Opinião

Gargalos do sistema judicial: identificação, críticas e sugestões — Parte 4

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18 de junho de 2021, 18h08

Justiça de duas instâncias
Retomando nosso propósito de apresentar à sociedade, a quem cabe o direito de autodeterminação, propostas para tornar o sistema judicial brasileiro mais consentâneo com a nossa realidade, de país continental, populoso e de muitos contrastes, com predominância de população pobre e cultura de judicialização dos problemas sociais e do setor público, menos moroso, ineficiente e antieconômico, focando agora a nossa atenção na terceira instância do nosso sistema judicial, representada pelos tribunais superiores, em especial Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, pela natural e compreensível dificuldade de atuarem como revisores das decisões judiciais de todos os tribunais do país, com demanda proporcional à população e indicadores sociais, refletindo o conjunto de mais de 211 milhões de habitantes e imensa quantidade de empresas e demais entes sociais, além dos entes públicos, estes com ações de ampla repercussão social.

Iniciamos as nossas reflexões chamando atenção para o quanto é ilusório e difícil, senão impossível, concretizar um ideal de justiça a partir de uma multiplicidade quase inesgotável de possibilidades de suscitar pronunciamentos e decisões das várias instâncias da Justiça em cada um dos processos, de levar o inconformismo das partes a uma ciranda sem fim, que apenas contribui para desacreditar a instituição.

Ao tempo ainda não tão remoto das máquinas de escrever, os processos de regra se limitavam a duas instâncias da Justiça, e os tribunais superiores eram bem menos acionados e com possibilidades bem menores de êxito, tendência que se inverteu para o extremo oposto, sobretudo com as facilidades proporcionadas pelos recursos da informática.

Foquemos, pois, na razão de existir, função e importância dos tribunais superiores.

O Supremo Tribunal Federal tem como função maior e de mais relevo a defesa da Carta Política, de uniformizar a interpretação e aplicação do texto constitucional, para evitar que seja corrompido por interesses que se antagonizam com as suas disposições, função que muito se agiganta pelo caráter dirigente da nossa Lei Maior, com mais de cinco mil preceitos.

A dos demais tribunais superiores, não somente de Superior Tribunal de Justiça, com destaque a este pela amplitude da sua função de uniformizar a interpretação e aplicação de todo o direito federal, monumento gigantesco que abarca todo o universo de competência dos demais tribunais superiores, tem o mesmo objetivo de fazer aplicar o direito positivo de maneira uniforme em todos os rincões do nosso imenso país.

Isso se justifica porque a legislação federal, que tem papel preponderante e quase hegemônico, em relação às legislações locais de estados e municípios, num Estado mais unitário do que propriamente federativo, emana de representantes eleitos em todo o país, para a regulação da vida de todos os brasileiros, de modo que não deve ser aplicada de maneira díspar, a despeito dos significativos contrastes regionais, econômicos, culturais, de costumes e valores do povo brasileiro.

Tal a razão por que devemos considerar importantes todas as disposições legais, como expressão da soberania da vontade popular, sem possibilidade de outro critério de valor que não o concernente à pirâmide de hierarquia das leis, encimada pela Lei Maior.

Desse modo, não há como prescindir dos mecanismos processuais tendentes a esse objetivo, de aplicação uniforme do direito nacional.

Contudo, há necessidade de restringir esse papel ao mínimo indispensável, de modo que a demanda seja razoavelmente possível de ser atendida por esses tribunais superiores.

O estatuto processual atualmente em vigor introduziu importante mecanismo de uniformização das decisões judiciais, no âmbito de cada tribunal, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que é julgado por colegiado mais amplo e representativo de cada tribunal, cujo resultado tem efeito vinculante para todos os órgãos fracionários.

É este um mecanismo de extrema importância, por ser capaz de obrigar que cada tribunal do país julgue as questões de direito de maneira uniforme.

Assim, em vez de buscar uniformidade a partir de cada processo individualmente considerado, isso deve ser perseguido no âmbito de cada tribunal, dos 27 tribunais de justiça dos estados, seis tribunais regionais federais, mais de 27 tribunais regionais do trabalho, dado que alguns estados têm mais de um, 27 tribunais regionais eleitorais, apenas para citar os principais.

Isso pode facilitar e diminuir o trabalho dos tribunais superiores, pois basta condicionar o acesso a eles aos casos de decisões divergentes entre tribunais, não de casos isolados, mas a partir da unificação do entendimento por intermédio desse mecanismo precioso, do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que deve albergar não somente demandas semelhantes, mas sobretudo a aplicação das mesmas disposições de lei, servindo, também, para uniformizar, no âmbito de cada unidade federativa, pelos tribunais de justiça dos estados, a interpretação e aplicação de leis estaduais e municipais.

Portanto, aos tribunais superiores não caberia exercer esse papel de uniformização senão a partir de divergências entre tribunais diversos, entre entendimentos uniformizados em cada um, a respeito da mesma questão de direito.

Desse modo, antes de poder acionar os tribunais superiores, as partes terão de buscar, pelo referido mecanismo, a uniformização do entendimento no próprio tribunal.

Ante provocação das partes, com demonstração da divergência, esses tribunais superiores determinarão, com efeito vinculante para todo o país, o posicionamento a ser adotado, sem necessidade de julgamento do processo em que a questão é suscitada, que caberá à instância de origem.

 Não deve caber ao Superior Tribunal de Justiça a revisão do entendimento dos outros tribunais superiores, que farão a uniformização, em âmbito nacional, nas áreas das suas respectivas competências, cabendo esse papel ao Superior Tribunal de Justiça somente no que diz respeito às justiças estaduais e à justiça federal não especializada, ou, ainda, que fique restrita a dirimir divergências de entendimento, fixado pelo mecanismo de uniformização em cada tribunal, entre diferentes tribunais superiores, a respeito das mesmas questões de direito.

Igual papel deve caber ao Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, de pronunciamento somente a respeito de divergências entre tribunais diversos, sobre questões constitucionais, que decorram, no entanto, desse mecanismo de uniformização no âmbito de cada tribunal.

Assim, os tribunais superiores não terão de dirimir divergências de interpretação e aplicação das leis, constitucionais e infraconstitucionais, com respeito a processos individualmente considerados, mas somente entre tribunais diversos, segundo o mecanismo, indispensável, de uniformização das suas próprias decisões.

Decisões isoladas, sem repercussão ou potencialidade de repercussão para significativa quantidade de outros processos, não devem ensejar nenhum mecanismo de uniformização, nem no âmbito de cada tribunal, tampouco para acesso aos tribunais superiores.

Com isso, sairá fortalecido o mecanismo das duas instâncias, que deve ser a regra, com restrição e desestímulo de acesso a outras, que assim terão como melhor responder à demanda e com mais qualidade.

Questão, portanto, de valorizar as instâncias ordinárias, com diminuição da carga das instâncias superiores e do tempo de duração dos processos, dando às partes e à sociedade mais rápida solução aos litígios.

Esta proposta, provavelmente a mais importante das que já apresentamos, em termos de simplificação e otimização do nosso sistema judicial, vai de encontro à da PEC 10/2017, em tramitação no Congresso Nacional, que busca introduzir mecanismo de relevância da discussão infraconstitucional, como requisito para admissibilidade de recurso especial.

É o quanto submeto à apreciação dos doutos e de toda a sociedade brasileira.

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