Opinião

Seguros no Brasil: enfim, a fase adulta

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7 de maio de 2021, 10h52

Pouco mais de uma década se passou desde a maior revolução estrutural já observada no mercado securitário brasileiro: a quebra do monopólio do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), ocorrida em 15 de janeiro de 2007.

Desde então, o mercado veio ganhando dinamismo em movimento evolutivo constante. Houve paulatino desenvolvimento de novos produtos e de capacidade de absorção de risco, com evidente — embora tímida  aproximação aos padrões do mercado mundial.

Em 29 de março deste ano, uma nova revolução foi colocada em marcha. Trata-se da recém-publicada Resolução nº 407, do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), orientada pelo fomento à liberdade econômica.

A resolução marca importante passo na desregulamentação da atividade securitária no Brasil, ao permitir a livre formulação do contrato entre as partes nos seguros de danos denominados de grandes riscos. O novo princípio orientativo é a "liberdade negocial ampla", sujeita à "intervenção estatal subsidiária e excepcional" (artigo 4º da resolução).

O status de grandes riscos foi atribuído a alguns contratos específicos, escolhidos segundo dois critérios: complexidade e porte dos tomadores ou da operação.

No critério complexidade, foram definidos como de grandes riscos os de riscos de petróleo, de riscos nomeados e operacionais, o seguro global de bancos, os de riscos aeronáuticos, marítimos e nucleares; e os seguros de crédito interno e/ou à exportação para o segurado pessoa jurídica.

No critério relativo ao porte econômico, foram incluídos os tomadores de seguros que pactuem expressamente a opção pela qualificação de grande risco e apresentem, no exercício anterior ao da contratação, pelo menos: 1) ativo total superior a R$ 27 milhões; ou 2) faturamento bruto anual superior a R$ 57 milhões. Também se tornaram elegíveis as apólices cujo limite máximo de garantia (LMG) seja superior a R$ 15 milhões, independentemente do ramo e do porte do tomador, o que aumenta significativamente o rol de alforriados do dirigismo contratual.

A nova norma dialoga com o postulado constitucional de valorização da livre iniciativa (artigo 170, caput, da CF), a qual foi ratificada (ou relembrada) pela Lei Federal no 13.874, de 20 de setembro de 2019  a Lei da Liberdade Econômica. Na prática securitária, significa o primeiro rompimento com um modelo que predomina no Brasil desde o Estado Novo, restaurado pelo regime militar, de incontornável dirigismo contratual.

Com a mudança, ao menos no ambiente dos grandes riscos, os propalados objetivos de formação de reservas nacionais e, mais recentemente, de proteção genérica do consumidor, tido, por premissa, como hipossuficiente, abrem espaço para um outro: o da adequação do seguro à necessidade do segurado.

A elaboração de contratos específicos para os riscos a serem garantidos em detrimento à adesão a clausulados padronizados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) torna-se, finalmente, uma realidade. A cada fim, sua ferramenta correta. O contratante de uma apólice de riscos de concessão não mais terá que criar uma cláusula particular  ferramenta de ouro nos mares turvos do dirigismo securitário , explicando que o perímetro do risco coberto é a "área de concessão", e não o "estabelecimento do tomador".

A proteção do consumidor hipossuficiente, por outro lado, permanece ilesa. À segmentação fundamental dos contratos de seguros entre seguro de vida e seguro de danos é somada outra dicotomia de absoluta relevância prática: a distinção entre os seguros de grandes riscos e os massificados.

A nova dicotomia valoriza o consumidor hipossuficiente, merecedor da proteção estatal, exatamente por diferenciá-lo dos tomadores de seguros de grandes riscos. Estes passarão, agora com respaldo normativo, a negociar diretamente com as seguradoras, em igualdade de condições, com os ônus e bônus inerentes ao contrato paritário.

O Poder Judiciário passa a ter papel fundamental na construção de interpretações que busquem a efetiva vontade das partes na estipulação de cláusulas e na aplicação dos robustos mecanismos de preservação da vontade contratual do Código Civil. As soluções pré-prontas do Código de Defesa do Consumidor serão colocadas em seu devido lugar no ambiente securitário: o trato das apólices massificadas, contratadas por adesão.

Acaba de ser inaugurado um novo ambiente de negócios, com impulso à criatividade, à formulação de soluções jurídicas estruturadas e à efetiva gestão de riscos de grande porte, sem as amarras do ferramental pré-formatado pelo Estado. Para apertar parafusos, no lugar das facas sem ponta, chaves de fenda. Enfim, a fase adulta!

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