Opinião

A sociedade brasileira precisa se unir no combate à fome

Autores

  • Felipe Santa Cruz

    é advogado sócio do escritório Felipe Santa Cruz Advogados foi presidente da OAB-RJ (2013-2018) presidente nacional da OAB (2019-2021) e professor de Direito do Trabalho.

  • Renata Gil

    é juíza criminal e primeira mulher eleita presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

14 de maio de 2021, 13h36

O Brasil vivenciou nos últimos anos intensas conturbações político-institucionais que geraram desarranjos sociais diversos, além de trágicos desfechos. A pandemia, que já levou a vida de mais de 400 mil brasileiros, provoca efeitos colaterais gravíssimos, sociais e econômicos, para a nossa sociedade.

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E a consequência mais sofrida da crise é a fome, o agravamento da insegurança alimentar, que já atingia 59% dos domicílios em 2020, segundo os resultados da pesquisa "Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil", coordenada pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, com sede na Universidade Livre de Berlim.

O Brasil havia deixado o Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014, superando um atraso estrutural secular, às custas de esforços duramente empreendidos por governantes e por representantes da sociedade civil. O regresso a esse vergonhoso quadro nos coloca como desafio central, como sociedade, vencer as duas pandemias  a da Covid-19 e a que deixa milhões de brasileiros sem ter o que comer.

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Renata Gil, presidente da AMB
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Imersos em disputas dispersoras de atenção e energia, deixamos de garantir os mais basilares direitos do cidadão. Ou é possível prover a "dignidade da pessoa humana"  fundamento cravado já no artigo 1º, inciso 3º, da Constituição Federal  e, ao mesmo tempo, deixá-la com fome?

A alimentação é um direito social inscrito no artigo 6º da Lei Maior, ao lado da educação, da saúde, do trabalho, da moradia, do transporte, do lazer e da segurança. Ela também figura no inciso 4º do artigo 7º, em meio aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e no inciso 7º do artigo 208, que trata do dever do Estado com a educação. Tais dispositivos bastam para evidenciar a inconstitucionalidade da fome.

Todavia, a Carta Magna não para por aí. A organização do "abastecimento alimentar" consta do inciso 8º do artigo 23 como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. No artigo 227, o direito à alimentação desponta como obrigação da família, da sociedade e do Estado para com crianças, adolescentes e jovens, "com absoluta prioridade". Posto isso, sobrevém, então, a pergunta: por que temos aceitado  calados, inertes e passivos  o reflorescimento da fome?

Por acaso, estamos sofrendo de um transtorno coletivo que nos impede de enxergar a realidade? Para não atribuir tamanho desrespeito à Constituição e à vida a uma deliberação torpe, vamos creditá-lo à crise político-institucional ora vigente  e à inação irrestrita dela derivado. Descruzemos os braços, pois. Precisamos dar de comer a quem tem fome.

Não é por outra razão que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) unem-se em apoio à campanha Brasil sem Fome, da Ação da Cidadania, que desde 1993 já entregou o equivalente a 225 milhões de pratos de comida para famílias vitimadas pela fome.

Enquanto não retornam as políticas públicas eficazes contra a extrema pobreza e de garantia da segurança alimentar dos brasileiros, é urgente que a sociedade civil amplie a solidariedade para assegurar condições de sobrevivência mínimas às camadas vulneráveis da população.

Participe, doe já, não podemos esperar. A urgência e a pressa  já dizia Betinho  caminham de mãos dadas com a fome.

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