Opinião

O regime jurídico da exportação indireta no agronegócio

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24 de junho de 2021, 17h08

O agronegócio é um sistema complexo e multidisplinar, cujas redes de atividades se conectam e, em suas transações nacionais e estrangeiras, eclodem complexos negócios jurídicos, os quais necessitam do Direito para sua plena regulação, seja em políticas públicas ou na seara privada.

As exportações do agronegócio brasileiro em 2020 representaram 48% das exportações totais do Brasil. Em abril deste ano, mesmo sob as consequências da Covid-19, houve o embarque de mais de 130 mil toneladas de milho, o que representa mais de 19 vezes o volume registrado em abril de 2020.

A produção, a comercialização e a exportação de tais commodities seguem um fluxo ordenado, que vai desde a preparação, passando pelas áreas de sementes, fertilizantes, químicos, até a produção, seu armazenamento, industrialização, transporte e destinação final. Tudo isso sob a oscilação do câmbio nos negócios globalizados e sob o olhar atento aos custos de transação destes contratos empresariais.

O Direito se ocupa de todas as etapas. No mercado de grãos é possível verificar inúmeras formas contratuais nas transações entre produtores, cerealistas e tradings. Contratos de venda a fixar, a termo, operações trianguladas de barter, venda disponível e venda balcão são alguns desses instrumentos.

A venda com fim específico de exportação também é instrumento jurídico válido em nosso ordenamento e consiste basicamente em operação realizada no mercado interno, geralmente por cooperativas agrícolas e cerealistas, diretamente para comerciais exportadoras ou traders, que, por sua vez, ficam obrigadas a exportar o grão, mediante a devida comprovação, em prazo definido por lei ou convênio, com o fito de enquadramento da operação no âmbito do benefício fiscal que garante imunidade tributária.

Em outras palavras, no caso de remessa com fim específico de exportação, a operação é imune da cobrança de ICMS pelo Fisco, em razão do disposto no §2º, inciso X, alínea "a", do artigo 155 da Constituição, combinado com o artigo 3º, inciso II, parágrafo único, inciso I, da Lei Complementar nº 87/1996, que equipara a exportação indireta às operações que destinem mercadorias ao exterior, e nos termos das legislações estaduais, no que couber.

Nesse contexto, estabelece o Convênio ICMS nº 84/2009 do Confaz as obrigações do estabelecimento destinatário das mercadorias remetidas com fim específico de exportação, entre eles o CFOP para a operação de exportação de mercadoria adquirida com o fim específico de exportação na nota fiscal, além da emissão do memorando-exportação e envio ao remetente, até o último dia do mês subsequente ao do embarque da mercadoria para o exterior, acompanhado de cópia do comprovante de exportação e da cópia do registro de exportação averbado.

Portanto, o negócio jurídico celebrado nesse modelo, necessariamente e de forma vinculada, tem como objetivo e requisito de validade, a remessa das mercadorias para o exterior, sob pena de ser considerado nulo para todos os efeitos, segundo reza o artigo 166, inciso V, do Código Civil. Isso se revela, pois, são normas de ordem pública que regem a operações de exportação indireta e, portanto, limitam o campo de autonomia privada.

A regra tributária, portanto, é que a não exportação das mercadorias é causa de anulação do negócio jurídico, em virtude do desvio da finalidade contratual, da não observância do pacta sunt servanda, da boa-fé objetiva e do não cumprimento das normas de ordem pública que regem a operação.

Não fosse isso, o descumprimento contratual pela trader é capaz de gerar prejuízos financeiros ao vendedor do grão, porquanto correrá o risco de ter a operação de venda com finalidade específica de exportação descaracterizada, passando a sujeitar-se às regras internas e, consequentemente, ao lançamento do ICMS, multa e juros na venda concretizada. Isso porque a Cláusula 6º do Convênio ICMS nº 84/2009 do Confaz, determina que o estabelecimento remetente ficará obrigado ao recolhimento do imposto devido, inclusive o relativo à prestação de serviço de transporte quando for o caso, monetariamente atualizado, sujeitando-se aos acréscimos legais, inclusive multa, segundo a respectiva legislação estadual, em qualquer dos seguintes casos em que não se efetivar a exportação, no prazo de 180 dias, contado da data da saída da mercadoria do seu estabelecimento.

Vê-se que a punição fiscal é direcionada ao remetente e não ao destinatário da commoditie, o que, ao nosso ver, é ponto de crítica ao legislador e torna as negociações "pós-venda" incipientes, via-à-vis em tempos de crise, fazendo aumentar a necessidade de avaliação do risk assessment em tal modalidade de transação.

Assim, em caso de descumprimento a tal regra contratual, abre-se a possibilidade de judicialização para desconstituir o negócio, proceder o arresto dos grãos entregues e desimcumbir-se de sanção pelo poder público, seja evitando preventivamente a sanção, seja reunindo provas a fim de que a mesma seja declarada insubisistente. No caso de condenação já ocorrida, a competente ação indenizatória de regresso é o caminho adequado para discussão do caso, a fim de que se reestabeleçam a segurança jurídica, a legalidade e a justiça nas relações.

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