Anuário da Justiça, 15 anos

TST completa 80 anos num mundo redesenhado pelo coronavírus e o Uber

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25 de junho de 2021, 7h40

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2021, que será lançado na próxima terça-feira, 29 de junho, às 10h30, na TV ConJur

Um mês após a atual direção do Tribunal Superior do Trabalho tomar posse, em fevereiro de 2020, com a ascensão da primeira mulher a dirigir a corte, ministra Maria Cristina Peduzzi, a crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19 promoveu uma mudança sem precedentes no mundo – e, por extensão, no Brasil – e já tem reflexos na Justiça do Trabalho.

Aos 80 anos, completados em 1º de maio de 2020, este ramo do Judiciário está sendo desafiado a mudar seus paradigmas, adaptando-se ao novo mundo do trabalho, decorrente, em grande parte, das modificações trazidas pela epidemia. Se as relações humanas estão sendo irremediavelmente transformadas, o mesmo vale para os novos padrões de trabalho, que já vinham experimentando transformações e constituem um desafio para todos que atuam na Justiça.

Passados quase quatro anos da aprovação da reforma trabalhista (Lei 13.467, de 13 de julho de 2017), o tema suscita divergências entre as turmas e os seus integrantes e muitas das modificações trazidas pela nova legislação estão pendentes de entendimento do Supremo Tribunal Federal. “Não vejo a reforma trabalhista como supressora de direitos, mas sim como reguladora de situações antes imprevistas na CLT, ajustando a lei à nova realidade do mundo do trabalho. Acredito que ainda teremos legislação nova por vir, para regular tecnologias telemáticas e inteligência artificial que a reforma ainda não disciplinou”, diz a presidente da corte.

O ministro Ives Gandra Martins Filho, que já ocupou a Presidência do TST, afirma que a reforma trabalhista “quase antecipou o futuro” quando regulamentou a questão do teletrabalho. De maneira geral, segundo o ministro, a nova legislação supriu uma série de lacunas da CLT que clamavam por disciplina legal e acertou ao prestigiar a negociação coletiva. “Em vez de o Estado intervir continuamente através de leis, sindicato e empresas se acertam, porque sabem onde o sapato aperta. O artigo 611-A e o 611-B traçam os parâmetros na negociação coletiva. Quinze direitos no 611-A são passíveis de flexibilização, 30 direitos não são passíveis de flexibilização no 611-B. Com isso, regulam o teletrabalho, o contrato intermitente, a terceirização. Agora, alguns aspectos ainda precisam de um aprimoramento”, afirma.

Presidente da 5ª Turma do TST, o ministro Douglas Rodrigues tem uma visão mais crítica em relação à reforma. “Há pontos questionáveis, e de eficácia ainda não comprovada, como o do contrato de trabalho intermitente, originalmente pensado para determinados segmentos empresariais com demandas sujeitas a oscilações sazonais, mas que acabou generalizado no texto legal. Também as regras de contenção do acesso à Justiça, a partir da previsão da captura de recursos do trabalhador, em qualquer processo, para pagamento de valores de sucumbência parece problematizável, estando a matéria em exame perante o STF”, diz.

O ministro se refere à ADI 5.766, proposta pela Procuradoria-Geral da República, que questiona três artigos da Lei 13.467/2017. Conforme os dispositivos, quem perder litígios deverá arcar com o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios e periciais de sucumbência. As imposições valem mesmo quando a parte for beneficiária da Justiça gratuita. E, se o sucumbente receber valores por ter vencido outro processo trabalhista, esse dinheiro deverá ser usado para pagar as custas da ação em que foi derrotado. O julgamento foi suspenso em 2018 após pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

Em fevereiro de 2020, foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 409/2021, que sugere o fim da exigência de honorários sucumbenciais em processos trabalhistas. O texto altera a polêmica norma implantada na reforma de 2017.

Com a epidemia, uma discussão veio à tona com toda a força e exigirá posicionamentos firmes da Justiça do Trabalho. É o que se convencionou chamar de “uberização” do trabalho – que usa o nome do aplicativo de transporte como sinônimo de trabalho precário –, que causa discussões mundo afora, embora já tenha sido regulamentado em alguns países, com resultados às vezes favoráveis aos empregados, mas que continuam causando divergências ainda longe de serem sanadas. Trata-se de um fenômeno mundial.

No caso do TST, o ministro Breno Medeiros foi o relator de uma decisão recente que teve bastante repercussão no meio jurídico, especialmente na Justiça do Trabalho, principalmente por refletir as transformações que as relações trabalhistas estão tendo em um mundo no qual os vínculos de emprego são cada vez mais tênues. Em decisão seguida por unanimidade pela 5ª Turma, e a primeira deste tipo no TST, ele sustentou que não há vínculo empregatício entre empresas e motoristas de aplicativo.

