O motorista empregado da Uber e a manipulação da jurisprudência
15 de maio de 2021, 17h20
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), que abrange cidades do interior do Estado de São Paulo, reconheceu o vínculo de emprego de um motorista de aplicativo Uber com a empresa, invalidando um acordo celebrado no processo entre a empresa e o motorista, protocolado 24 horas antes do julgamento do recurso do motorista.
Essa estratégia, assim, impediria "o fluxo natural da jurisprudência e a configuração da pluralidade de entendimentos para que, enfim, as instâncias competentes possam consumar o posicionamento definitivo sobre a matéria".
Por isso, a turma do TRT-15 considerou que a postura da Uber se configura como abuso de direito e viola o princípio da paridade de armas — já que, no exercício do contraditório o julgador pode entender que a jurisprudência seria uníssona.
Com relação ao mérito da ação trabalhista e propriamente o vínculo de emprego, os juízes também afirmaram que "a CLT equipara os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados àquela empreendida por meios pessoais e diretos". Observaram, ainda, que "a liberdade quanto ao cumprimento da jornada de trabalho não é óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego".
Certo é que há outros esparsos casos julgados desfavoravelmente à Uber no tocante ao vínculo de emprego, bem como idêntica postura no tocante à celebração de acordo prévio ao julgamento de recurso junto ao Tribunal Regional do Trabalho, como ocorrido na 11ª turma do TRT-MG.
Pois bem, um ponto importante que deve ser observado é que, diferentemente do declarado pelo TRT-15 e pelo TRT-MG, a natureza conciliatória é o princípio mais elementar da Justiça do Trabalho, insculpido no artigo 764, da CLT — "Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação".
No processo trabalhista, a conciliação ganha eficácia e produz efeitos jurídicos após a necessária homologação pelo juiz do Trabalho, contudo, logicamente que sendo o acordo entre as partes ausente de indícios de fraude ou manifestamente lesivo, não possuem os juízes do Trabalho competência funcional para não homologarem acordo realizado no processo, sob o pretexto da criação de jurisprudência, nesse caso em contexto, desfavorável à empresa Uber.
E é esse ponto que se faz necessário debruçar esforços intelectuais!
Ora, pela simples leitura do acórdão, verifica-se que, a parte reclamante se tornou um "mal necessário" para permitir a criação de jurisprudência desfavorável a Uber, com clara parcialidade no julgamento do caso.
Não cabe ao magistrado suprir ou alterar a vontade das partes acordantes, devendo analisar apenas o preenchimento dos requisitos legais para a validade do negócio jurídico firmado entre as partes.
Não há qualquer ilicitude jurídica na celebração de acordo, a fim de evitar o julgamento do recurso das partes.
O que se discute, portanto, é a parcialidade no julgamento que, por óbvio, não permitiu a homologação do acordo sob o pretexto de formar jurisprudência positiva, no tocante ao vínculo de emprego do motorista com o aplicativo Uber, se assim não fosse, por qual motivo não haveria a homologação do acordo apresentado pelas partes e o julgamento do recurso.
Teria o magistrado o livre arbítrio funcional para não homologar um acordo lícito celebrado pelas partes, para tutelar a criação de jurisprudência desfavorável, no tocante ao reconhecimento do vínculo de emprego entre motorista e o aplicativo Uber?
A questão ainda é muito mais ampla, principalmente na atual fase pandêmica que vivemos, já que referida conduta em sacrificar a parte reclamante em prol da possibilidade de criação de jurisprudência permitirá a distribuição de inúmeros e incansáveis processos judiciais, abarrotando ainda mais a já abarrotada Justiça do Trabalho, inclusive, com a possibilidade de descontinuação das atividades do aplicativo Uber no país e a perda de milhares de postos de trabalho!
Particularmente, data vênia, discordo dos argumentos e fundamentações trazidas em referido julgado, e entendo que não é dessa forma que se fará justiça social, tampouco, supostamente deixará de existir uma alegada precarização do trabalho.
Há, por óbvio, a extrema necessidade de mudança, adequação legal e discussão técnica a respeito das novas modalidades de trabalho surgidas com a inovação tecnológica, mas, com absoluta certeza, não pode existir um "mal necessário" para que essa mudança venha a ocorrer; nos espelhemos naquela velha frase: "Mudar não é um mal necessário, mudar é uma atitude inteligente para a própria evolução".
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!