Opinião

A necessidade de juízo de admissibilidade dos crimes conexos no Tribunal do Júri

Autor

  • Edson Luiz Facchi Jr.

    é advogado criminal mestrando em Direito especialista em Ciências Criminais membro da Associação Brasileira da Advocacia Criminal (Abracrim) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

29 de julho de 2021, 12h06

Tem prevalecido nos tribunais o entendimento segundo o qual é vedado ao magistrado, no rito do Tribunal do Júri, pronunciar o acusado pelo crime doloso contra a vida e impronunciá-lo ou absolvê-lo pelo crime conexo. A doutrina tradicional, nesse sentido, é de que a análise do crime conexo, na decisão de pronúncia, limita-se quanto à declaração da sua conexidade [1].

Antes de adentrarmos ao mérito da questão propriamente dito, é preciso relembrar, por elementar, que a decisão de pronúncia, nos termos do artigo  413, limita-se à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação. O juiz deve, ainda, declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Portanto, a decisão de pronúncia há de ser, como toda decisão judicial, fundamentada. Limitada, claro. Mas fundamentada. Sem excessos. Mas, ainda assim, fundamentada.

Cuidou o legislador, com a limitação imposta pelo §1º do artigo 413 do CPP, de evitar, de um lado, qualquer tipo de interferência judicial no resultado dos jurados. Tanto é assim que, conforme leciona Jader Marques, tal preocupação "levou à proibição expressa, nos debates, de referência à pronúncia ou às decisões que, em grau de recurso, tenham admitido a acusação (artigo 478, inc. I, do CPP)" [2]. De outro lado, que houvesse um filtro judicial que delimitasse a acusação.

Até aí, tudo bem. A pronúncia faz o juízo de admissibilidade, consistente na verificação de dois elementos mínimos: 1) a materialidade; e 2) indícios suficientes de autoria ou de participação, de outro. A indagação é: por qual motivo essa tônica se alteraria para os crimes conexos aos dolosos contra a vida?

Advoga a doutrina tradicional que, optando por pronunciar o acusado do crime doloso contra a vida, e havendo crime cuja conexão restou reconhecida no processo, referido delito deve ser submetido ao Conselho de Sentença de forma automática. Havendo ou não prova da materialidade. Verificando ou não a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Isso porque, de acordo com essa corrente, ao juiz não é "(…) permitido pronunciar o acusado pelo crime doloso contra a vida e absolvê-lo ou impronunciá-lo pelo crime conexo, ou proceder à desclassificação da infração conexa. Se assim fosse, estaria usurpando do Tribunal do Júri sua competência para julgar ambos os delitos, em flagrante violação ao quanto disposto no artigo 78, inciso I, do CPP (…)" [3].

O argumento é falacioso. Isso porque, embora o artigo 78, I, do CPP, diga que compete ao júri o julgamento das infrações conexas (salvo na hipótese de crimes militares e eleitorais), o legislador, de igual forma, não vedou a fundamentação — ainda que limitada — também dos crimes conexos.

Ademais, a julgar por esse raciocínio, o juiz não poderia sequer impronunciar (artigo 414, CPP), absolver sumariamente (artigo 415, CPP) ou desclassificar (artigo 419, CPP) os próprios crimes dolosos contra a vida, posto que estaria, da mesma forma, "usurpando do Tribunal do Júri a sua competência para julgar o delito". É justamente para evitar injustiças que o legislador houve por bem exigir esse filtro acusatório, através da decisão de pronúncia. Não faz sentido que o crime conexo não passe por esse mesmo filtro.

Mais: o fato de a legislação processual penal não abordar, de forma específica, o tema (e que é um dos fundamentos de quem comunga da tese contrária), não dispensa a fundamentação — limitada — quanto ao crime conexo. Pelo contrário.  Quando se diz em "limitação" na fundamentação da decisão de pronúncia, quer se dizer especial atenção na fundamentação. E isso vale também aos crimes conexos. A fundamentação jaz de necessidade constitucional, advinda do artigo  93, IX, da Carta Magna.

Não se pode perder de vista que, em atenção ao artigo 476, do CPP, a acusação será feita, quando dos debates, nos limites da pronúncia. Ou seja: a importância da decisão de pronúncia reside também no fato de ser balizador-limitador da pretensão acusatória em plenário.

Seja como for, o magistrado, ao concluir pela pronúncia do crime doloso contra a vida, deve verificar a existência da materialidade e de indícios de autoria ou de participação quanto ao crime conexo, igualmente, "decotando as imputações que não se revestirem de plausibilidade jurídica" [4].

Poucos e tímidos julgados do Superior Tribunal de Justiça têm exigido a necessidade de um juízo de admissibilidade do crime conexo, citando-se, como exemplo, o AgRg no AREsp nº 1.621.078/PR, e o AgRg no REsp nº 1.693.713/GO, cujo voto, de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, dispõe que a "decisão de pronúncia de delito da competência do Tribunal do Júri acarreta a submissão do crime conexo à apreciação do conselho de sentença, ressalvada a hipótese da falta de justa causa em relação ao delito conexo, como ausência da materialidade do fato ou de indícios de autoria".

Portanto, não se mostra razoável que o crime conexo seja, de forma automática, sem passar pelo filtro da pronúncia, remetido ao Conselho de Sentença, sob pena de se correr o risco de submissão do acusado a julgamento por uma conduta: 1) manifestamente atípica; 2) sobre a qual haja manifesta ausência de justa causa; 3) sobre a qual está provada a presença de uma causa de excludente da ilicitude; ou 4) que o acusado não seja o autor ou não tenha participado.

 


[1] Neste sentido, Aramis Nassif, em "O Júri Objetivo II, 1. ed. Florianópolis, SC: Empório do Direito, 2017", p. 67.

[2] MARQUES, Jader. Tribunal do júri: considerações críticas à Lei 11.689/08 de acordo com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 66.

[3] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual. — Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 1476.

[4] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 875.

Autores

  • é advogado criminal, mestrando em Direito, especialista em Ciências Criminais, membro da Associação Brasileira da Advocacia Criminal (Abracrim) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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