Anuário da Justiça, 15 anos

Com repercussão geral e Plenário Virtual, STF chega ao menor acervo em 25 anos

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23 de junho de 2021, 7h40

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2021, que será lançado na próxima terça-feira, 29 de junho, às 10h30, na TV ConJur

No ano em que diversos setores do país foram paralisados pela epidemia de Covid-19, o Supremo Tribunal Federal nadou de braçada: conseguiu deliberar sobre um número recorde de processos em 2020. O Plenário julgou 125 temas de repercussão geral, cinco vezes mais que em 2019. Desde 2006, a corte conseguiu reduzir seu acervo de 150 mil para apenas 25 mil processos em dezembro de 2020. O acervo atual é o menor dos últimos 25 anos.

A atipicidade do ano de 2020 levou o Supremo a buscar formas e ferramentas não só para não interromper as atividades jurisdicionais como para ampliá-las. Mudanças administrativas, regimentais e na área de tecnologia da informação foram feitas para permitir a ampliação dos julgamentos remotos e por videoconferência, medida adotada desde março de 2020. O resultado foi significativo, com quase 100 mil decisões proferidas no ano, sendo 81 mil monocráticas e 18 mil colegiadas, distribuídas entre as duas turmas e o Plenário.

Em 2020, foram feitas 77 sessões plenárias telepresenciais e 40 virtuais, com um total de 5.827 processos julgados. Nas sessões telepresenciais do Plenário, foram julgados 19 recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, impactando 123.865 casos sobrestados nas instâncias de origem. A 1ª Turma julgou 6.798 processos e a 2ª Turma, 5.532.

O ganho de produtividade foi possível graças à ampliação dos julgamentos virtuais, a partir da aprovação da Resolução 672/2020, ainda na gestão do ministro Dias Toffoli como presidente. Entre as mudanças, a ampliação para que todos os processos de competência do tribunal possam ser julgados em sessões virtuais; os pedidos de vista passaram a ter prazo de 30 dias para devolução, prorrogáveis por igual período; a possibilidade de os processos com pedido de vista na sessão telepresencial terem o julgamento retomado em ambiente virtual; a publicação de acórdãos em até 60 dias a partir da publicação da ata de julgamento; e a permissão para convocação de sessão virtual extraordinária em caso de excepcional urgência.

Dias Toffoli não tem dúvida de que o Plenário Virtual é um caso de sucesso. “Julgamos um estoque muito grande de repercussões gerais que levariam de cinco a dez anos para serem julgadas. E também as ações diretas de inconstitucionalidade ou declaratórias que estavam há algum tempo paradas ou porque não havia pauta. Tínhamos um estoque de mais de mil processos liberados para o Plenário, mas não havia agenda possível. Então o Plenário Virtual e o Plenário por videoconferência têm cumprido uma função que vai além de manter em funcionamento o Supremo. Inclusive com esse ganho de produtividade, que, acho, veio para ficar.”

O ministro Gilmar Mendes avalia que “essa mudança foi quase que redentora para o Supremo. Com a ampliação do Plenário Virtual, temos a possibilidade de dinamizarmos, porque não dependemos da Presidência para a pauta. Eu mesmo tinha muitas ADIs esperando julgamento e conseguimos atualizar o nosso estoque com essa possibilidade. Foi um grande ganho”.

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“É preciso usar a tecnologia”, defende o ministro Alexandre de Moraes. “Em seis meses julgamos mais ADIs do que nos últimos seis anos. É muito mais interessante que se julgue rapidamente o que não precisa ser tão debatido do que ficar na fila por décadas”.

Esse pragmatismo, no entanto, não passou imune a críticas de advogados, que reclamaram da falta de debate e participação nos julgamentos virtuais. Algo que Gilmar Mendes reconhece: “Claro, há algumas considerações críticas em torno disso, porque essa dinâmica toda às vezes não permite um debate mais aprofundado e alguns dizem que isso pode ocasionar repercussões nem sempre desejáveis na jurisprudência. Isso é algo que tem preocupado.” Nesse momento, afirma o ministro, há consenso de que foi uma mudança para melhor, mas “talvez a gente tenha que ter cautela, talvez colocar um número razoável de casos nas sessões virtuais, para dar tempo. Isso é um aprendizado, são pontos que temos que ir aperfeiçoando, mas de qualquer forma a mudança foi importantíssima, porque solucionou um problema de estrangulamento mesmo que havia na corte”.

