Opinião

Novas relações do trabalho diante dos critérios de ESG

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27 de junho de 2021, 13h12

Embora o Environmental, Social and Corporate Governance (ESG) só tenha se popularizado com a publicação do relatório Who Cares Wins 2004, da Organização das Nações Unidas (ONU), o termo é uma ideia antiga. Ainda na década de 1950, empresas que desrespeitavam valores sociais  como éticos e morais  viam seus investimento reduzirem. Campanhas de desinvestimento direcionavam recursos para aquelas que estavam realmente engajadas e preocupadas com questões sociais e ambientais.

A partir da criação de alguns mecanismos para avaliar as prioridades da empresa em relação a questões ambientais, sociais e de transparência empresarial — como o Índice Dow Jones de Sustentabilidade e os Princípios para o Investimento Responsável , regras atreladas ao ESG para mensurar negócios, investimentos, financiamentos e até mesmo bonificações de altos executivos tornaram-se imperativas no mercado.

Tanto os consumidores como os trabalhadores de organizações de todos os setores observam o comportamento da empresa diante de questões sociais, ambientais e de transparência, o que impacta diretamente a reputação da companhia. Assim, ao mesmo tempo em que as empresas estão gerindo as suas atividades e os riscos inerentes a ela, instituem uma excelente oportunidade de inovação, essencial aos consumidores, investidores e financiadores como norte para a tomada de certas decisões.

A cobrança não parte somente de consumidores, mas também dos trabalhadores, sendo possível identificar um movimento de mudança das relações de trabalho. Hoje, o colaborador não está atento apenas ao efetivo cumprimento das leis trabalhistas, mas cobra também responsabilidades sociais da empresa com relação à sua força de trabalho.

Essa mudança de paradigma está refletida em diversas ações trabalhistas recentes, em que o foco não estava no pagamento de direitos não cumpridos, mas em questões sociais e condutas éticas que cada mais vez devem ser observadas e respeitadas no ambiente de trabalho.

Um dos casos foi de uma trabalhadora que ingressou com uma reclamação trabalhista pleiteando redução de sua jornada de trabalho em 25%, sem redução correspondente de salário. Ela era responsável pelo tratamento médico de sua filha, com de síndrome de Down, e necessitava acompanhá-la diariamente a sessões e consultas, além de realizar os exercícios e procedimentos determinados pelos médicos.

A empresa informou que redução de jornada sem a correspondente diminuição de salário não encontrava guarida legal e que a companhia já mantinha diversos benefícios e programas que endereçariam as necessidades da trabalhadora.

A decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), e confirmada pelo Tribunal Superior do Trabalho, contudo, determinou a redução da carga horária em 25%, com direito a intervalo de 15 minutos, sem prejuízo do salário percebido pela trabalhadora. A corte destacou que a redução da jornada de trabalho dos pais, principais cuidadores do filho com deficiência, sem prejuízo salarial e necessidade de compensação, é indispensável para garantir a máxima proteção à criança. Levou-se em consideração, portanto, não apenas regras trabalhistas, mas princípios constitucionais e convenções internacionais que protegem, também os direitos da pessoa com deficiência e os direitos da criança.

Outro caso que merece destaque foi uma ação ajuizada por uma trabalhadora que, ao tomar conhecimento que estava grávida, solicitou alteração de seu turno de trabalho. Ela e o marido cumpriam a mesma jornada de trabalho, ambos no horário noturno. Como não há creches nesse período, nem a empresa disponibiliza tais serviços, ela pretendia a transferência para período diurno por questões econômicas e sociais.

A empresa defendeu-se alegando não ser obrigada a alterar a organização de seus turnos para atender à necessidade individual de uma colaboradora, respaldando-se, ainda, no poder diretivo do empregador e no princípio da livre iniciativa.

A decisão, confirmada pelo TRT, foi expressa no sentido de garantir à empregada o direito à alteração do turno, bem como a indenização por danos morais, ao argumento de que o poder diretivo do empregador não seria um direito absoluto a impedir o exercício de outros por parte dos empregados, especialmente do direito à proteção ao trabalho da mulher, à maternidade e à infância. Ademais, foi usado o princípio da função social da propriedade e da empresa para garantir condições dignas de trabalho, respeitando os direitos individuais, sociais e trabalhistas dos seus colaboradores.

Como vemos dos litígios citados, tanto os pedidos como as decisões estão fundamentadas em princípios constitucionais gerais, e não apenas aqueles vinculados à proteção ao trabalho, como ao princípio da dignidade da pessoa humana, da responsabilidade social da empresa, da proteção ao direito da criança e do adolescente, além de aplicabilidade de conceitos previstos em convenções internacionais, elevando as relações de trabalho a um novo patamar, em que o direito deixa de ser apenas do trabalhador, mas passa a ser de toda a sociedade.

Nesse aspecto, vale ressaltar que a responsabilidade social da empresa é uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que dela é exigido um comportamento ético e responsável, cabe também exigir de seus colaboradores idênticos comportamentos, dentro e fora da empresa. Nessa esteira, também temos visto diversas decisões proferidas por tribunais que confirmam dispensas e penalidades aplicadas por empresas a seus colaboradores por não estarem alinhados com seus valores éticos.

Podemos citar como exemplos o caso de uma companhia aérea que dispensou empregado por assediar mulheres em postagens em rede social. Outra que dispensou o empregado por postagens machistas e misóginas, clube de futebol que suspendeu empregado responsável pelas redes sociais diante de postagens homofóbicas, empresa de entretenimento que demitiu profissional por postagens inapropriadas antivacinas, negacionistas e questões sobre nazismo.

Embora a responsabilidade ambiental e governança tenham uma maior visibilidade, questões sociais, além de diversidade e inclusão, também merecem especial atenção, principalmente dos responsáveis pelos cumprimentos desses critérios. Promoção do bem-estar social, saúde psicológica, ambiente acolhedor, possibilidade de oferecer oportunidades iguais e representatividade também devem ganhar destaque na tomada de decisões.

Como vimos, empresas que já observam as regras e estão em conformidade com os critérios gerais de ESG têm uma evidente vantagem competitiva, não só no que diz respeito à reputação e à credibilidade da companhia, mas ao acesso a pessoal e capital cada vez mais qualificado. Ser uma empresa cumpridora das leis já não é o suficiente. É preciso ser responsável socialmente e, acima de tudo, ética e transparente nas suas relações pessoais, inaugurado uma nova era nas relações de trabalho.

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