No espírito do CDC

Não associado a entidade que propôs ação pode executar sentença coletiva, diz STJ

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14 de maio de 2021, 10h43

Se uma ação civil pública foi proposta por associação que atua como substituta processual de consumidores, todos os beneficiados pela sentença têm legitimidade para sua liquidação e execução, mesmo os que não são filiados à entidade que entrou com a ação.

Lucas Pricken
Lucas PrickenPara Raul Araújo, não permitir execução da sentença por não-associados afrontaria o propósito do CDC

O entendimento foi fixado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 948). Com a tese, poderão ter seguimento os recursos especiais e agravos em recurso especial cuja tramitação estava suspensa pelo colegiado.

Com a decisão, os casos concretos dos dois processos julgados em conjunto admitem que qualquer pessoa que tenha sofrido prejuízos por conta dos chamados expurgos inflacionários do Plano Verão, em janeiro de 1989, execute sentença em ação coletiva movida por uma entidade de defesa de consumidores, independentemente de ser associado a ela.

"Não há como exigir dos consumidores a prévia associação como requisito para o reconhecimento da legitimidade para executar a sentença coletiva. Se o título já foi formado, com resultado útil, cabe ao consumidor dele se apropriar, exigindo seu cumprimento; é o tão aclamado transporte in utilibus da coisa julgada coletiva", afirmou o relator dos recursos repetitivos, ministro Raul Araújo.

Representação e substituição
O ministro explicou que a ação coletiva originária apenas inicia a formação da relação jurídica obrigacional, fixando a certeza do dever de prestação e a figura do devedor. Assim, afirmou, somente com a posterior liquidação individual da sentença coletiva genérica é que se poderá estabelecer a relação jurídica em sua totalidade, identificando-se os credores e fixando-se os valores devidos.

Ele também destacou que a atuação das associações em processos coletivos pode ocorrer de duas maneiras: por representação processual (legitimação ordinária), nos termos do artigo 5º da Constituição; e por meio de ação coletiva substitutiva, quando a associação age por legitimação legal extraordinária, nos termos da Lei 7.347/1985 e, em especial, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No caso das ações coletivas por representação processual, o relator lembrou que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a filiação é necessária para a legitimação posterior na execução de sentença — tese que, entretanto, não alcança a hipótese de substituição processual.

Autorização dispensada
Além disso, Raul Araújo ressaltou que o CDC legitimou, para atuar judicialmente na defesa dos direitos dos consumidores, as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que tenham essa missão entre as suas finalidades institucionais. Nesses casos, é dispensada a autorização de assembleia e a relação dos associados.

Essa ação, afirmou o ministro, é proposta pela associação em nome próprio para a defesa dos interesses dos prejudicados ou de seus sucessores, o que caracteriza a substituição processual.

Segundo o magistrado, haveria pouca utilidade se a sentença coletiva proferida em ação civil pública manejada por associação que contasse com pequeno número de filiados tivesse efeito apenas para estes — situação que frustraria o espírito do CDC, que é facilitar a defesa judicial do consumidor e desafogar o Judiciário.

"Exigir na execução que o consumidor tenha prévia filiação, quiçá desde o protocolo da inicial, equivale a prescrever requisito não previsto em lei para o próprio manejo da ação civil pública", concluiu o ministro ao fixar a tese repetitiva.

STJ
Tramitação do caso julgado em repetitivos é antiga no Superior Tribunal de Justiça
STJ

Caso antigo
Um dos casos já chegou a ser afetado em 2016. Porém, no ano seguinte a 2ª Seção decidiu não julgar a questão como repetitiva por entender que a ela já havia sido resolvida pelo STJ ao julgar o Recurso Especial 1.391.198, em 2014, também sob o rito dos repetitivos.

A afetação foi novamente feita após o ministro Raul Araújo convencer os colegas de que os processos julgados pelo STJ, mesmo sob o rito dos recursos repetitivos, tratam especificamente dos casos analisados, não podendo servir para os demais.

O objetivo seria definir se a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 573.232 se aplicam às ações civis públicas. Neste julgamento, o STF definiu que apenas com aval as associações têm legitimidade para representar membros, e que a decisão em ação coletiva vale apenas para associados.

Para o relator, os processos em análise pela 2ª Seção são de "uma singular felicidade" porque a coisa julgada — a sentença em ação civil pública — foi bastante genérica, sem delimitar a quem se aplicaria. "Ela é perfeita para a fixação da tese", ressaltou.

A sentença condena os bancos réus a pagar a cada um dos titulares do direito, na forma como se apurar em liquidação, mas sem especificar quem seriam esses titulares. "Ela não diz quem são. Pode-se entender que seriam os que estivessem associados e incluídos no rol entregue na petição inicial. Ou que são — como estou entendendo aqui — quaisquer consumidores que tinham conta de poupança apta a ser beneficiados pela decisão", explicou. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

REsp 1.438.263
REsp 1.362.022

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