Opinião

LGPD e contratos de concessão: fato do príncipe e uso de dados para gerar receitas

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5 de junho de 2021, 15h17

O advento da Lei 13.709/2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), traz consigo dois aspectos relevantes para os contratos de concessão vigentes no território nacional: a possível configuração de um fato do príncipe; e o uso do tratamento de dados pessoais para garantir receitas acessórias às concessionárias.

Comecemos pelo primeiro aspecto citado. O fato do príncipe, como é chamado pela doutrina do Direito Administrativo, se caracteriza pelo impacto sobre determinado contrato administrativo em decorrência da prática de atos genéricos e abstratos pela Administração Pública, como quando o Estado exerce o seu poder legislativo.

Por exemplo: imaginemos que o Estado celebra um contrato administrativo com o particular e, posteriormente, edita uma lei que fixa uma série de novas obrigações para este mesmo particular, tornando a execução do contrato muito mais cara do que o previsto quando da assinatura do contrato. Nestes casos, a depender da alocação de riscos, o particular terá o direito a repactuar o valor do contrato, de forma a garantir o equilíbrio entre as obrigações que assumiu e o pagamento que receberá, reestabelecendo o equilíbrio econômico-financeiro projetado quando da assinatura do contrato e alterado por fato posterior.

Pois bem, é plenamente possível que a incidência da LGPD sobre as concessionárias provoque um aumento das obrigações destas capaz de interferir sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, gerando um direito à repactuação do mesmo. Imaginemos uma concessionária que atue no setor elétrico. A etapa de distribuição da energia elétrica importa no tratamento de imensos dados pessoais. Assim, não seria incomum que a necessidade de adaptação da prestação dos serviços às novas obrigações fixadas pela LGPD importem um novo custo ao concessionário, cujo volume seja capaz de afetar consideravelmente o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente projetado. Caso essa interferência sobre o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente projetado se verifique, poderá existir o direito à repactuação do contrato de concessão.

Um segundo aspecto relevante, como dito, é a possibilidade de tratamento de dados pessoais, pelos concessionários, como forma de garantir receitas acessórias. Os dados representam, hoje, um importante ativo financeiro, não à toa sendo apelidados de "novo petróleo". De forma que este potencial econômico não pode ser ignorado, inclusive porque a obtenção de receitas acessórias através do tratamento de dados pessoais pelos concessionários pode ser um instrumento para garantir a modicidade tarifária, ideia tão cara aos contratos de concessão.

Por isto, com a edição da LGPD, a doutrina tem começado a se debruçar sobre a possibilidade de os concessionários tratarem dados pessoais como forma de obtenção de receita acessória mediante comercialização de informações estatísticas, por exemplo. E não apenas mediante tratamento de dados obtidos durante a prestação do serviço público concessionado, mas mesmo dados compartilhados pela Administração Pública, com o fim de gerar receita acessória e promover a modicidade tarifária. Isto porque a LGPD, no seu artigo 26, § 1º, IV, prevê a possibilidade de compartilhamento de dados pessoais pelo Poder Público com particulares com fundamento em contratos.

Naturalmente, o tratamento de dados pessoais por concessionários como forma de obtenção de receita acessória deverá observar as disposições da LGPD, de forma a garantir a conformidade do diploma. Assim, será preciso observar questões como a anonimização dos dados, a obtenção do consentimento do titular, entre outros aspectos. Todavia, ainda assim, configura uma oportunidade ímpar para promoção do inegável interesse público envolto em tarifas módicas.

Em resumo, a vigência da LGPD representa fato com importante repercussão sobre os contratos de concessão, os quais não podem ser ignorados pelos concessionários, tampouco pelos poderes concedentes. Primeiro porque a LGPD pode impactar negativamente sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, e um contrato marcado pelo desequilíbrio terá dificuldades em cumprir com o interesse público envolto no seu objeto. Depois, o tratamento de dados pessoais pode constituir um importante instrumento para promoção da modicidade tarifária nos serviços concessionados, favorecendo o interesse público mediante ampliação do acesso aos serviços concessionados.

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