Esta questão vai continuar em pauta por longo tempo, previu a presidente Maria Cristina Peduzzi, até haver a fixação de jurisprudência sobre o tema. Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha decidido que a competência para julgar estes conflitos seja a Justiça comum, o entendimento geral é de que, como duas turmas do TST já decidiram em sentido contrário, mesmo não existindo vínculo a relação autônoma deve estar submetida à Justiça do Trabalho.

Novo normal: sessões por videoconferência e teletrabalho já fazem parte da rotina da Justiça do Trabalho

Na decisão sobre o motorista de aplicativo e a empresa Uber, o ministro Breno Medeiros sustentou que não há subordinação entre as partes porque há flexibilidade na prestação de serviços, e a empresa não exige exclusividade. “A ampla flexibilidade do trabalhador em determinar a rotina, os horários de trabalho, os locais em que deseja atuar e a quantidade de clientes que pretende atender por dia é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação”, afirmou.

Passadas oito décadas, o próximo passo da Justiça do Trabalho é, paradoxalmente, decorrente da epidemia de Covid-19. Os juízes se preparam para o aperfeiçoamento do projeto Justiça 4.0, do Conselho Nacional de Justiça, que tem grande contribuição do TST, conforme sua presidente. Ou seja, o uso da tecnologia, que foi aperfeiçoada durante o período da epidemia, e mudanças dos procedimentos do trabalho da corte, para constituir um novo paradigma nas audiências e julgamentos.

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“O uso da tecnologia no Poder Judiciário já é uma realidade. Estamos adotando estratégias para fomentar a produção de provas por meios digitais. Assim, o uso é uma iniciativa que será implementada de maneira institucionalizada, em todos os Tribunais Regionais do Trabalho do país, com as devidas cautelas e cuidados, para que sejam garantidos os direitos fundamentais de todos aqueles envolvidos no processo”, diz Maria Cristina Peduzzi.

No momento, o TST treina juízes e servidores para que possam usar dados tecnológicos na instrução processual, principalmente quando há aspectos ou fatos controvertidos. Trata-se de um instrumento inovador na busca de provas que retratem da forma mais fidedigna possível a realidade no processo, segundo o tribunal.

As primeiras providências adotadas pelo TST, no início da epidemia no país, foram aprimoradas ao longo do ano, valem até hoje e farão parte do futuro dos julgamentos da corte. Teletrabalho, sessões telepresenciais e audiências virtuais já fazem parte do cotidiano dos ministros e servidores. Mais importante, porém, como ressalta a presidente Maria Cristina Peduzzi, foi a garantia da continuidade dos serviços jurisdicionais, sem interrupção de julgamentos, e, inclusive, com aumento da produtividade. De acordo com dados do TST, quase 84% dos processos recebidos em 2020 já foram julgados.

Durante o ano, os ministros proferiram quase 10 mil decisões a mais do que no ano anterior, passando de 331 mil para 340 mil entre monocráticas e colegiadas. A proporção de processos julgados em sessão (39,1%) e monocraticamente (60,9%) foi bastante próxima da de 2019, quando 39,4% foram julgados em sessão e 60,6% por meio de decisões monocráticas. A demanda do tribunal também aumentou. Foram distribuídos quase 350 mil casos em 2020 ante 300 mil processos no ano anterior. Com isso, e apesar do aumento na produtividade, o acervo da corte explodiu: 540 mil processos em dezembro. Em 2019, não chegava a 400 mil.

Além de toda a transformação no dia a dia e nos procedimentos da corte, a sua composição também passou por mudanças. No final de abril de 2021, o TST sofreu de forma trágica a perda do ministro Walmir Oliveira. Lutou contra o vírus da Covid-19, mas não sobreviveu. Exercia a presidência da 1ª Turma e havia 14 anos era ministro da corte. Juiz de carreira, integrava a Justiça do Trabalho desde 1989.

No mesmo mês, o TST se despediu dos ministros Márcio Eurico e Brito Pereira, que decidiram adiantar a aposentadoria. Ambos eram membros da 8ª Turma e, com a saída, provocaram uma reviravolta na composição do colegiado. Três desembargadores foram convocados: Tereza Gemignani do TRT-Campinas, Sergio Torres Teixeira do TRT-PE e Marcelo Pertence do TRT-MG. Em maio, o presidente da República indicou o desembargador Amaury Rodrigues Pinto Junior, do TRT-MS. Até o fechamento desta edição do Anuário, não havia sido sabatinado.

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