A partir de sugestões de advogados, foi possibilitada a manifestação das partes nos processos, em sustentação oral e em questão de ordem. Eles devem fazer o envio de arquivo de sustentação oral por meio do sistema de peticionamento eletrônico do STF até 48 horas antes do início do julgamento. Elas então vão automaticamente para o sistema de votação dos ministros, que são obrigados a abrir os arquivos de sustentação antes de votar. Houve a ampliação do período das sessões virtuais, que passaram a ter duração de seis dias úteis.

“Outra grande vantagem para o advogado é que ele não precisa se deslocar até Brasília. Assim, clientes com menos recursos financeiros passaram a fazer sustentações na corte, o que antes não se podia. Percebemos que é crescente o número de advogados nas tribunas virtuais do Supremo, em regra para casos em que o paciente no HC não seria representado no Supremo, no RHC, nos mandados de segurança. Há advogados dos mais diversos rincões sustentando”, comenta Alexandre Freire, secretário de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação no STF. Segundo ele, mais de 90% das decisões tomadas no STF atualmente são em ambiente virtual.

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No Plenário Virtual os ministros decidiram temas importantes, como a fixação de que não incidem juros de mora entre a data de expedição e de pagamento do precatório; o entendimento de que o beneficiário que continua a trabalhar não deve receber aposentadoria especial; a posição de que servidores temporários não fazem jus a 13º salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional; e cerca de 40 temas tributários.

Ao todo, foram julgadas 125 repercussões gerais, 106 delas no Plenário Virtual. Também a pedido da advocacia passou-se a liberar o inteiro teor dos votos dos ministros durante o julgamento e a se registrar quais ministros votaram. Ao longo do julgamento os advogados apresentam matérias de fato e podem renovar memoriais. As abstenções deixaram de ser computadas como se o ministro tivesse acompanhando o relator. Apenas o presidente e alguns assistentes estiveram no plenário físico. Os demais ministros participam da sessão de seus respectivos gabinetes e escritórios.

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Para o atual presidente, ministro Luiz Fux, o Plenário Virtual consistiu numa das principais transformações do STF na última década, proporcionando celeridade nos julgamentos e permitindo que o Plenário presencial se debruce sobre casos mais complexos, de maior relevância nacional. “Ano a ano o tribunal tem aperfeiçoado o Plenário Virtual. Os ministros têm maior liberdade na inserção de listas para julgamento e qualquer um deles pode pedir destaque de um caso para deliberação presencial”, diz.

Fux reconhece alguns desafios a serem vencidos: “Especialmente fomentar o ambiente deliberativo, reduzir a fragmentação e a dispersão de votos, e proporcionar aos advogados e às partes uma experiência mais confortável. Nenhum desses desafios elimina as virtudes do Plenário Virtual. Estamos sempre atentos às manifestações dos advogados e das partes com o intuito de aperfeiçoar o sistema.”

Sessão invisível: único ministro presente no Plenário, Fux preside uma das 77 sessões telepresenciais de 2020

Para o presidente da corte, os avanços administrativos, institucionais e tecnológicos levarão o STF a ser a primeira corte constitucional 100% digital do mundo, ou seja, a possibilidade de oferecimento online de todos os serviços judiciários. Ele destaca, entre as inovações de sua gestão, a criação do Inova STF, um grupo multidisciplinar incubador de projetos disruptivos, o fortalecimento do sistema de precedentes mediante criação de uma unidade de inteligência, a Secretaria de Gestão de Precedentes, e a internacionalização do tribunal, com sua aproximação com a Agenda 2030 da ONU e a parceria com instituições acadêmicas internacionais. Ainda na gestão de Dias Toffoli, consolidou-se, no âmbito da Presidência da corte, a gestão da repercussão geral e a análise dos recursos manifestamente incabíveis –, o que, em 2020, evitou a distribuição aos ministros de 73% dos recursos recebidos no tribunal.

