Opinião

A relação entre a exploração sexual e o Direito do Trabalho

Autor

12 de março de 2021, 7h11

Questões controvertidas sobre existência ou não de vínculo de emprego, como na hipótese de trabalho desenvolvido por intermédio de plataformas digitais, têm sido centrais nos fóruns de discussão sobre Direito do Trabalho. Não é por menos, afinal as plataformas digitais estão revolucionando a prestação de serviços de transportes e entregas em todo o mundo, e vêm trazendo não apenas um impacto econômico global, mas sobretudo um impacto social também global. Entretanto, existe uma questão de igual relevância para a sociedade que também é afeita ao Direito do Trabalho e que nem sempre é lembrada nos fóruns de debates próprios ao mundo do trabalho: a exploração sexual humana. Segundo a OIT, o tráfico humano movimenta cerca de US$150 bilhões por ano e 72% das vítimas são mulheres e meninas oriundas de países e regiões pouco desenvolvidas e que em sua maioria são destinadas à prostituição ou outras formas de exploração sexual.

Discutir a exploração sexual ainda é tabu no Brasil, muito embora se tenha dados públicos de que o país é rota de origem e destino de tráfico de pessoas para fins desse tipo de exploração. Também é notório que a prostituição em terras tupiniquins é em grande parte exercida através de intermediadores que se valem de fraude ou violência física ou moral.

Na maioria das vezes, os traficantes de pessoas se aproveitam da vulnerabilidade econômica e social das vítimas para colocá-las em uma situação de exploração. Por meio de promessas de trabalho enganosas, são levadas para outros Estados ou países e acabam sendo coagidas moralmente a exercer prostituição em condições absolutamente degradantes, sem qualquer proteção social, com privação da liberdade, retenção de documentos e sonegação de direitos trabalhistas básicos.

Sabe-se que no Brasil o sexo mediante paga por si só não é crime, entretanto, o rufianismo, sobretudo aquele que coloca a vítima da exploração sexual em condição degradante, deve ser combatido pelo poder público e por toda sociedade.

Uma forma comum que se tem na prática desse crime são as falsas promessas de emprego. O "empregador", que pode ser o agenciador, o cafetão ou o próprio proprietário do estabelecimento onde se oferta a prostituição, custeia o transporte e o alojamento da vítima, esta que passa a ser-lhe devedora. Devido às condições lhe impostas, a vítima contrai uma dívida que nunca termina e, assim, é mantida coagida a desenvolver trabalho de cunho sexual em condição análoga à escravidão, que muitas vezes se dá em clubes e boates de luxo em grandes centros urbanos.

Não obstante na maioria dos casos a vulnerabilidade das vítimas seja em decorrência de questões econômicas e sociais, há outras situações que a acentuam, como por exemplo o fato de a vítima ser criança ou adolescente, imigrante irregular, dependente química ou mesmo transexual.

A ONU, no Protocolo de Palermo (2003), define o crime de tráfico de pessoas como o "recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração". O Código Penal, em seu artigo 149-A, inciso V, também define como crime as condutas de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de exploração sexual.

Muito embora a Justiça comum detenha a competência para processar e julgar os crimes de tráfico nacional ou internacional de pessoas para fins de exploração sexual, a Justiça do Trabalho é competente para julgar questões cíveis que envolvam medidas de prevenção desse delito, como interdição de estabelecimentos e alojamentos ou outras medidas cautelares, bem como garantir proteção adequada e reparação das vítimas, posto que se trata de questão afeita à relação de trabalho, hipótese que se amolda ao inciso I do artigo 114 da Constituição.

Ademais, a finalidade econômica não esgota a competência da Justiça do Trabalho no que se refere às ações de natureza cível no interesse da vítima de exploração sexual, posto que a utilização abusiva e reiterada de outrem para satisfação de desejos sexuais pode ser considerado trabalho em sentido lato, a depender do caso, em benefício da vítima, a atrair a proteção célere e adequada de uma justiça laboral especializada.

Por nem sempre ser óbvia a constatação de efetiva exploração sexual, há uma necessidade de se ter uma apuração especializada e cuidadosa do caso concreto, com análise detalhada de normas nacionais e internacionais de cunho trabalhista, demandando, assim, a atuação de um órgão judiciário especializado em matéria trabalhista, com know how em conferir proteção célere e efetiva à pessoa hipossuficiente. Afinal, não obstante a exploração sexual seja um crime perverso, há uma questão social envolvida em que a solução do caso concreto pode demandar uma equalização entre celeridade, efetividade, proteção integral e razoabilidade, posto que na maioria das vezes a vítima encontra-se em altíssimo grau de vulnerabilidade, haja vista que nem sempre tem outra forma de sustento próprio e de seus dependentes, nem tampouco possui qualquer amparo material de amigos ou familiares.

Ressalte-se que a exploração sexual quase sempre deixa marcas indeléveis nas vítimas, em razão do estigma social e preconceito, além de que na maioria das vezes vem acompanhada de dependência química, impondo, assim, um desafio às autoridades na construção de meios efetivos e adequados para reparação, resgate e cuidado das vítimas.

Assim, diante da relevância do combate e da prevenção da exploração sexual e reparação das vítimas, o objetivo deste texto é instigar e convidar os juristas e profissionais do direito que se dedicam à seara trabalhista, sejam eles juízes, advogados, membros do Ministério Público, acadêmicos e professores, a debruçar sobre o tema, para que figure como uma questão central nos debates afetos ao Direito do Trabalho. Não obstante seja um problema social atual, a literatura jurídica trabalhista pouco tem se ocupado com as formas de atuação dos órgãos de fiscalização do trabalho, do Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, na prevenção, cuidado e reparação das vítimas do crime de exploração sexual, posto que as discussões jurídicas sobre o tema ainda são tímidas e têm se resumido a questões dogmáticas que envolvem a delimitação formal do tipo penal descrito no artigo 149-A, V, do Código Penal.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!