Brasil responsabilidade pela falha em responder pelo saldo que deveria existir.

Dessa maneira, a correta delimitação jurídica do pedido na ação envolvendo discussão sobre saldo de conta do Pasep dentro do que se compreende no encargo de cada ente é essencial para o bom percurso do processo judicial.  

A título ilustrativo, o didático e recente voto do ministro Francisco Falcão [4] deu provimento ao recurso especial do servidor para determinar a legitimidade passiva do Banco do Brasil, por entender que a ação proposta, a despeito do pedido de atualização do valor existente na sua conta do Pasep, não envolvia discussão sobre a metodologia de cálculo determinada pelo conselho diretor do Fundo PIS/Pasep, mas supostos desfalques havidos durante a guarda desses valores pelo banco.

O interessante nesse caso é que apenas em sede de recurso especial o particular conseguiu êxito em demonstrar que sua demanda não envolvia atualização monetária em si, de atribuição do conselho, mas, sim, a atualização devida por ocorrência de desfalques durante o período de depósito do dinheiro na instituição bancária.

Esse caso evidencia a possibilidade de haver confusão entre as atribuições definidas, bem como a necessidade de delimitação correta do objeto da ação intentada, para fins de que sequer haja discussão sobre a competência correta no caso em demanda.

 


[2] Em uma rápida busca pela jurisprudência do STJ é possível calcular aproximadamente 1200 decisões sobre a correção do valor do PASEP. Busca realizada em 09/03/2021, com os termos: “PASEP” e “correção”, no site do Superior Tribunal de Justiça.

[3]  CC 43.891/RS, Rel. originário Min. JOSÉ DELGADO, Rel. para acórdão Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2004.

[4] (AgInt no REsp 1863683/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 12/02/2021).

Autores

  • é mestranda em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera e analista judiciária no Superior Tribunal de Justiça.

  • é pós-graduado em Gestão de Negócios pelo IBMEC, formado em economia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), perito econômico-financeiro e assistente técnico desde 2005.

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