Opinião

ADI 5.529 no STF: a extensão do prazo legal de exclusividade das patentes

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10 de maio de 2021, 16h02

Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529, o Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade do artigo 40, parágrafo único, da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) [1]. O referido dispositivo estipula o prazo mínimo de exclusividade das patentes concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sendo de no mínimo dez anos, a contar da data da concessão para as patentes de invenção e sete anos para os modelos de utilidade, em harmonia com a legislação internacional, conforme bem apontado na exposição dos motivos no momento de promulgação da lei.

Resumidamente, a Procuradoria-Geral da República, que propôs a demanda, pontua que a legislação em vigor autoriza a perpetuidade do direito de exclusividade sobre a tecnologia, tendo em vista que a demora na análise do pedido acaba por estender o período de exclusividade para além do prazo determinado na mesma lei. De acordo com a Procuradoria, o dispositivo fere a Constituição Federal que prevê a concessão temporária de exclusividade sobre inventos, bem como à violação dos postulados da segurança jurídica (artigo 5º, caput, da Constituição da República), da livre concorrência (artigo 170, IV, da CR) e da defesa do consumidor (artigos 5º, XXXII, e 170, V, da CR).

O contexto da demanda merece alguns comentários. O sistema da propriedade industrial tem como objetivo justamente fomentar a livre concorrência, sendo ele um dos pilares que sustentam o desenvolvimento da sociedade no atual sistema econômico, político e social. Isso porque não haveria qualquer razão para as empresas e empreendedores empregarem seus melhores esforços e recursos para o desenvolvimento de novas tecnologias sem a segurança de que obterão o devido retorno. Por isso, há o sistema das patentes. Se determinada tecnologia atende os requisitos da lei, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial concede exclusividade temporária sobre a mesma.

O período de exclusividade é, portanto, o retorno esperado pelos inventores. Caso contrário, qualquer empresa poderia usufruir da tecnologia alheia sem despender os mesmos recursos, aproveitando parasitariamente o trabalho de terceiros. Ao se autorizar tal conduta, estar-se-ia permitindo atos de concorrência desleal, pois aquele que usufrui da tecnologia alheia, poderá ofertar o mesmo produto por um custo final menor, afinal, o mesmo não precisa reaver os recursos investidos para o desenvolvimento do mesmo. Não é sem razão que o período de exclusividade é previsto nas legislações ao redor do mundo e, inclusive, em tratados internacionais.

Infelizmente, o Brasil enfrenta grandes dificuldades para manter o regular andamento do sistema da propriedade industrial, resultando no conhecido backlog de pedidos, o que faz com que um pedido de patente possa demorar alguns anos para ser analisado. Conforme dados estatísticos divulgados pelo INPI em 2019 [2], no balanço da gestão 2015-2018, a autarquia leva em média dez anos para examinar tecnicamente uma patente. Além disso, diante de um backlog de 242.151 em 2015, verificou-se que, em que pese a autarquia tenha tomado 127.607 decisões finais entre o período de 2015 a 2018, foram depositados mais 120.281 pedidos de registro de patente no mesmo período e em 2018 o número de backlog ainda estava em 208.341.

Na prática, inúmeras podem ser as razões para tal demora no exame de patentes. Contudo, uma dessas razões ficou bem clara em levantamento feito no ano de 2017 pela própria Diretoria de Patentes (Dirpa), programas de computador e topografias de circuitos integrados do INPI: necessidade de pessoal na área de patentes [3]. Já em 2017 esse levantamento demonstrou a necessidade de contratação de 607 pesquisadores em PI para terminar com o backlog até 2025, sem considerar a necessidade de reposição por evasão (afastamento ou aposentadoria). Além disso, sugeriu-se a contratação de 80 examinadores a cada período de cinco anos (a partir de 2019). No tocante aos técnicos em PI, o levantamento apontou que para os próximos cinco anos era necessária a contratação imediata de 65 pessoas, levando em conta apenas a reposição por afastamento ou aposentadoria e a substituição de terceirizados. Contudo, os pedidos de contratação feitos em 2018 pelo INPI foram negados pelo Ministério da Economia (Ofício nº 110322/2018-MP, de 14/12/2018). Nesse sentido, foi destacado na própria liminar concedida na ADI 5529 que, atualmente, o órgão trabalha com apenas 52% dos cargos efetivos ocupados, razão pela qual determinou a realização de novo concurso em 2021. Bem como, que o instituto conta atualmente com 312 examinadores e uma média de 459 processos pendentes para cada examinador.

Diante deste cenário, para enfrentar o backlog, o legislador inseriu o parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/96. O andamento do pedido de patente depende, essencialmente, da atuação do INPI, pois cabe à autarquia federal o exame do pedido, incluindo a elaboração do parecer técnico quanto à patenteabilidade do pedido bem como eventuais publicações de exigências a serem atendidas pelo titular do invento.

Na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal foi declarada, por nove votos a dois, a inconstitucionalidade do artigo 40 parágrafo único da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96). Se por um lado a Carta Magna é clara ao dispor acerca da concessão temporária de exclusividade, a mesma igualmente prevê que os administrados fazem jus à razoável duração do processo administrativo e não se pode concordar que mais de dez anos para analisar um pedido de patente é razoável. Assim sendo, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em um primeiro momento amplia o acesso da população a remédios genéricos, normalmente mais baratos, o que permite um maior acesso à saúde e reduz os gastos públicos. Por outro lado, essa decisão é um desincentivo ao desenvolvimento tecnológico principalmente por parte das empresas privadas, que, além de demorarem em média dez anos para terem a garantia de concessão de suas patentes, terão na prática o período de validade destas restringido a período menor do que o estipulado em lei.

Nesse contexto, o problema que ataca o sistema da propriedade industrial subsiste: a morosidade da tramitação dos processos de patente perante o INPI. Não podemos comparar a nossa legislação com a legislação estrangeira, como a todo tempo foi suscitado no Supremo Tribunal Federal, sem a consciência de que o investimento realizado para a manutenção da estrutura de análise de patentes em nosso país sequer se aproxima da estrutura existente nos demais países. E, para fins de desenvolvimento da sociedade, com proteção aos direitos dos inventores e dos cidadãos, é necessário enfrentar imediatamente a estrutura defasada da autarquia.

 


[1] "Artigo 40 – Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 anos para a patente de invenção e a sete anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior".

[2] CGPE/DIREX. INPI: metas e resultados. Balanço da gestão 2015 – 2018. Publicado em 16/01/2019. Disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/backup/arquivos/INPI_metas_e_resultados_balanco_gestao_20152018.pdf.

[3] CIANCIO, Alexandre; D’URSO, Cristina. Levantamento de necessidade de pessoal na DIRPA. INPI – DIRPA. versão 1.2, de 10/5/2017. Disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/assuntos/arquivos-dirpa/relatorio_necessidades_de_pessoal_DIRPA_2017_05_10.pdf.

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