Opinião

Proteção integral da criança e do adolescente: o guardião falou

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16 de junho de 2021, 18h26

No julgamento finalizado no dia 7/6/2021, o Supremo Tribunal Federal conferiu justiça na esfera previdenciária ao menor sob guarda, conferindo "aos filhos do coração" o direito à percepção da pensão previdenciária, por morte do seu guardião.

A exclusão do menor sob guarda do rol dos dependentes previdenciários do Regime Geral de Previdência Social resultou da alteração promovida pela Lei 9.528/97, configurando violação à proteção integral à criança e ao adolescente consagrada no texto constitucional, além de significar um retrocesso no sistema de proteção dessas pessoas.

No julgamento da ADI 4.878, o STF confirmou a orientação do STJ favorável ao infante (REsp 1.411.258-RS, em 11/10/2007). Esse REsp inverteu a orientação jurisprudencial anterior e promoveu-lhe uma verdadeira virada copernicana. Com esse julgamento, abandonou-se a doutrina da situação irregular dos menores e passou-se a adotar a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, consagrada no artigo 227 da Constituição. Essa doutrina é de amplíssimos efeitos, embora alguns julgadores ainda se encastelem em posições adversas, mas, com manifesta ofensa aos direitos humanos e fundamentais.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, introduzida no Direito Brasileiro pelo Decreto 99.710/1990, possibilita a efetividade à prioridade absoluta que a Constituição reconhece à criança e ao adolescente. Portanto, qualquer decisão administrativa ou judicial que se afaste desse superior paradigma ofende a Carta Magna e agride o direito fundamental da pessoa protegida. Essa proteção não é apenas jusprevidenciária, mas também envolve a relação familiar e a proteção contra a dispersão do seu núcleo, a assistência dos pais, o acesso à educação e à saúde, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade.

O eminente ministro Celso de Mello já teve o ensejo de produzir página notável sobre a proteção aos infantes, dizendo o seguinte:

"A ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos da pessoa, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a proteção à criança e ao adolescente, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, da norma inscrita no artigo 227, caput, da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental e que é, no contexto ora examinado, a proteção integral da criança e do adolescente (RE 482.611/SC)."

A lei é idealizada e criada para o povo, objetivando a proteção e o atendimento de seus mínimos direitos. Para a criança e o adolescente, a proteção é absoluta e prioritária, regra máxima contemplada na Carta Magna. A consagração da proteção social dos menores sob guarda efetiva a proteção a sua dignidade material e configura verdadeiro bálsamo a quem se incumbiu de tão nobre e humanitária missão de cuidar de uma criança, na condição de guardião.

Como bem assentou o douto ministro Edson Fachin, a interpretação conforme a ser conferida ao artigo 16, § 2º da Lei 8.213 /1991, portanto, deve contemplar os menores sob guarda na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do artigo 227 da Constituição da República, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (artigo 16, § 2º Lei 8.213/1991 e Decreto 3.048/1999). Nesse sentido, fica evidente que a comprovação da dependência econômica evitará fraudes e simulações na situação de fato, coisa indesejável e merecedora de repressão.

Atribuindo-se, como se deve, a mais ampla inteligência e eficácia a essa primorosa decisão do guardião da Constituição, pode-se afirmar com convicção que nenhuma conveniência administrativa e nenhum argumento de prevalência de interesse público poderão sobrepor-se à diretiva constitucional de prioridade absoluta à proteção aos infantes. A Constituição não contém conselhos ou ponderações, sugestões ou recomendações, mas, sim, determinações imperativas que não podem ser encurtadas ou fraudadas por interpretação exígua ou alheia aos seus superiores propósitos. Mas a efetivação dessas salutares diretrizes acha-se nas mãos dos julgadores e na dependência de sua sensibilidade humanística.

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