O presidente da corte tem planos de entregar um novo sistema para o Plenário Virtual, mais intuitivo e célere. Na linha de projetos disruptivos, implementou o MJE (Módulo de Jurisdição Extraordinária), voltado ao gerenciamento de precedentes, que permitirá ao STF monitorar ondas de litigiosidade em tempo real em todo o país. “No campo deliberativo, avançaremos na desmonocratização do tribunal, privilegiando, ainda, pautas que ajudem o país na retomada econômica e na concretização de direitos fundamentais.”

Fux quer adotar ainda mais filtros de admissibilidade recursal, pois, diz, o STF recebe pedidos que, em sua maioria, não deveriam ter chegado à Suprema Corte, como questões infraconstitucionais e temas sem repercussão geral. “Somos a Suprema Corte que mais julga no mundo e devemos ter mecanismos que tornem o Supremo brasileiro uma corte eminentemente constitucional.”

O Supremo já caminha para o uso de inteligência artificial na gestão dos serviços. Para saber, por exemplo, quais os precedentes do tribunal que mais são violados em sede de reclamação. “Ainda existe um flanco, uma oportunidade de uso da tecnologia para melhorar a missão do STF como corte de precedentes. Sem dados consistentes não há produção de políticas judiciais eficientes”, diz Pedro Felipe Santos, secretário geral do STF e juiz federal.

A juíza federal e assessora de ministro, Caroline Somesom, garante que o Supremo é a única corte constitucional do mundo que tem um sistema de inteligência artificial, o robô Victor. “Estamos na vanguarda dessa inserção”, diz. O projeto, ela conta, começou na gestão da ministra Cármen Lúcia, em 2017. “Victor” é uma homenagem ao ministro aposentado do STF Victor Nunes Leal, grande defensor da sistematização da jurisprudência por súmulas. O sistema funciona por algoritmo treinado em determinada base de dados, para classificar precedentes.

“A tarefa do Victor é ler REs que aportam no Supremo e identificar quais deles já estão vinculados a temas de repercussão geral. Ele dá uma sugestão, que é levada ao servidor e depois ao ministro. Enquanto o servidor leva 44 minutos para a tarefa, o Victor faz em cinco segundos, com acerto de 95%”, comenta Somesom. Ela conta que ele tem sido treinado com base em 27 temas mais comuns de RG (atualmente são mais de mil temas em RG), mas que correspondem a 50% dos casos mais repetitivos que chegam ao STF, e dá solução para, em média, dez mil processos por ano. “O alinhamento entre inteligência artificial e inteligência humana, feito com as devidas cautelas técnicas e éticas, é um caminho frutífero para o Poder Judiciário”, resume Fux.

Adeus de um gigante: depois de 31 anos, Celso de Mello retirou-se da corte, deixando um legado de sabedoria e dignidade

O plenário do Supremo voltou a julgar os inquéritos e as ações penais contra pessoas com prerrogativa de foro. A alteração foi proposta por Fux logo que assumiu a Presidência, levando em conta a diminuição de processos desse tipo no tribunal. Para Fux, o julgamento pelo colegiado dos 11 fortalece a instituição, que pode decidir casos controversos a uma só voz. “A mudança regimental se insere num conjunto de medidas para institucionalizar o tribunal, reduzindo, sempre que possível, a sua fragmentação deliberativa. À luz da Constituição, o STF é o Plenário. Não é eficiente um Supremo na 1ª Turma, outro na 2ª Turma e um terceiro representado pelo Plenário”, diz.

Em outubro de 2020, o tribunal perdeu o ministro Celso de Mello, o mais longevo no Supremo do período republicano. Foram 31 anos de corte e mais de 50 anos de serviços prestados à sociedade. Para seu lugar chegou o ministro Kassio Nunes Marques, que fez carreira como advogado no Piauí e como desembargador federal na 1ª Região. Em julho de 2021, a corte terá outro desfalque significativo: Marco Aurélio atinge a idade limite do serviço público. Caberá ao presidente Jair Bolsonaro indicar um substituto e ao Senado Federal aprová-lo.

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