Opinião

A litigância climática como instrumento de combate às mudanças no clima

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14 de julho de 2021, 7h12

O aumento da temperatura global e a intensificação dos eventos climáticos como consequência das atividades humanas são hoje um dos maiores desafios da humanidade. Considerando a importância do assunto, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu, como a 13ª Meta para o Desenvolvimento Sustentável, a adoção de ações contra a mudança global do clima. Com vistas a atender à meta e a frear a crise climática, mais de 40 líderes mundiais se reuniram na Cúpula do Clima, entre os dias 22 e 23 de abril, para debater medidas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa e o desmatamento ilegal, bem como reafirmar acordos em prol de uma economia mais verde, com a adoção de fontes de energia renováveis e de soluções tecnológicas e a redução de gases do efeito estufa.

Em paralelo às discussões governamentais visando à adoção de políticas públicas coordenadas em escala global, atores privados têm buscado medidas judiciais para implementação de medidas. Esse é o contexto do chamado climate litigation, ou "ações de litigância climática". São ações propostas, em sua maioria, contra governos e entidades públicas para que: 1) estes sejam fiscalizados, avaliados, ou compelidos a adotar medidas ou políticas públicas efetivas para cumprir acordos internacionais relacionados às questões climáticas; 2) sejam ainda responsabilizados por eventual descumprimento dessas políticas; e/ou 3) sejam estabelecidos limites para emissões de gases de efeito estufa em consonância com os acordos internacionais.

As ações climáticas podem ser também ajuizadas em face de entidades privadas, e algumas já o foram, visando a condená-los a: 1) desenvolverem projetos e adotarem medidas para reduzir a emissão de gases do efeitos estufa; e/ou 2) incluírem e consideraram a crise climática como um fator de risco inerente ao negócio.

Os litígios climáticos se diferenciam substancialmente das ações "comuns". A primeira diferença é de que o bem jurídico tutelado é transfronteiriço e ultrapassa os limites territoriais de cada país. Além disso, o que se pretende com as ações não é a prestação jurisdicional final ou, em outras palavras, a solução do problema, mas, sim, uma solução parcial relacionada à adoção de medidas mitigadoras ou de compensação. Outras grandes distinções referem-se à extensão da relação de causalidade, que é significativamente mais longa e complexa, e aos tipos de danos causados, mais generalizados. Entre outras motivações, os autores dessas ações visam a atingir medidas específicas que terão possivelmente implementação mais veloz do que as medidas mais amplas com coordenação global que decorrem das ações de governos na esfera internacional, as quais, pela pluralidade de atores e interesses envolvidos, costumam requerer longo prazo para adoção e maturação. Visam, também, a influenciar a tomada de decisão governamental na esfera internacional.

De acordo com o Global Climate Litigation Report: 2020 Status Review (em português, Relatório Global de Litigância Climática de 2020), elaborado pela United Nations Environment Programme (Unep),em conjunto com a Sabin Center for Climate Change Law da Universidade de Columbia, estima-se que as climate litigations representem cerca de 1.550 ações judiciais em trâmite em 38 países. Os Estados Unidos, apenas, concentram mais de 1,2 mil, com um aumento de 75% em relação ao ano de 2017.

No Brasil, a discussão sobre a viabilidade da litigância climática tem avançado lentamente. As reflexões acerca da mudança climática no âmbito dos tribunais brasileiros são ainda embrionárias, estando representadas pela ADPF 708 e pela ADO 59, que tramitam no Supremo Tribunal Federal objetivando conferir efetividade ao Fundo Clima e ao Fundo da Amazônia. O país teve sua primeira ação climática propriamente dita proposta em 13 de abril deste ano  uma ação popular ajuizada por seis jovens em face do atual ministro do Meio Ambiente e do ex-ministro das Relações Exteriores, em função da chamada "pedalada" climática cometida pelo governo em dezembro de 2020 [1], quando foram apresentadas novas metas ao Acordo de Paris, em alegado retrocesso em relação ao compromisso anteriormente assumido.

Nesse cenário, o litígio climático se apresenta não apenas como um indutor de mudanças, mas também como crescente apelo social por responsabilidade ambiental dos governantes e entidades privadas para que deixem de degradar o meio ambiente e contribuam para atenuar os efeitos negativos sobre o clima global.

 

[1] Apelido popular, em regra ligado a questões fiscais, dado a um tipo de manobra matemática/contábil feita pelo Poder Executivo para fazer parecer o cumprimento determinadas metas.

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